- Me desculpe, Pamela, eu estou com sono – falei pausadamente num tom ironicamente calmo, enquanto subíamos os degraus da escola rumo às nossas classes – Não fiquei acordada quase a noite toda porque quis, sabe. Tudo bem, eu confesso, existe um motivo além do sono atrasado, e que também está por trás dele. Quer dizer, Pamela não precisava ficar sabendo que eu andava sonhando demais com o professor Lautner, certo? Ela nem sabia que eu tinha ido ao seu apartamento! Pra que sair contando tudo quando eu podia praticar meu controle emocional e mentir pra ela? Seria tão mais produtivo, e ainda me ajudaria muito em futuras omissões. Já passou da hora de começar a pensar também no futuro, e não só em aliviar os incômodos do presente. - Você e esse seu sono me estressam – ela disse simplesmente, revirando os olhos assim que chegamos ao nosso andar – Vê se melhora essa cara, parece até que eu tô mais empolgada que você! Soltei um risinho espontâneo, surpresa com a capacidade sensitiva de Pamela. Pra quem não sabia da pior parte, até que ela estava boa de chute. As aulas antes do intervalo foram entediantes e superficiais. Não me lembro de absolutamente nada que os professores disseram, mas não parecia ser nada de importante. Pelo menos pra mim, não era nem um pouco importante no momento, isso eu posso afirmar. - Rutyh! – ouvi uma voz cochichar quando eu estava saindo (lê-se: me arrastando pra fora) da sala, como sempre, após todos já terem corrido para a liberdade limitada do pátio. Hesitei por um momento ao ouvir o chamado, e respirei fundo antes de me virar na direção da sala ao lado, de onde Kell me encarava com um sorriso sapeca. - Vem cá, fujona – ele sussurrou, me pedindo pra entrar com um gesto de mão, e eu me esgueirei pra dentro da sala deserta junto dele. Mal Kell fechou a porta atrás de nós, suas mãos percorreram minha cintura e ele me abraçou, unindo nossos lábios num beijo carinhoso. Eu tinha que admitir, ficar com ele jamais perderia a graça. Bom, pelo menos não totalmente. - Espero que esteja preparada pra sumir de casa nesse fim de semana – ele sorriu quando partiu o beijo, daquele seu jeito encantador, e eu me vi dando o sorriso mais largo e espontâneo dos último cinco dias. Eu preferia não incluir os sorrisos involuntários que surgiam em meu rosto quando me pegava pensando em Taylor nessa conta. - O que você tá aprontando, hein? – perguntei, involuntariamente contagiada pela atmosfera gostosa que o rodeava constantemente, e ele balançou negativamente a cabeça. - Logo você vai descobrir – foi só o que Kell disse, tocando a ponta de meu nariz com o dedo indicador e me dando um selinho em seguida – Por enquanto, tudo o que você precisa saber é que meu seqüestro começa hoje à tarde, algumas horas depois da escola, e só termina na segunda-feira. Arregalei os olhos, surpresa, e o sorriso esperto dele aumentou. - Como assim? Começa hoje? Mas já? – indaguei, enquanto ele colocava meus cabelos pra trás da orelha – Kell, dá pra parar de mistério? - Dá pra parar você de ser tão ansiosa e esperar? Falta pouco, pequena! – ele retrucou, imitando meu jeito afobado e me fazendo rir – E aproveita essa agitação toda pra se arrumar rapidinho depois da escola, porque eu quero você às três horas lá em casa. Ah, e se eu fosse você, levaria uma mochila com algumas roupas. - Claro que eu vou levar uma malinha, não pretendia passar três dias usando as mesmas roupas – falei, logo depois virando a cabeça pro lado em sinal de dúvida – Mas que tipo de roupas? - Biquínis são obrigatórios, e algumas roupas bem leves – ele respondeu, olhando pro teto como se estivesse pensando – Mas “leves” não significa “curtas”, muito menos “indecentes”, ouviu bem? Estarei de olhos bem abertos. Não gostei muito do rumo que a conversa estava tomando, alguns flashbacks de fatos que eu preferia esquecer estavam dando o ar da graça em meus pensamentos. Tentei fingir que estava tudo bem, e logo tratei de reprimir aquelas lembranças. A empolgação pela surpresa tinha finalmente borbulhado dentro de mim, e eu não ia deixar que meros detalhes estragassem tudo novamente. - Entendi, roupas leves – assenti uma vez, e ao ver Kell erguer autoritariamente as sobrancelhas, quase tornando visíveis em sua testa as palavras “Não está esquecendo nada?”, eu revirei os olhos e completei a revisão – Mas nada curto nem indecente demais. - Agora sim – ele grunhiu, relaxando os ombros e fazendo uma carinha emburrada que me fez sorrir feito idiota – Você é só minha e de mais ninguém, que isso fique bem claro. Kell apertou o abraço em minha cintura, e senti um nó se formar em minha garganta, junto com o suor frio de pavor, que já dava suaves sinais de vida. Foi quando eu decidi que estava na hora de desconversar. - Acho melhor irmos – balbuciei, fazendo a cara mais despreocupada possível e olhando pra porta fechada – O inspetor vai começar a desconfiar. - É mesmo – ele sussurrou, com uma falsa expressão amedrontada, e me deu um tapinha no bumbum, como se me mandasse ir – Até mais tarde, amor. Mordi o lábio inferior ao ouvir do que ele tinha me chamado, e o nó na garganta começou a latejar de remorso. Ele raramente me chamava assim, dizia que era “brega, mas de vez em quando, parecia certo”. Porque eu era o amor dele. E doía saber que eu não merecia aquele sentimento tão puro e transparente. - Ei, espera – cochichei, segurando o rosto dele carinhosamente e olhando fundo em seus radiantes olhinhos azuis – Eu só queria dizer que... Eu te amo. Muito. Mesmo com todos os recentes (e incríveis) acontecimentos com Taylor, eu não me senti falsa ao dizer que o amava. Porque aquilo não tinha deixado de ser verdade. Meu coração bombeou alívio para todos os cantos de meu corpo com o bom resultado de meu teste. Nada tinha mudado. E se eu tivesse controle sobre a parte devassa de minha mente, o que eu definitivamente não tinha, tudo continuaria igual. Mas mesmo repetindo pra mim mesma que tudo estava intacto, havia uma voz baixa, porém muito poderosa, que me dizia que eu estava errada, que tudo estava mudado. A voz dele. Estremeci de leve, mas felizmente ele não percebeu. Meus conflitos internos ainda me denunciariam, fato. Respirei fundo e me recompus, deixando pra refletir sobre minha situação afetiva num outro momento. Kell piscou algumas vezes, assimilando minhas palavras, e abriu um sorriso lindo de orelha a orelha. Ele aproximou lentamente seu rosto do meu, fazendo carinho em minhas bochechas com seus polegares, e quando estava prestes a me beijar, pude ouvi-lo murmurar: - Eu faria qualquer coisa... Só pra ouvir você me dizer isso. Meus olhos, que miravam perdidamente os lábios dele, se ergueram até encontrar seus olhos, intensamente ternos. Senti algumas lágrimas se formando, mas as contive quando ele me beijou daquele jeito especial, só dele. Mas eu não era mais só dele. E nunca mais seria. Capítulo 16 - Oi, Andy – falei, assim que cheguei ao balcão da recepção do prédio às três da tarde. - Oi, Rutyh – ele respondeu vagamente, concentrando-se em suas palavras cruzadas – Seu tio pediu pra você subir logo, parece que ele tá com um pouco de pressa hoje. - Ahn... OK – gaguejei, segurando a vontade de rir enquanto dava as costas a Andy e caminhava rumo às escadas. Eu nunca me acostumaria ao falso status de sobrinha de Kell, talvez nem se ele realmente fosse meu tio. Comecei a subir os degraus rapidamente, ouvindo alguns barulhos de chaves e trancas, e nem bem cheguei ao primeiro andar, Kell já estava ao meu lado, ajeitando apressadamente uma mochila nas costas. - Bem na hora – ele ofegou, me dando um selinho rápido e logo depois me puxando de volta para o térreo. Mesmo estando totalmente confusa com a pressa dele, me deixei levar por sua mão, cujos dedos estavam entrelaçados nos meus antes que eu me desse conta. - Pra que essa correria toda? – falei, franzindo a testa, e Kell revirou os olhos, como se a resposta fosse óbvia. - Todo o tempo que eu tenho com você nesse fim de semana tá cronometrado – ele explicou baixinho, enquanto chegávamos ao térreo – Pra aproveitar ao máximo cada minuto. Kell sorriu pra mim, empolgado, e eu logo vi seu sorriso radiante refletido em meu rosto involuntariamente. Aquele sorriso tinha poderes sobrenaturais, eu sempre soube disso. Passamos rapidamente por Andy, que nos cumprimentou com um aceno distraído de cabeça, e logo chegamos ao carro. Deixamos nossas mochilas no banco traseiro e na mesma pressa de antes, entramos no veículo, que não demorou a arrancar. Kell ainda ostentava um sorriso, ainda mais largo que o anterior, e eu estava começando a ficar ansiosa de verdade. O que ele estava aprontando afinal? - Essa é a sua última chance de me deixar menos ansiosa e me contar pra onde estamos indo – suspirei educadamente, após alguns metros percorridos em silêncio. Ele ergueu uma sobrancelha, sem me olhar, e um sorrisinho começou a brincar em seus lábios. Parecia que meu poder de persuasão não adiantaria nada. - Tudo bem – voltei a falar, quando vi que ele não responderia – Essa viagem poderia ser muito mais... Divertida, mas já que é assim... Você que sabe. Kell alargou seu sorriso de canto, balançando negativamente a cabeça num falso tom de desaprovação. - Então é assim que você acha que vai me convencer? – ele perguntou, finalmente me olhando de um jeito esperto – Acha que eu não vim preparado pra resistir às suas chantagens? Confesso que aquele olhar dele me deixou um pouco fora dos eixos. Ele já tinha olhado pra mim várias vezes daquele jeito convencido. Mas em nenhuma das outras vezes, os olhos que eu vi nele pareciam pertencer a outra pessoa como naquele momento. Senti meu corpo se arrepiar por inteiro, apesar de minha relutância. - Te odeio – revirei os olhos o mais naturalmente que pude, me encolhendo no banco do carona e fazendo Kell rir. Ele sempre ria de tudo que eu fazia, fator que eu sempre usava como vantagem em momentos nos quais eu precisava disfarçar alguma coisa. Continuamos nossa viagem, conversando de vez em quando, cantarolando as músicas que tocavam na rádio e fazendo coisas agradáveis que se podem fazer num carro (nada das coisas que você deve estar pensando). Eu sabia que estávamos saindo de Londres, mas como eu desconhecia os caminhos para outras cidades, até mesmo as mais próximas, nem tentei me localizar. Pelo contrário, após uma hora rindo feito louca das besteiras que Kell falava, acabei ficando meio grogue e caí no sono. Só acordei por volta de uma hora depois, quando o sol já começava a baixar ao leste. Me ajeitei no banco do carona, piscando algumas vezes pra por minha visão em foco. Olhei em volta, tentando descobrir onde estávamos, mas nada me parecia familiar. Definitivamente, eu nunca tinha pisado naquele lugar antes. - Bom dia, bela adormecida – Kell brincou, colocando uma mão sobre a minha coxa e fazendo carinho de leve – Eu e você sozinhos dentro de um carro e tudo que você faz é dormir? Que decepção. - Você escolheu assim, não se esqueça disso – lembrei, me virando pra ele sem conseguir conter um risinho, e ele retribuiu rapidamente meu olhar com um sorriso danado. - Já estamos quase lá, só mais alguns minutos – ele disse, passando as costas dos dedos em minha bochecha e voltando a se concentrar no trânsito. Aproveitei o vento favorável que vinha da janela e o retrovisor do carro pra arrumar meu cabelo e dar um jeito na minha cara amassada, sem conseguir não sorrir quando ele insistia que eu era linda de qualquer jeito. Eu nunca me acostumaria ao cavalheirismo de Kell. Minha ansiedade aumentava a cada curva, até que ele virou numa rua deserta e estacionou seu carro na frente de uma bela casa de praia. Kell desligou o carro, suspirando satisfeito e virando-se pra mim com a expressão ansiosa. Eu mal conseguia ter controle sobre meus músculos faciais, de tão impressionada com toda aquela beleza arquitetônica bem diante dos meus olhos. - Então... – ouvi Kell perguntar, estudando minha reação - O que acha? - C-chegamos? – perguntei, atônita, e ele apenas sorriu significativamente. Olhei pra ele, boquiaberta, e logo um sorriso de orelha a orelha se abriu em meu rosto. Aquele lugar era lindo, e agora que o motor do carro não fazia barulho, era possível ouvir as ondas do mar quebrando em algum lugar perto dali. Simplesmente perfeito. - Kell, eu... Eu não sei o que dizer – balbuciei, olhando pra casa e pra ele, sem conseguir me decidir em qual dos dois repousar meu olhar – É linda! - Eu sei – ele assentiu uma vez, carinhoso – E é nossa por esse fim de semana. Encarei seus olhinhos felizes e comecei a rir sozinha, maravilhada com aquilo tudo. Kellan Lutz só podia ser fruto da minha imaginação, era perfeição demais pra um simples e único ser humano. Onde eu estava com a cabeça ao pensar que alguém poderia estremecer todo o amor que eu sentia por ele, tão sólido, tão concreto que parecia uma diamante dentro do meu peito? - Você não existe – falei, mordendo o lábio inferior, e ele soltou um risinho divertido. - Hm, eu existo sim – ele discordou, fingindo pensar no assunto antes de voltar a sorrir pra mim com segundas intenções – Posso até provar que sou bem real. - Ah, é? – murmurei, aproximando minha boca de seu ouvido e escorregando a mão perigosamente pelo lado interno de sua coxa, próxima à virilha – Então prove. Kell fechou os olhos lentamente, deixando-se arrepiar com meus carinhos, e acariciou meu rosto com sua mão, agarrando meus cabelos atrás da orelha. - Comporte-se, mocinha – ele sussurrou, enquanto distribuía beijos demorados e macios em meu pescoço – Guarde um pouco disso pro resto do fim de semana. Sorri, arrepiada com os beijos dele, e mordi o lóbulo de sua orelha, fazendo-o escorregar por entre meus dentes enquanto me afastava e voltava à minha postura inicial. Kell me olhava, meio ausente devido à provocação descarada, e logo depois soltou um suspiro contido. - Pensando bem, eu acho que devia ter te contado antes – ele refletiu, assentindo de leve com as sobrancelhas erguidas – Tenho certeza de que nossa viagem seria bem mais divertida. - Seu tarado – censurei-o, fingindo reprovação em minha expressão e voz, e ele me olhou de canto, sorrindo timidamente. - Que tal entrarmos? – ele sugeriu, suspirando profundamente de um jeito dramático e me fazendo rir. - Boa idéia – concordei, radiante – Preciso ver se a casa é tão linda por dentro quanto é por fora. - É ainda melhor – Kell sorriu, saindo do carro logo depois. Fiz o mesmo, me oferecendo em vão pra carregar alguma de nossas mochilas, e o acompanhei de mãos dadas até a entrada da casa. Ele tirou a chave do bolso e abriu a porta, lançando um breve olhar animado pra mim, que o retribuí com a mesma empolgação. Me senti uma garotinha diante de uma casa da Barbie em tamanho real. Kell me deu passagem para entrar primeiro, e eu o obedeci. Dei alguns passos dentro da casa, deslumbrada com a beleza luxuosa e ao mesmo tempo simples dos móveis e decoração. Era uma das casas mais lindas que eu já tinha visto, e se pudesse sonhar com alguma, definitivamente seria como essa. - Linda, não é? – Kell murmurou, colocando as mochilas sobre o sofá e se aproximando por trás de mim. Olhei pra ele, que logo parou de observar a casa para retribuir meu olhar, e assenti, maravilhada. - É perfeita – sorri, com o coração acelerado. Kell me abraçou devagar pela cintura e colocou o rosto na curva de meu pescoço, me arrepiando com sua respiração calma e quente. - Como você – ele sussurrou, roçando carinhosamente a ponta de seu nariz em minha pele. Fechei os olhos, sentindo meu coração acelerar ainda mais, e me virei lentamente, até ficar de frente pra ele. Abracei seu pescoço sem pressa, observando enquanto minhas mãos subiam por seu peito, e finalmente devolvi seu olhar, muito mais feliz do que eu me lembrava que podia ser. - Como você – corrigi baixinho, aproximando nossos rostos e dando um beijinho de esquimó nele, que sorriu com o agrado e fechou os olhos. Aproximei ainda mais meu rosto do dele e toquei seus lábios com os meus, começando com alguns selinhos demorados e logo aprofundando mais o beijo. Kell espalmou suas mãos em minhas costas, alisando cada centímetro cuidadosamente. Foi descendo até meus quadris e me apertou contra seu corpo, automaticamente intensificando nossos movimentos. Nossas línguas se moviam em sintonia, num beijo cheio de saudade e desejo. Não havia nada tão cheio de sentimento quanto nossos momentos juntos. Quando estávamos começando sufocar um ao outro sem a menor intenção de parar, uma coisa começou a tremer entre nós, e eu pulei de susto. Kell não costumava tremer por lá quando me beijava, se é que você me entende. - Mas que caralho – ele xingou baixo, suspirando e revirando os olhos enquanto enfiava tremulamente a mão dentro do bolso da bermuda e tirava de lá seu celular. Ah, tá, o celular. Ufa, meu namorado continua tendo ereções normais. E continua falando palavrões quando interrompem nossos amassos. É, ele continua o mesmo Kell de sempre. - Que é, sua bicha? – ele grunhiu, fazendo um biquinho espontâneo com seus lábios vermelhos (o que só tornou meu riso ainda mais incontrolável e o fez rir junto comigo, mesmo que contra sua própria vontade) – A gente já chegou sim. Tá, valeu. - Quem era? – perguntei, ainda rindo, quando ele desligou o celular com a expressão entediada e voltou a enterrá-lo no bolso. - O proprietário da casa – ele respondeu, hesitando um pouco antes de falar, e eu franzi levemente a testa, estranhando aquela pequena pausa. - Algum problema? – insisti, enquanto ele voltava a me puxar pra si pela cintura – Talvez você não devesse tê-lo chamado de bicha. - Não, não tem problema nenhum – Kell riu, voltando ao normal – Ele é uma bicha mesmo, não consegue viver sem mim. - E quem é esse meu concorrente? – gargalhei, quase chorando de rir do jeito dele ao passar aquela boa impressão do cara. Estava tão entretida rindo que não consegui frear minha gargalhada a tempo de ouvir o que ele respondeu, nem mesmo depois de sua mudança brusca de expressão, de alegre para séria. - Erm... É o Tay. Uma sensação de ar sumindo de meus pulmões veio com força total, como se eu tivesse sido esmagada por um lutador de sumô. Kell tinha me levado para passar o fim de semana na casa de praia do Lautner? Era informação demais pra assimilar tão de repente. Minha expressão desmoronou, assim como toda a minha fortaleza anti-Taylor. Estar numa casa que pertencia a ele seria um fato difícil de digerir. - Eu sei que devia ter te falado antes, preferia até não te falar, mas... Me desculpe, Rutyh – Kell murmurou, parecendo desconcertado – Já brigamos por causa dele, e sei que vocês não se dão bem, mas... Foi o próprio Tay que ofereceu a casa, e como eu adoro esse lugar e não tenho condições de conseguir nada igual a isso, aceitei a idéia na hora. - T-tudo bem – gaguejei, forjando um sorriso que mais deve ter parecido uma careta de dor do que outra coisa, mas que foi suficiente para aliviar a súbita tensão de Kell – Ele é seu amigo, eu... Eu entendo. Entender era uma coisa. Gostar da idéia, ou melhor, me acostumar com ela, não me arrepiar com o simples fato de que aquela casa pertencia a Taylor e saber que eu estava lá com outro cara? Ah, isso era uma coisa bem diferente. Mas eu tinha prometido a mim mesma que não deixaria nada atrapalhar meu fim de semana com Kell, e me apeguei a essa promessa. - Bom, vou aproveitar a interrupção desnecessária pra te mostrar o resto da casa – Kell disse, me dando um breve selinho – Você vai adorar a vista do quarto, ainda mais com o pôr-do-sol. Me deixei ser guiada por ele em nosso tour pelos cômodos, totalmente absorta em pensamentos. Por mais que eu conseguisse sorrir de vez em quando com as descrições maravilhadas de Kell sobre cada móvel, meu pensamento continuava distante dali, perigosamente próximo do proprietário daquela casa. Imaginei por um momento se Taylor já havia levado mulheres pra lá. Com certeza já... Mas quantas? Várias de uma só vez? Será que Kelly já teria passado um fim de semana com ele naquela mesma casa? Definitivamente, eu teria um certo trabalho pra afastar aqueles tipos de pensamento da minha mente. Imaginar Kelly passeando pelos cômodos só de roupas íntimas (ou até mesmo sem elas), enquanto os olhos dele a acompanhavam, me causou uma súbita queimação dentro do peito, que eu logo reprimi furiosamente. Eu estava começando a me convencer de que tinha alguma doença psicológica incurável. - Agora chegamos ao lugar mais lindo da casa – Kell avisou, empolgado, antes de abrir a porta de um dos cômodos no andar de cima – Feche os olhos. Suspirei, tentando relaxar, e obedeci. Ouvi a porta se abrir e logo as mãos de Kell me guiaram pela cintura alguns passos pra dentro. O barulho do mar ali era bem mais alto, e um vento agradavelmente fresco e com cheirinho de praia nos atingiu após algumas passadas. Ele me mandou parar, e me abraçou por trás antes de sussurrar ao pé do meu ouvido: - Pode abrir. Fiz o que ele pediu devagar, e uma forte luz alaranjada infestou meus olhos. Estávamos na sacada do quarto, de onde podíamos ver uma faixa relativamente curta de areia estender-se até ser encoberta pelo mar sereno. O sol estava prestes a “tocar” a água no horizonte, irradiando laranja sobre tudo que havia abaixo de si e reinando solitário no céu, já que nenhuma nuvem ousara aparecer ao seu redor. Aquela vista me tirou o fôlego. Pra mim, o pôr-do-sol era um dos espetáculos mais lindos da natureza. Sempre que eu podia, costumava ficar observando as oscilações de cores lindas e vibrantes no céu enquanto o sol se punha, refletindo sobre qualquer coisa ou simplesmente ouvindo alguma música. Era extremamente terapêutico, me deixava muito mais calma à noite e me fazia dormir melhor. Claro que com as reviravoltas dos últimos dias, não havia pôr-do-sol que me acalmasse, mas eu não deixava de tentar. - Kell... É lindo! – soprei, levando uma mão à boca em sinal de deslumbramento. Ele não respondeu, apenas soltou um risinho mudo e acomodou melhor seu queixo em meu ombro, com a lateral de seu rosto colada ao meu. Aquela vista me fez enxergar as coisas com muito mais clareza, analisar todas aquelas preocupações que a lembrança de Taylor havia trazido com mais calma, e até mesmo chegar a uma conclusão. Eu tinha que colocar em minha mente que eu amava Kell e não precisava de mais nada. Tantas pessoas esperam a vida inteira para encontrar sua alma gêmea, e eu com meus míseros 17 anos, tive a sorte de encontrar a minha. Mas ainda assim, conseguia ser baixa ao ponto de pensar em outro homem... Ao ponto de tê-lo traído com outro homem. Aquilo me sufocou. A culpa e a censura me estrangularam, cruéis e dolorosamente justas. Taylor nunca seria capaz de fazer por mim nem a metade do que Kell fazia. Eu não podia continuar daquele jeito. Eu precisava acabar com aquilo. - Se eu te pedir uma coisa... Promete que vai fazer? – murmurei, encarando o horizonte com os olhos apertados pelo vento. - O que você quiser – ele respondeu, também baixinho, como se tivesse medo de interromper o silêncio, e também porque não havia necessidade de falar alto com nossa proximidade. - Por favor, prometa que vai fazer – repeti, mordendo meu lábio inferior. - Prometo – ele falou, virando um pouco o rosto para poder me observar – Não confia em mim? Suspirei, sem conseguir não confiar nele, e assenti. Era impossível não confiar. - Então me prometa só mais uma coisa – gaguejei, sentindo minha voz falhar de nervoso - Se um dia eu te machucar... Prometa que vai fazer pior comigo. Kell ergueu a cabeça, recuando com o pescoço pra trás até ficar com a coluna reta, e eu hesitei antes de olhá-lo. Ele me observava com a expressão séria, confusa, e até um pouco desconfiada. - Como assim, Rutyh? – ele perguntou, com a testa firmemente franzida – Como você poderia me machucar? - Eu só quero que você me dê a certeza de que vou me arrepender amargamente do dia em que te fizer sofrer – insisti, virando de frente pra ele, com o olhar triste – Quero que prometa que não vai me deixar em paz sem me punir por uma injustiça dessas. Kell piscou algumas vezes, ainda sem entender, e eu esperei até que ele se recuperasse da surpresa e me respondesse. - Você não me faria sofrer... Faria? – ele questionou, olhando nos meus olhos como se procurasse uma resposta pra sua pergunta ali. Sua expressão resignadamente assustada fez com que algumas lágrimas surgissem em meus olhos, num misto de vários sentimentos. Remorso, pena, raiva de mim mesma, vontade de voltar no tempo, vontade de me afogar naquele mar bem à nossa frente e me desfazer daquela vida que eu definitivamente não merecia. - Nunca – sussurrei, fechando os olhos e tentando não chorar, mas foi um pouco inútil. Dois segundos depois e minhas lágrimas estavam molhando a camiseta dele, assim como meus braços estavam abraçando-o tão forte que considerei a hipótese de estar machucando-o. Mas como ele me envolveu com seus braços quentinhos num abraço quase tão apertado, eu presumi que estava tudo bem. Tudo estaria sempre bem, desde que eu tivesse Kell ao meu lado. E eu não precisava de mais nada. Capítulo 17 opcional: baixem Muse – Time Is Running Out e dêem play quando a letra começar - Posso te perguntar uma coisa? - Já tá perguntando, mas eu vou te dar um crédito. - Ah, obrigado. Hm... Eu não sei bem como perguntar isso. Vai parecer cafona, aliás, é cafona, mas eu quero saber mesmo assim. - Então deixa de ser bobo e pergunta logo. Eu estava sentada na beira do mar, abraçada aos meus joelhos e sentindo a água gelada tocar meus pés descalços. O barulho das ondas e o vento gostoso estavam me deixando sonolenta, ainda mais com os braços de Kell envolvendo minha cintura, me aproximando de seu peito e me abrigando ainda mais confortavelmente entre suas pernas. - Você se imagina daqui a um bom tempo... Ainda comigo? – ele finalmente perguntou, me fazendo virar a cabeça pra olhá-lo. Kell não retribuiu meu olhar, apenas continuou a fitar pensativamente o horizonte à nossa frente. Tínhamos perdido a noção da hora, mas já devia ser tarde, pela escuridão, que só não era tão gritante sobre nós por causa das luzes acesas que emanavam da casa. Levei algum tempo pra responder, com um sorriso tímido no rosto. - Pra falar a verdade, eu imagino isso há uns três anos – falei, voltando a ficar de frente e sentindo minhas bochechas queimarem. Aquela frase tinha soado mais infantil do que eu pensei. - Jura? – ele exclamou, com a voz surpresa pela revelação – Desde que eu comecei a te dar aulas? Assenti, me sentindo a pirralha sonhadora, ainda mais com o riso satisfeito de Kell. Hesitei por um momento, me perguntando se deveria fazer o que estava pensando, mas antes de chegar a uma conclusão, ouvi minha própria voz me delatar: - E você? Se vê comigo daqui a um tempo? Ele deu uma pequena pausa, assimilando a pergunta, e eu esperei sua resposta sem me mexer, apenas observando a água do mar tocar meus pés novamente. - Na verdade, eu procuro não pensar nisso – ele murmurou, me abraçando mais forte, e apesar de não ser aquela a resposta que eu esperava ouvir, continuei imóvel – Prefiro me apegar a cada minuto como se fosse o último, como se você fosse fruto da minha imaginação e pudesse sumir a qualquer momento... Pensar assim vai tornar as coisas muito mais fáceis quando eu tiver que te deixar ir. Franzi a testa de leve, sentindo melancolia na voz dele. Meu coração doeu com aquelas palavras, e novamente me virei de lado, colocando minhas pernas sobre a dele. - Me deixar ir? – soprei, sentindo minha garganta apertada, e fixei meu olhar no dele, mesmo sem ser correspondida. Kell deu um sorriso triste, voltando a demonstrar uma certa dor em sua expressão. - Encare os fatos, Rutyh – ele disse, finalmente me olhando, e por um momento eu preferi que ele não o fizesse e me poupasse da agonia que seus olhos transpareciam - Você tem uma vida inteira pela frente, e o que eu tenho? Mais alguns anos até que tudo que eu possa te oferecer seja o meu amor, coisa da qual você provavelmente não vai mais precisar. E até lá, alguém muito melhor do que eu vai aparecer, e tudo que passamos juntos será apenas parte do passado. A cada palavra dele, eu ficava mais inconformada. Por que ele pensava daquela forma? O fato de eu estar ali com ele, amando-o como nunca amei ninguém, não era suficiente pra provar que eu o queria pra sempre? Por que ele ainda tinha dúvidas de que ficaríamos juntos por muito tempo? Se nem eu, que tinha um motivo com nome e sobrenome para pensar como ele, cogitava uma hipótese daquelas, por que ele cogitava? - Eu não consigo acreditar que você tá me dizendo essas coisas – falei, com a voz falha de tão incrédula – Retire o que disse, agora! - Rutyh... – ele insistiu, cabisbaixo e com um sorriso sem humor algum, mas eu não lhe dei tempo pra continuar. - Retire o que disse! Agora! – repeti num volume um pouco mais alto, erguendo seu rosto até seus olhos ficarem à altura dos meus – Eu nunca mais quero te ouvir falando absurdos como esses, entendeu? Se você não quiser me magoar, é melhor parar com isso! Você me ofende falando assim! Kell demorou a devolver meu olhar, e quando o fez, seu sorriso doloroso se transformou num sorriso leve, tímido. Mesmo com a seriedade do momento, me vi lutando contra meus músculos faciais, com vontade de sorrir diante do jeito fofo dele. - Me sinto um garotinho de dois anos com você brigando assim comigo – ele murmurou, com o sorriso levemente esmagado entre suas bochechas por causa de minhas mãos, que ainda envolviam firmemente seu rosto. - Também não precisa exagerar, né? – sorri, ainda meio irritada, envolvendo seu pescoço com meus braços – Uma hora acha que tá velho demais, depois me faz sentir uma pedófila? Decida-se, Lutz! Dessa vez, Kell soltou uma gargalhada gostosa, que me fez sorrir ainda mais. Nem parecia que estávamos num momento crítico há tão pouco tempo. - Acho que eu já me decidi – ele disse, olhando fixamente pra mim enquanto passava um de seus braços por baixo de minhas pernas e envolvia minha cintura com o outro – Decidi que está um pouco frio aqui, e é melhor entrarmos e nos aquecermos. - Hm – falei, fingindo analisar a decisão e fazendo o máximo para manter o clima agradável que havia sido restabelecido tão depressa – Preciso mesmo dizer que concordo? Kell também fez cara de pensativo, e logo voltou a sorrir. - Acho que não – ele riu, levantando-se comigo no colo com uma agilidade invejável. Kell caminhou até a casa, rodopiando de vez em quando e me fazendo rir, abraçada ao seu pescoço. Antes de entrarmos na casa, lavamos nossos pés no chuveiro que havia perto da porta, e em momento nenhum Kell me colocou no chão. E sinceramente, eu adorava ser carregada no colo. Resquícios da infância, talvez. Ele me levou até o quarto, dando beijos estalados em minha bochecha a cada degrau que subia, enquanto eu enrolava meus dedos nos cabelos de sua nuca devagar e ria, como sempre. Assim que conseguimos abrir a porta do quarto com certa dificuldade e mais algumas risadas, ele se dirigiu à cama e me deitou com delicadeza, como se eu fosse uma boneca de porcelana. Ficou de pé me observando por alguns segundos, e eu vi um sorriso iluminar seu rosto. Sem a menor chance de resistir, sorri de volta, e ele se deitou devagar sobre mim, distribuindo beijos pela minha barriga, pescoço e leves mordidas no queixo e bochechas pelo caminho. De olhos fechados, eu não conseguia deixar de sorrir com os carinhos em meu rosto, até que seus lábios se aproximaram do canto de minha boca, e inevitavelmente nos beijamos. Deslizei minhas mãos pelo peito e barriga dele, desabotoando lentamente sua blusa. Estava morrendo de saudade daquilo, e não queria estragar o momento com qualquer tipo de pressa. Ele, que estava apoiado em suas mãos pra não depositar todo o seu peso sobre mim, soltava suspiros roucos quando eu me distraía e acariciava seu tórax ao invés de desabotoar sua camisa. Não era só eu que estava sentindo falta, ainda bem. Quando cheguei ao último botão, subi minhas mãos até seus ombros e deslizei a blusa até que ele a tirasse. Me impulsionei com esforço um pouco mais pra cima, encostando minhas costas na parede atrás da cama e ficando quase sentada pra que ele não precisasse se esforçar tanto, e Kell me acompanhou, sentando-se ao meu lado. Na mesma hora, ele passou uma de minhas pernas sobre ele e me sentou em seu colo, encaixando meu tronco no seu confortavelmente. Kell acariciou minha cintura lentamente, trazendo minha blusa pra cima com suas mãos. Me desfiz dela, vendo-o morder o lábio inferior discretamente, e comecei a beijar caprichosamente seu pescoço, conseguindo excitá-lo sem vulgaridade. Ele agarrou meus cabelos devagar, apertando minha coxa com certa força na tentativa de se controlar e não acelerar muito as coisas. Voltei a beijá-lo logo, sentindo-o bem mais enérgico, e não demorou muito pra que meu shorts não estivesse mais onde eu o tinha colocado antes de sair de casa. Enquanto nos beijávamos intensamente, eu escorreguei minhas mãos até o cós de sua calça, desabotoando-a com facilidade e puxando-a pra baixo devagar. Me afastei de Kell conforme tirava a peça, e engatinhei sobre ele pra voltar à minha posição anterior, sentindo seu olhar quase doer de tão desejoso sobre mim. Assim que me aproximei o suficiente, ele me deitou ao seu lado, colocando-se entre minhas pernas e me beijando tão profundamente que eu pensei que quisesse me engolir. Senti as mãos dele tatearem minhas costas em vão buscando o fecho, e não pude deixar de sorrir. Notando meu divertimento, ele se afastou um pouco, confuso e ofegante, e eu sorri ainda mais, abrindo meu sutiã pelo único fecho frontal. A cara de compreensão e deslumbramento dele foi impagável. Após fazer meu sutiã voar longe até encontrar o chão, Kell foi descendo seus beijos pelo meu corpo, demorando-se um pouco mais em meu busto, e antes de voltar a unir nossos lábios, senti seus olhos fitarem cada traço do meu rosto rapidamente, admirados. Passei as mãos sobre suas costas e cintura nuas, até alcançar o elástico de suas boxers. Mordendo o lábio inferior dele de leve, eu ameacei tirá-la, mas antes disso, minha calcinha já estava na metade do caminho sem que eu tivesse percebido. Nos despimos por completo, agradando simultaneamente um ao outro, e quando ele voltou a me beijar, tateei pela mesinha de cabeceira em busca de sua carteira, encontrando-a sem dificuldade. Kell sempre deixava sua carteira o mais próximo possível da cama, porque ambos sabíamos bem que era ali o lugar onde os preservativos aguardavam até seu próximo uso. Interrompi o beijo para colocar a camisinha nele, sentindo-o ofegar tanto quanto eu, apesar de não estarmos sendo tão agressivos como de costume. Parecia que nossas últimas conversas desde a chegada a casa tinham provocado reflexões em nossas mentes, e naquela noite em especial, nossos sentimentos estavam prevalecendo sobre nossos instintos. Assim que estávamos devidamente protegidos, eu busquei os lábios dele com os meus, beijando-lhe desde o pescoço até a boca com um pouco de urgência. Kell me correspondia calmamente, mas com muita intensidade em cada movimento, até que colocou sua boca perto de meu ouvido e sussurrou, com a voz rouca: - Eu te amo. Ele se afastou para me olhar nos olhos por um segundo, e ao me ver sorrir, voltou a me beijar, me penetrando logo depois. Mesmo com os movimentos dele, delicados e maravilhosos, eu fitava seus olhos extremamente azuis, que pareciam brilhar por conta própria em meio ao rosto rosado e úmido de suor dele, totalmente conectada a Kell, não só física, mas também emocionalmente. Ele me beijava algumas vezes enquanto se movimentava, parecendo deslumbrado por estar comigo, e por vezes um sorriso sutil surgia em seus lábios avermelhados. Só quando ele se deixou cair devagar sobre mim algum tempo depois, satisfeito e com seu dever igualmente cumprido em relação a mim, eu consegui respirar, tamanho foi meu envolvimento emocional com aquele momento. Kell beijou de leve a curva de meu pescoço, me fazendo sorrir fraco, e eu relaxei de tal maneira que a próxima coisa que eu vi foi ele se deitando ao meu lado, me cobrindo com o edredom e me aconchegando em seu abraço após um último beijo em meu ombro. - Eu também te amo – foi tudo que consegui dizer, colocando meu braço sobre o dele, que estava em minha cintura, e entrelaçando nossos dedos antes de adormecer profunda e instantaneamente, tamanha era a minha paz de espírito. Porque meu espírito agora estava completo. Ou pelo menos, quase completo. Abri os olhos, sentindo meu corpo suar frio e o ar me faltar. Encarei o teto escuro, semelhante ao céu lá fora, e olhei na direção do relógio do criado-mudo: três e quarenta e oito. Com os músculos retesados, voltei a deitar minha cabeça no travesseiro, esfregando meu rosto úmido com a palma da mão. Tudo estava tão bem, por que eu continuava tendo aqueles sonhos? Por que eu não conseguia tirá-lo do meu subconsciente, nem mesmo após todos os momentos com Kell? Por que nem dormir eu conseguia sem que a imagem de Taylor me assombrasse? Olhei para o lado e me deparei com as costas largas de Kell, que dormia feito um bebê. Aquele ali só acordaria de manhã, sem dúvida. Sorri fraco, sem conseguir conter a onda de felicidade que ele me trazia, mas minha falta de ar e tremedeira ainda eram mais fortes que seu efeito calmante. Me levantei, caçando minha calcinha e pegando minha camisola de seda lilás que estava na mochila, e as vesti para ir à cozinha beber um copo d’água. Talvez aquilo me ajudasse a dormir novamente. Dei um nó frouxo em meu cabelo, sentindo a brisa que vinha da janela refrescar minhas costas enquanto eu me esgueirava pra fora do quarto. Após alguns minutos de busca, finalmente encontrei o armário de copos. Abri a geladeira, sedenta, e tudo que encontrei foram duas garrafas de água em meio a garrafas de champanhe. Muitas garrafas de champanhe. E no meio delas, uma vasilha transparente transbordando morangos. Morangos extremamente enormes, vermelhos e suculentos. Mordi meu lábio inferior, sentindo minha saliva entrar em processo de superprodução, e não resisti: roubei um dos morangos da vasilha e lavei-o rapidamente antes de mordê-lo. Não sei se era a fome, já que eu não comia nada desde o almoço, ou se era fato, mas aquele era, sem dúvida, um dos melhores morangos que eu já tinha provado. Nem parecia real. Aliás, nada naquela casa parecia real, nem a própria casa me parecia real. Tudo era perfeito demais, absurdamente lindo. Não demorou muito e eu estava sentada sobre a pia, com a vasilha de morangos no colo e um copo cheio d’água ao meu lado (que só não era champanhe porque se começasse a beber, não conseguiria parar mais, e eu não pretendia ficar com dor de cabeça no dia seguinte), observando vagamente os detalhes da cozinha. Se um dia eu conseguisse enriquecer, pediria permissão ao Lautner para fotografar aquela casa e faria tudo igual na minha, sem tirar nem por. Durante meus devaneios sobre o futuro (e infelizmente sobre o Lautner também), um barulho desviou minha atenção. Virei a cabeça muito mais depressa que o aconselhável na direção do barulho, que continuou, e continuou, cada vez mais alto, e percebi que ele vinha da rua que Kell pegou para chegarmos à casa. Franzi a testa, sentindo meu coração acelerar de medo, e escorreguei de cima da pia num salto, deixando os morangos sobre ela. Um ronco de motor cada vez mais próximo a cada passo meu em direção à porta me fez quase correr para abri-la logo. Por um segundo, as batidas aceleradas de meu coração não foram movidas pelo medo, e sim, pela euforia. Porque nesse mesmo segundo, pude jurar que conhecia aquele ronco de motor. Abri a grande porta de entrada, e quase caí pra trás quando vi o segundo carro sendo estacionado ao lado do veículo de Kell na frente da casa. Uma Ferrari vermelha contrastava com a escuridão da noite, reluzindo imponentemente mesmo com a falta de iluminação. Meus olhos demoraram a aceitar que aquilo não era uma visão, muito menos quando o dono daquele carro e também daquela casa saiu de dentro da Ferrari, divinamente estiloso e maravilhoso com uma blusa pólo preta que realçava a largura de seus ombros e calça jeans. Ele caminhou até a porta, observando o exterior da casa com interesse, e assim que me viu, parou a alguns passos de mim. - Sinceramente, eu não esperava essa recepção, Abreu – Taylor sorriu, alguns segundos depois, parecendo levemente surpreso. Ele lançou um significativo olhar para as minhas pernas, e aquele sorriso pervertido que me perturbava apareceu em seus lábios. Segui seu olhar com o meu, puxando rápida e inutilmente a camisola mais pra baixo, enquanto a amaldiçoava por ser tão curta e mal cobrir a metade superior de minhas coxas. - O que você veio fazer aqui? – perguntei, ainda com esperanças de que aquilo fosse uma ilusão, e minha voz saiu um pouco mais alta que um sussurro. Eu suava frio, sentia meu equilíbrio vacilar, e contínuos arrepios percorriam minha espinha a cada segundo que se passava e ele não sumia, como uma alucinação normal deveria fazer. - Vim verificar se estão cuidando direito da minha casa – ele respondeu, erguendo as sobrancelhas num tom divertido – Fiquei com medo de que você e o Lutz acabassem me dando prejuízos materiais com toda a sua... Agressividade, se é que você me entende. Taylor deu um risinho desdenhoso, me encarando daquela forma invasiva, e eu tentei retribuí-lo com firmeza. Em vão, óbvio. - Mentira – foi tudo que consegui rosnar, sentindo necessidade de dar um passo para trás assim que ele avançou na minha direção, mas meus pés não se moveram. Assim como Kell me alegrava instantaneamente, Taylor parecia me paralisar. - Nossa, mas que falta de educação – ele murmurou, cínico, aproximando-se cada vez mais de mim – Eu cedo a minha própria casa pra você e seu namorado passarem o fim de semana e tudo que eu recebo em troca são ofensas? Você é mesmo surpreendente. Taylor ameaçou acariciar meu rosto, mas eu fui mais rápida, e num impulso de sanidade, dei um tapa em sua mão. - Você não vai tocar em mim – falei, tentando parecer ameaçadora, mas o máximo que pareci foi frouxa. Nem eu tinha certeza das palavras que saíam de minha boca quando ele estava tão próximo. - Desculpe te contrariar, mas... – ele sussurrou, aproximando-se ainda mais de mim e envolvendo meu quadril com uma de suas mãos, sem encontrar resistência de minha parte devido à pane em meu cérebro – Eu vou sim. Fugindo do olhar dele, abaixei meus olhos na direção de sua mão, que me puxava sorrateiramente mais pra perto dele. Seu hálito já batia em meu rosto, quente e extremamente convidativo, e sentindo meu sangue ferver dentro das veias, fechei os olhos devagar, entorpecida. Senti a outra mão dele cobrir todo o lado de meu pescoço, mantendo seu polegar em minha bochecha, e num último sopro de resistência, implorei: - Por favor, não... - Eu não vou fazer nada que você não queira – ele sussurrou, roçando a ponta de seu nariz no meu lentamente, e subitamente paralisou, soltando um risinho baixo – Mas me provocar com morangos já é tentação demais. Abri os olhos, me perguntando como ele sabia, e logo descobri: meu hálito. No mesmo instante, senti um remorso enorme por ter encarado aqueles olhos verdes tão de perto, porque no segundo seguinte, a única palavra que passava pela minha cabeça enquanto eu deixava que ele me beijasse era: Droga. I think I'm drowning (Eu acho que estou afundando) Asphyxiated (Asfixiado) I wanna break the spell (Eu quero quebrar o feitiço) That you've created (Que você criou) Assim que os lábios dele tocaram os meus, senti uma nova força surgir de dentro de mim, uma voracidade incontrolável. Imediatamente agarrei os cabelos de sua nuca, dando desajeitados passos pra trás quando ele fez o mesmo para a frente, entrando de vez na casa e chutando levemente a porta atrás de si pra fechá-la. Suas mãos desenharam o contorno das laterais de meu corpo, fazendo-o soltar o ar pesadamente em aprovação. Continuamos cambaleando casa adentro, intensificando cada vez mais nosso beijo desesperado, até que ele se curvou um pouco e segurou a parte de trás de minhas coxas, puxando-as para que envolvessem sua cintura. Agarrei seu pescoço para não cair, e deixei que ele me conduzisse até me sentar numa superfície gelada, que eu logo reconheci como sendo o balcão da cozinha. You're something beautiful (Você é algo lindo) A contradiction (Uma contradição) I wanna play the game (Eu quero jogar o jogo) I want the friction (Eu quero a fricção) - Você não vai mais fugir de mim – ele murmurou ao pé do meu ouvido, mordendo o lóbulo enquanto puxava meu cabelo com um pouco de força. Minhas mãos agarravam e bagunçavam os cabelos dele, e minha respiração era quase nula. - Eu não consigo mais fugir de você – sussurrei, com o pouco de fôlego que me restava, e ele voltou a me beijar sorrindo, satisfeito. Àquela altura, com as mãos dele provocando formigamentos instantâneos em minha pele assim que me tocava, eu nem me lembrava mais do significado da palavra orgulho. Desse eu já tinha me desfeito há muito tempo, só não tinha coragem suficiente de admitir. You will be (Você será) The death of me (A minha morte) Yeah, you will be (Sim, você será) The death of me (A minha morte) - Você não precisa escolher entre nós dois... – Taylor ofegou, enquanto beijava languidamente meu pescoço – Porque sabe que pode ter os dois. - Eu não conseguiria escolher – falei, com os olhos semiabertos e o corpo todo arrepiado – Algo sempre ficaria faltando... Como se uma metade não fosse suficiente sem a outra. - Como se uma metade não fosse suficiente sem a outra – ele repetiu, subindo seu rosto até seus olhos ficarem da altura dos meus, e me encarou intensamente antes de voltar a me beijar. Bury it (Enterrar isso) I won't let you bury it (Eu não vou deixar você enterrar isso) I won't let you smother it (Eu não vou deixar você manchar isso) I won't let you murder it (Eu não vou deixar você assassinar isso) Desci minhas mãos por seu pescoço, sentindo meu coração quase explodindo, e puxei a gola de sua camisa pra cima, demonstrando meu desejo de tirá-la. Imediatamente, Taylor puxou-a pela parte de trás da gola, separando nossos lábios só para passar a blusa por sua cabeça, e quando voltou, suas mãos deslizaram por minhas coxas, trazendo descaradamente minha camisola e me provocando uma nova onda de arrepios. Our time is running out (Nosso tempo está acabando) Our time is running out (Nosso tempo está acabando) You can't push it underground (Você não pode fazer disso um segredo) We can't stop it screaming out (Nós não podemos impedir que isso grite) Nossos movimentos tornavam-se muito mais agressivos conforme a temperatura de nossos corpos aumentava. Logo ele estava somente de boxers, desfazendo-se da calça, meias e sapatos com certa ajuda de minha parte, e colocando a camisinha, que estava em seu bolso, ao meu lado para ser usada em breve. Sinceramente, eu não sabia como ele conseguia se lembrar dela em momentos como aquele, mas ficava infinitamente grata por isso. Taylor arrancou minha calcinha tão ferozmente que quase a rasgou, e eu não fiquei muito atrás quando foi a vez de suas boxers. I wanted freedom (Eu queria liberdade) Bound and restricted (Limitada e restrita) I tried to give you up (Eu tentei desistir de você) But I'm addicted (Mas estou viciado) Envolvi seu membro extremamente rígido com minha mão, masturbando-o o mais rápido que consegui e fazendo-o soltar gemidos dolorosamente contidos, com a testa fortemente franzida e úmida de suor. Eu mordia e sugava seu lábio inferior com os olhos abertos, observando o prazer que eu estava lhe proporcionando, até que ele, cansado de se segurar, afastou seu rosto do meu e rasgou a embalagem do preservativo com uma expressão que beirava a raiva. Now that you know I'm trapped (Agora que você sabe que estou encurralado) Sense of elation (Um sentimento de superioridade) You'll never dream of breaking this fixation (Você nunca vai sonhar em desfazer essa fixação) You will squeeze the life out of me (Você vai espremer a vida de mim) Taylor colocou a camisinha sem demora, me beijando desajeitada e desesperadamente enquanto o fazia, e assim que terminou, não esperou mais. Me invadiu com força, me fazendo quase cortar meu lábio inferior, tamanho foi o esforço que fiz para mordê-lo e conter um grito. Ele soltava rudemente o ar em meu ouvido, investindo cada vez mais forte e até me machucando um pouco. Nada que se comparasse à sensação inexplicável que dominava meu corpo quando estávamos juntos. Bury it (Enterrar isso) I won't let you bury it (Eu não vou deixar você enterrar isso) I won't let you smother it (Eu não vou deixar você manchar isso) I won't let you murder it (Eu não vou deixar você assassinar isso) Eu arranhava seus ombros, braços e costas incessantemente, ouvindo-o segurar seus gemidos e apertar firmemente minha cintura, até que cheguei ao clímax e ele finalmente pôde parar de se segurar e atingir o seu. Abracei seu pescoço, levemente tonta, e distribuí vários beijos sobre a pele suada daquela região, me sentindo verdadeiramente plena, como não me sentia há algum tempo. A parte que faltava de mim agora estava ali, e eu me sentia completa novamente. Our time is running out (Nosso tempo está acabando) Our time is running out (Nosso tempo está acabando) You can't push it underground (Você não pode fazer disso um segredo) We can't stop it screaming out (Nós não podemos impedir que isso grite) How did it come to this? (Como isso chegou a esse ponto?) Taylor respirava profundamente, com a cabeça apoiada em meu ombro, e acariciava minhas costas devagar. Alguns minutos depois, me deu um beijo suave e se afastou, arrumando-se para ir embora. Fiquei parada onde estava, trêmula demais pra me mover, e apesar de saber que ele não podia ficar, senti que se abrisse a boca, aquele pedido simplesmente escaparia por entre meus lábios. You will suck the life out of me (Você vai sugar a vida de mim) Após alguns segundos me conformando com a partida dele, me pus de pé e me vesti lentamente. Assim que terminei, não tive coragem de encará-lo, mas ele não me deixou escolha: me puxou pelo braço e me virou pra si, erguendo meu rosto com sutileza e me encarando fixamente com os olhos ilegíveis. Havia muita coisa implícita naqueles olhos verdes pra que eu pudesse entendê-lo. Bury it (Enterrar isso) I won't let you bury it (Eu não vou deixar você enterrar isso) I won't let you smother it (Eu não vou deixar você manchar isso) I won't let you murder it (Eu não vou deixar você assassinar isso) Ele me beijou uma última vez, profunda e calmamente, e se dirigiu à porta, sem dizer uma palavra. Ao contrário de mim. Our time is running out (Nosso tempo está acabando) Our time is running out (Nosso tempo está acabando) You can't push it underground (Você não pode fazer disso um segredo) We can't stop it screaming out (Nós não podemos impedir que isso grite) How did it come to this? (Como isso chegou a esse ponto?) - Você volta amanhã? – murmurei, sem conseguir conter minha aflição, e ele, que estava de frente pra porta, virou-se na minha direção com a expressão misteriosa. Me olhou significativamente, e deu um sorriso quase imperceptível antes de ir embora. Não precisei de palavras pra que um sorriso esperançoso se abrisse em meu rosto. How did it come to this? (Como isso chegou a esse ponto?) Definitivamente, ele voltaria. Capítulo 18 Claridade. Merda de claridade. Abri meus olhos devagar, adaptando minhas pupilas à luz que se esparramava quarto adentro, e assim fiquei por algum tempo: pensando se deveria virar e dormir de novo, sentindo cada parte de meu corpo reclamar de cansaço (e algumas partes específicas reclamando de dor), ou simplesmente fitando o nada. Ouvi um chiado suave interromper o silêncio divino, e fechei preguiçosamente os olhos. Parecia que alguém já estava aprontando no andar de baixo. E esse alguém só poderia ser Kell, que não estava mais ao meu lado, já que seu lugar na cama estava vazio pelo que minhas mãos puderam tatear. De repente, tudo veio como um flash em minha mente. Pesadelo. Andar de baixo. Cozinha. Morangos. Balcão. Taylor. Me vi sentada no instante seguinte, descabelada e com o coração acelerado. Então tinha sido mesmo verdade. Eu não tinha imaginado nem sonhado nada daquilo. Eu jamais poderia inventar algo com aquele grau de realidade, que me fizesse ofegar só de lembrar. Apoiei meus cotovelos em meus joelhos dobrados, enterrando meus dedos em meus cabelos e deitando minha cabeça sobre as palmas das mãos. Fechei os olhos, sentindo a sonolência voltar a me dominar e a dor pelos movimentos bruscos se manifestar, e balancei a cabeça levemente em negação. Desaprovando minha atitude, e ao mesmo tempo, totalmente derrotada na luta contra ela. Era simplesmente impossível resistir à mera lembrança de tudo aquilo que eu tentava desesperadamente recusar. - Tonight I’m gonna have myseeelf a real good time – ouvi Kell cantarolar do andar de baixo, nitidamente tentando não me acordar, mas o silêncio era tamanho que até seus sussurros seriam perfeitamente audíveis. Tentei sorrir fraco, imaginando sua carinha de felicidade, mas não consegui. Eu me sentia oca, sem emoções. Tudo parecia automático, programado, friamente calculado, como se fosse uma verdade absoluta: eu amava Kell, mas meu corpo, meus instintos, um grito no fundo de minha alma chamava por Taylor. E esse grito era tão ensurdecedor que me dominava por completo, me fazia perder a noção e o senso de qualquer coisa... Só se calava quando eu estava com ele. Voltei a me deitar, ou melhor, joguei meu tronco pesadamente de volta à cama, fitando o nada, e deixei um suspiro escapar de meus pulmões, denunciando meu desespero. As lembranças da noite anterior continuavam mais do que frescas em minha mente, mas eu não queria me deixar levar por elas. Eu me sentia extremamente suja por ter caído em tentação novamente, mas de certa forma, a dor já não era mais tão sufocante, assim como a culpa parecia menor, mesmo que só um pouco. Se eu tivesse ao menos um pingo de juízo, o oposto estaria acontecendo, e seria praticamente impossível respirar, tamanho o peso de meu remorso. Mas a sensação de estar com Taylor, ter sua pele quente e macia contra a minha, sentir sua força me puxando para mais perto de si, seu perfume me envolvendo, me asfixiando, como um tipo de gás letal, arrepiava meu corpo inteiro e acelerava meu coração como nunca. Pelo visto, eu estava certa quanto ao meu próprio caráter: eu realmente não prestava. Deixei meus olhos se perderem pelo teto branco, passando rapidamente pela fase da aceitação e me concentrando em decidir o que fazer dali em diante. Pra que me martirizar por algo irreversível, por mais que esse algo ainda doesse em mim? Não adiantava mais chorar pelo leite derramado; correr para cortar os pulsos ou encarar aquela situação com o mínimo de maturidade que ela requeria não apagaria os acontecidos da noite anterior. Por isso, apenas respirei fundo, deixando que o oxigênio afogasse as imagens de Taylor de minha mente, e tomei uma decisão: eu precisava me manter íntegra, mesmo que só externamente, por uma única e essencial razão em minha vida. Kell. A partir daquele momento, eu teria que ser firme, e dessa vez, pra valer. Eu já havia deixado que três deslizes acontecessem, e se eu realmente pretendia me manter firme em minha decisão, jamais poderia permitir que uma situação como aquela se repetisse. Daquele dia em diante, eu não iria mais pensar nele, ou sequer deixar que sua mera lembrança ou presença me afetassem. Eu não deixaria aquilo acontecer novamente. Passei vários minutos repetindo mentalmente aquela mesma frase, e me levantei devagar, sentindo meus músculos cansados reclamarem em vão. Conforme caminhava até o banheiro, me lembrei do que havia dito a Taylor há poucas horas atrás... Metade de mim não podia ficar sem sua outra metade. Um não era completo sem o outro. Parei na frente do espelho, encarando meu reflexo sonolento, e suspirei novamente, empurrando minha escolha garganta abaixo. Poderia levar alguns dias, mas eu não deixaria nada mudar minha decisão agora que eu havia escolhido o que queria. No início, talvez eu precisasse de um pouco a mais de autocontrole para não me deixar pensar nele, mas no fim das contas, eu sobreviveria. Afinal de contas, pra que eu preciso de dois homens, se um já me dava tudo que eu precisava? Por que eu precisaria de sexo se já tinha um namorado perfeito? Tomei uma rápida ducha, eliminando todo e qualquer vestígio físico da presença de Taylor na noite passada que ainda sobrevivia em minha pele, e escovei meus dentes, ainda mantendo meu humor determinado e otimista. Vesti uma blusinha regata, um shorts de pijama, penteei meus cabelos e soltei um último suspiro antes de descer as escadas. - Bom dia! – Kell sorriu ao me ver, somente de bermuda, já à minha espera ao pé da escada. Fora seu sorriso e seus olhos mais do que felizes, como sempre, ele parecia anormalmente empolgado, e o motivo disso não era nenhum mistério pelo jeito que ele me olhava. Mesmo com todos os conflitos que eu guardava dentro de mim e sentindo meu emocional um pouco estremecido, não consegui evitar que um sorriso iluminasse meu rosto assim que o vi. - Bom dia – falei num tom divertido, parando no último degrau pra ficar da mesma altura que ele e retribuindo seu selinho carinhoso – Nossa, um pente passou longe daqui, imagino. Segurei seus ombros, ajeitando-o de frente pra mim com as mãos suando frio, e ele me fitou com dúvida na expressão e os cabelos consideravelmente desgrenhados. Aproveitei que a toalha que eu havia usado para secar meus cabelos ainda estava sobre meus ombros e a coloquei em sua cabeça, esfregando-a nos cabelos dele e umedecendo-os, mais pra brincar com ele do que pra realmente ajeitá-lo. Quando tirei a toalha, com uma cara sapeca, encontrei um Kell rosado, confuso e extremamente sexy me encarando, com seus cabelos ainda desarrumados. De um jeito extremamente, dolorosamente, ironicamente parecido com Taylor. - Melhor assim? – ele perguntou, com um sorriso descrente e uma sobrancelha erguida, só piorando minha situação. Papai do céu realmente adorava me ver metida em encrencas. O que eu fiz para merecer passar por tamanha provação? - Muito – confirmei, assentindo uma vez e ignorando a semelhança entre os estilos de cabelo de meus professores. Acho que nem prostitutas deviam sofrer daquele jeito. - Hm... Se você diz – Kell deu de ombros, um pouco vesgo de tanto olhar pra cima, no esforço vão de ver seu próprio cabelo, e logo depois me olhando – Com fome? Assim que ele disse aquelas duas palavras, meu estômago urrou. Mordi meu lábio inferior ainda dolorido da noite anterior (chega de citar essa maldita noite! Taylor Lautner não existe mais!) e fiz cara de cachorrinho sem dono. - Awn – Kell sorriu, achando minha cara fofa e fazendo uma carinha ainda mais fofa - Não precisa nem responder, amor, vamos tomar nosso café-da-manhã. Ele me deu as costas, indicando que me carregaria até a cozinha, e eu nem pensei em recusar o convite, deixando que ele me levasse com uma expressão quase que infantil. Além do mais, ser carregada pelas costas nuas de Kell era bem mais agradável que esforçar minhas pernas doloridas para andar pelo chão frio. - Não acredito... Omelete? – perguntei, respirando fundo pra sentir o cheiro bom da comida dele quando sentei (lê-se: fui depositada feito uma carga frágil) numa das cadeiras da mesa de jantar – Justo a sua omelete? - Isso mesmo, justo a minha omelete – ele riu, indo até o fogão, tirando uma omelete grande de dentro de uma frigideira do mesmo tamanho e colocando-a num prato pra mim – Do jeito que você gosta. Kell se aproximou com meu prato, e assim que o colocou à minha frente, deu um beijo estalado em meu pescoço, aproveitando que eu tinha acabado de fazer um coque frouxo em meu cabelo. Ele voltou a se afastar pra pegar seu café-da-manhã, e eu, ainda rindo do jeito dele, me servi com o suco de laranja que estava na mesa. - Hm, você por acaso assaltou a geladeira ontem à noite? – ele perguntou distraidamente enquanto cortava sua omelete, após alguns minutos comendo, e meu medidor de perigo apitou – Os morangos que eu tinha visto lá dentro estavam em cima da pia quando acordei. Me esforcei muito pra não engasgar com a comida naquele momento, e engoli o pedaço de omelete quase inteiro com muito esforço, incapaz de mastigá-lo direito diante do medo que a pergunta dele me causara. Eu tinha me esquecido de guardar os morangos. Que merda. - É, eu... – balbuciei, encarando fixamente minha omelete e tentando parecer casual – Eu fiquei com fome e... Acabei comendo alguns morangos... Me desculpe. Não foram só os morangos que foram comidos naquela noite, mas preferi omitir essa parte da história. Foco, Rutyenne! - Tudo bem, Rutyh – Kell sorriu, sem notar nenhuma diferença em meu jeito, como sempre (ele devia aprender que confiar em mim estava ficando perigoso) – Eu devia ter sido responsável e cozinhado alguma coisa pra gente ontem à noite. Comemos calmamente após minha crise de pânico se dissipar, e quando me dei conta, já estávamos planejamos como seria nosso dia num clima mais agradável, pelo menos para ele. O sol reinava absoluto no céu azul, o mar parecia extremamente convidativo diante do considerável calor, e nossos planos para as próximas horas envolviam exatamente esses fatores. Praia, sol, mar e descanso. Bom, descanso físico estava garantido pros dois, mas mental... É, desse eu acho que só Kell poderia desfrutar. - Ei, rapaz, vem cá – chamei assim que saímos de casa, segurando meu professor (que agora mais parecia aluno de primário, tamanha era a sua animação) pelo braço quando que ele fez menção de correr para a praia – Nem pense em se meter debaixo desse sol sem protetor solar. Ele revirou os olhos, fazendo cara de criança emburrada, e eu ri, enquanto passava protetor solar em suas costas. Quando foi a vez de passar na frente, o que eu fiz questão de fazer, ele fechou os olhos e sorriu pervertidamente, tirando proveito de meus toques. Se ele pôde usufruir da mesma situação antes de sairmos da casa, ao passar protetor em mim (e demorar meia hora só pra isso), eu tinha todo o direito de fazer o mesmo com ele (e demorar o quanto eu quisesse também). - Sabe, eu estou de sunga – ele comentou, quando eu estava cuidando de suas coxas com um pouco mais de vagarosidade que o necessário – E não vai ser muito... Confortável se você continuar a me provocar desse jeito. Revirei os olhos, com um sorriso de canto, e atendi seu pedido. Coloquei um pouco de protetor na palma da mão, e com o indicador, passei um pouco dele no nariz e bochechas de Kell, retribuindo seu olhar divertido. Espalhei um pouco mais de protetor pelo seu rosto, e o resto, coloquei em seus ombros, região onde nunca era demais proteger. - Agora sim, protegido – falei, com voz de mãe, apertando a bochecha dele, que fez uma careta – Pode mergulhar agora. - Não – ele respondeu, e um sorriso danado surgiu em seu rosto – Podemos mergulhar agora. Antes que eu pudesse abrir a boca pra protestar, ou tirar meu chapéu de praia e óculos escuros, Kell já me carregava em direção ao mar, correndo comigo em seu colo. Largando apressadamente meus apetrechos de praia pela areia, me encolhi como um feto em seus braços, já sentindo a temperatura fria do mar antes mesmo de entrar nele e soltando um gritinho desesperado que o fez rir. - Ah, meu Deus, que frio! – falei entre dentes quando alcançamos a água gelada, e ele continuou me levando mar adentro até atingirmos uma altura nem muito rasa, nem muito funda. - Não tem problema, eu te esquento – ele riu, me colocando no chão e me abraçando pela cintura. - Que frase mais clichê, Kellan – resmunguei com um sorriso divertido, dando-lhe um abraço apertado e depositando um beijo em seu queixo – Mas eu acho bom mesmo você me esquentar, senão eu vou ficar muito brava. - Uuh, essa eu quero ver – Kell gemeu, fazendo uma cara exagerada de desejo e me mandando um beijo, acompanhado de uma piscadinha – Fica bravinha, vai. - Idiota – gargalhei, empurrando-o pelo peito e não conseguindo muito mais do que me afastar dele por dois segundos – Vou te mostrar quem é a bravinha. - Duvido – ele desafiou, olhando pra cima como quem quer disfarçar alguma coisa, e eu me enfezei: deixei que meus joelhos se dobrassem, fazendo com que meu corpo todo imergisse na água cristalina, e voltei a emergir alguns metros depois, já fora do alcance dos braços dele. Surpreso com a minha súbita agilidade, ele foi pego de olhos arregalados e boca aberta quando eu joguei uma grande quantidade de água em seu rosto. - Ai, meu Deus! – exclamei, levando as mãos molhadas à boca em sinal de espanto, sem saber se ria ou se ficava com pena – Desculpa, amor! Corri até Kell, que cobria o rosto com as mãos e se mantinha curvado, e me abaixei para poder ver o estrago que a água salgada tinha feito. Assim que o fiz, ele me pegou desprevenida e revidou o golpe, jogando o triplo de água em mim e me encharcando na mesma hora. - Você pediu, mocinha! – ele riu, mesmo com os olhos vermelhos, e eu não pude deixar de rir da cara dele, típica de criança que tomou um caldo. - Você sabe correr, Lutz? – perguntei, fechando os olhos e um sorriso bravo – ENTÃO É MELHOR APRENDER! Kell soltou um gritinho quase afeminado, fingindo medo, e saiu correndo, sendo seguido por mim apesar da dificuldade que a água causava. Ficamos nos divertindo no mar por um tempo que não consegui calcular, até que ele finalmente resolveu me deixar tomar sol enquanto se deitava na espreguiçadeira ao meu lado, lendo um livro e parecendo ainda mais branco que suas páginas devido à grande quantidade de protetor solar que eu passei nele. Vez ou outra, ele dava um mergulho, e quando voltava, se recusava a passar outra camada de protetor, apesar de meus avisos constantes de cuidado. O sol estava forte demais pra uma pessoa desacostumada como ele se expor daquela forma. O dia se passou calmamente, entre amassos e mergulhos, e só saímos da praia uma única vez, para almoçar uma salada leve que preparamos juntos. Quando já estava escurecendo, ficamos observando o pôr-do-sol, como na tarde anterior, e entramos na casa para tomar banho assim que o céu se tornou totalmente escuro. - Ai, Rutyh – ele choramingou ao sair do banheiro. Eu já tinha tomado meu banho, e estava sentada na ponta da cama passando creme em meus cabelos enquanto olhava vagamente para a TV ligada à minha frente. - O que foi? – perguntei, e quando olhei na direção dele, meus olhos e boca se abriram imediatamente. Ele estava todo vermelho, principalmente na região abaixo dos olhos, onde ele sempre esfregava depois de sair da água por causa do sal. Seus olhos estavam lacrimejando um pouco, e sua expressão era de agonia. - Tá ardendo – ele disse com a voz chorosa, andando devagar na minha direção pra não arder nada, e eu corri até ele, penalizada. Fiz menção de tocá-lo, mas logo voltei atrás, pelo pânico que seus olhos demonstraram ao perceber minha intenção. - Eu bem que te avisei pra passar mais protetor, Kell! – gemi, mordendo meu lábio inferior e morrendo de pena – Vem, senta aqui que eu passo creme em você. Conduzi Kell pela mão, o único lugar que parecia não estar ardendo tanto, até a cama, e ele se sentou cuidadosamente, somente de boxers. Eu subi na cama atrás dele, já com o creme pós-sol em mãos, e comecei a espalhá-lo por seus ombros suavemente, enquanto ele apenas se mantinha imóvel, com medo de que algo ardesse a qualquer movimento. Quando tudo já tinha sido devidamente tratado e cheirava maravilhosamente bem graças ao creme, ele sorriu pra mim, parecendo um camarãozinho. Um camarãozinho muito agradecido, diga-se de passagem. - Desculpa, Rutyh – ele murmurou, fazendo uma carinha triste, e na mesma hora eu franzi a testa em sinal de confusão, ajoelhada em sua frente – Agora eu mal vou poder te abraçar. Dei um sorriso compreensivo, sentindo uma leve pontada de agonia. Alguém me explica por que minha recém-adotada doutrina anti-Taylor me pareceu ainda mais difícil de ser seguida após essa conclusão de Kell? - Tudo bem, amor – falei, engolindo todos os meus pensamentos e brincando timidamente com seus dedos – Eu não me importo, de verdade. E não me importar seria mil vezes mais fácil se Taylor aparecesse mais tarde. Pensando bem, ai dele se não aparecer. Será um homem desonrado, se é que você consegue associar essa palavra à existência de bisturis afiadíssimos nos laboratórios de biologia. OK, finja que eu não pensei isso. Minha mente é podre demais pra ser levada a sério. - Eu queria que esse fim de semana fosse perfeito – Kell sussurrou, segurando minhas mãos com tamanha delicadeza que elas pareciam ser feitas de um material sagrado – Mas como sempre, eu estraguei tudo. - Ei – resmunguei, fazendo cara de brava – Não começa, Lutz. Ele apenas suspirou e ergueu seu olhar de minhas mãos para meus olhos, sorrindo logo depois e dizendo: - Você não existe mesmo. É, eu sei. Outra coisa que não existe é uma coisa chamada tempo. Cadê ele que não passa pra que Taylor chegue logo? Argh... Não preciso nem dizer que é pra você riscar essa frase da sua memória também. Talvez nem o inferno seja ruim o suficiente pra mim. - Como não? Estou bem aqui – sorri fraco, procurando seu olhar baixo com o meu e me sentindo uma tremenda hipócrita, falsa, traidora e metida, mas sem deixar tudo isso transparecer. Kell riu por alguns segundos, mas logo voltou a fazer cara de dor, e eu o imitei inconscientemente. Aquela noite seria um tanto sofrida para ele, pobrezinho. Ficamos por mais umas duas horas deitados na cama, vendo TV e conversando, tendo que nos contentar somente com o contato corporal de nossas mãos dadas. Pela primeira vez na vida, o tempo com Kell me pareceu vagaroso, lento, quase entediante. E quando enfim ele adormeceu pesadamente, feito uma criança cansada de todas as estripulias feitas durante o dia, eu me vi sem saber o que fazer. E totalmente sem sono. Subitamente, uma euforia estranha tomou conta de mim, como um animal fincando suas garras e declarando território dentro de meu peito. Uma ansiedade incontrolável me dava a sensação de que cada pedaço de mim tremia de agonia, e o ar não encontrava espaço em meus pulmões, me causando uma certa tontura. Olhei instintivamente pro relógio, me sentindo sufocada: uma e dezenove. Já era tarde e só o que eu deveria fazer era deitar e tentar dormir. Mas meu corpo implorava para sair dali. Me esgueirei pra fora da cama, e felizmente, Kell continuou imóvel. Desci as escadas, sentindo minhas pernas trêmulas, e prendi meu cabelo de qualquer jeito, com a intenção de refrescar minhas costas. Merda de ansiedade idiota que me fazia suar frio. Abri a geladeira e enchi um copo com água, dissolvendo uma pitada de açúcar nele e engolindo todo o seu conteúdo em menos de cinco segundos. Água com açúcar não costumava adiantar comigo, mas eu tinha que tentar de tudo. Os segundos foram se acumulando devagar, transformando-se em minutos, e o sono simplesmente se recusava a vir. Me peguei perambulando ao redor dos móveis da sala, com o olhar fixo em qualquer parte do piso e a mente perdida em só Deus sabe quais pensamentos. Quando olhei para o relógio da cozinha, ele já marcava duas e trinta e sete, e eu me sentia como se tivesse acabado de acordar do sono mais revigorante de minha vida. Bufei, frustrada com minha insônia inexplicável, e me joguei no sofá, derrotada. Olhei distraidamente pela janela da sala, e quando finalmente assimilei o que vi, quase pulei de susto: faróis se aproximavam rapidamente da casa, anunciando a chegada de um carro. Meu coração quase foi parar perto de meu cérebro, tamanho foi o meu susto, assim como foi simplesmente impossível não pensar numa das únicas pessoas que passariam por aquela rua àquela hora da noite. Sem que eu me desse conta do que estava fazendo, vi que estava de pé, e caminhava energicamente em direção à porta da casa. Por mais que minha consciência me alertasse sobre a loucura que eu estava cometendo, minhas pernas haviam adquirido vida própria e se recusavam a obedecê-la. Abri a porta, ofegante, e tudo que vi foi a rua vazia e o carro de Kell estacionado, exatamente como estava desde que havíamos chegado. Me aproximei da rua, procurando os faróis que eu jurava ter visto, mas não havia absolutamente nada que pudesse ter emitido qualquer tipo de luz por ali. Franzi a testa, começando a ficar assustada de verdade com minha capacidade de imaginação, e entrei em casa, voltando a me sentar no sofá. Ótimo, além de adúltera, eu estava ficando louca. Mais meia hora de insônia se passou, e eu comemorei sarcasticamente a chegada das três da madrugada, com quase todas as minhas unhas roídas até não poder mais. A ansiedade que havia tomado conta de mim insistia em se intensificar a cada segundo, e por mais que eu me perguntasse o motivo dela, nada me vinha à cabeça. Bom... Pelo menos nada que eu considerasse agradável. E só para me ajudar ainda mais, após minha estranha visão, meus pensamentos não conseguiam se desviar de Taylor, provavelmente por causa da lembrança que os faróis ilusórios ressuscitaram. E como minha cabeça sempre conseguia tomar os piores caminhos, não se contentou em focalizar suas energias apenas em Taylor, por pior que aquilo já fosse. Como se eu já não estivesse frustrada o bastante por estar pensando nele, uma pergunta subitamente surgiu do emaranhado de pensamentos que se formava dentro dela, alarmando ainda mais meu coração e fazendo com que o estranho suor frio que brotava de minha testa se intensificasse. Será que ele realmente viria essa noite? Enquanto meu cérebro processava a complexidade daquela pergunta, eu comecei a piscar mais que o normal, e meus dedos não conseguiam sair do meio de meus cabelos, enterrados entre suas mechas em sinal de desespero. Por que raios eu tinha de ser tão fraca? Por que eu não podia simplesmente me manter calada e guardar minhas fraquezas para mim mesma? Por que eu tinha que ter perguntado se ele voltaria? Tudo o que fiz foi criar falsas esperanças para ele, de que eu talvez estivesse interessada em repetir a dose da noite anterior! E isso era, definitivamente, tudo que eu não queria! Ou pelo menos, tudo o que eu fingia desesperadamente não querer. Naquele momento, eu me dei conta do quão ridícula e imatura eu estava sendo diante daquela situação. Meu corpo e minha mente davam sinais claros de que não pensar em Taylor estava se tornando cada vez mais impossível, mas uma parte de mim, a parte racional, ainda se recusava a dar o braço a torcer, tentando lutar inutilmente contra meus impulsos. Não adiantaria nada continuar repetindo para mim mesma que eu estava bem e que aquilo era apenas uma insônia sem motivo, sendo que eu sabia exatamente a razão de minha ansiedade. Infelizmente, eu precisava aceitar que ainda não tinha forças suficientes para afastar a sombra de Taylor de meus pensamentos, por mais intensas que fossem as minhas tentativas de abafar o estranho poder que ele tinha sobre mim. Era nítido que ele tinha algo que me desarmava completamente, dopando minha consciência e aflorando meus piores instintos. Soltei todo o ar tensamente preso em meus pulmões, fechando os olhos e deitando minha cabeça no encosto do sofá. Um sorriso sem humor algum se formou em meu rosto, externando minha frustração comigo mesma. Eu estava destinada a ser fraca, pro resto da minha vida. Era como se eu jamais fosse ser capaz de vencer algum obstáculo que surgisse na minha frente, apenas fosse me curvar diante dele e deixá-lo modificar minha vida, fosse para melhor ou para pior. A fraqueza era meu fardo. E Taylor era a prova viva disso. Ele sabia muito bem que esse era meu ponto fraco, que eu era uma presa fácil comparada ao seu poder de ataque invencível, e como se isso já não fosse suficiente, ainda utilizava todos os seus artifícios para me manter hipnotizada. Abduzida. Encarei o teto, totalmente inerte, e ao invés do cinza sem graça, o discreto sorriso de Taylor ao ir embora na noite anterior surgiu em meu campo de visão. Teria aquilo sido mesmo uma resposta, ou apenas mais uma de minhas ilusões? Não... Ele não podia fazer isso comigo. Ele não seria capaz. Eu sabia que ele viria. Ele não teria coragem de me deixar esperando. Me mantive inconscientemente imersa em pensamentos por um tempo que me pareceu incalculável, e num de meus breves acessos de lucidez, olhei para o relógio: três e meia. Meus pés batucavam contra o piso frio da sala, inquietos assim como minhas mãos, que seguravam a barra da camisola com força. Minha respiração estava totalmente descompassada, denunciando todo o nervosismo que me devorava, e meus olhos percorriam cada centímetro visível da janela, até que, num movimento impensado, se depararam com uma solução para meu problema, que estava ali desde o começo, bem debaixo de meu nariz: o telefone. Quer saber? Se aquela já era uma batalha decidida, pra que continuar lutando? Foda-se o meu orgulho. Fiquei de pé num salto, e corri até o aparelho, quase derrubando-o ao tirá-lo da base, tamanha era a tremedeira de minhas mãos. Olhei para os botões, esperançosa, e me lembrei de que, para ligar para ele, precisava de seu número. Pensei por um momento, e logo encontrei a saída: o celular de Kellan. Larguei o telefone sobre a base de qualquer jeito, correndo desengonçadamente em direção às escadas para pegar o aparelho de Kell. No terceiro degrau, quase escorreguei, e tive que me apoiar em minhas mãos para não dar de cara no chão. Quando faltavam dois degraus para chegar ao primeiro andar, um zumbido se apoderou de meus ouvidos, quebrando o silêncio sepulcral. Paralisei onde estava, virando minha cabeça na direção do som com uma rapidez assustadora. Eu sabia que estava descabelada, com olheiras e pálida, mas agora não havia mais tempo pra me arrumar. Ele estava aqui. Capítulo 19 Desci os degraus novamente, dessa vez me segurando firmemente no corrimão para não cair, e voei até a porta, enquanto o ronco do motor dava lugar ao silêncio outra vez. Hesitei antes de abri-la, com a mão quase esmagando a maçaneta, e respirei fundo. E se fosse só mais uma alucinação? Não, não podia ser. Eu quase podia sentir sua presença, seu perfume, a temperatura quente de sua pele contra a minha, seu hálito úmido em meu pescoço... Ele estava aqui, com toda a certeza que ainda me restava. Abri a porta, com os olhos fechados, e quando a brisa gelada tocou minha pele, abri também meus olhos. Se eu não estivesse segurando a maçaneta com toda a minha força até agora, acho que desmaiaria. A Ferrari estava ali. Bem à minha frente. Graças a Deus, eu estava certa. No que me pareceu apenas um segundo depois, me vi andando energicamente até o lado do motorista, cuja porta já estava sendo aberta por dentro. Assim que meus olhos encontraram os de Taylor, um tanto confusos, a energia que me faltara durante todo aquele tempo de espera surgiu com força total, fazendo meu coração bater tão descompassado que minha visão se tornou turva. Seu perfume já infestava meus pulmões antes mesmo de me aproximar dele, e completamente guiada por meus instintos, eu entrei no carro, passando uma de minhas pernas sobre as dele e me sentando em seu colo. Fechei a porta da Ferrari, deixando Taylor totalmente perdido, e jogando no lixo qualquer vestígio de sanidade que ainda me restasse, uni sua boca à minha sem a menor delicadeza. Os lábios dele permitiram a passagem de minha língua imediatamente, misturando o gosto dele ao meu e me causando um efeito quase anestesiante. Suas mãos, ainda surpresas com a minha pressa, demoraram a se decidir entre minha cintura e minhas coxas, e sem conseguir escolher, foram parar em meus quadris. Eu bagunçava seu cabelo macio, sentindo um calor dominar meu corpo, especialmente onde havia contato com o corpo dele. Não sei por quanto tempo nos mantivemos ali, apenas nos beijando (lê-se: “nos engolindo feito duas enguias”) e sentindo a presença um do outro. Pela intensidade com a qual ele retribuía o beijo, e até sorria de vez em quando, eu não era a única ansiosa por aquele momento, o que de certa forma me reconfortou. Eu pressionava meu tronco contra o dele com cada vez mais desejo, sentindo-o reagir da mesma forma como se quisesse fundir nossos corpos num só. Quando meus lábios já estavam ficando doloridos pela pressão contra os lábios dele, Taylor começou a puxar minha camisola para cima conforme explorava meu corpo com suas mãos. Minhas pernas se contraíam inconscientemente ao redor de seus quadris, me impulsionando para cima e quase o prensando contra o encosto do banco. Ele continuou subindo seus toques até encontrar meus seios, e envolveu-os com suas mãos, soltando um gemido abafado contra meus lábios. Deixei que ele aproveitasse por um tempo, e logo parti o beijo, com uma mordida em seu lábio inferior, para tirar a camisola. Voltei a me inclinar sobre ele, colando nossas bocas novamente e deslizando minhas mãos por todo o seu tronco, só parando quando encontrei o que queria. Abri o botão e o zíper da calça sem demora, sentindo-o aumentar sua agressividade no beijo, e acariciei sua já considerável ereção por cima das boxers. Taylor agarrou meus cabelos da nuca em sinal de aprovação, e colocou mais força em seus dedos quando eu passei a beijar seu pescoço, tentando compensar o desvio de minhas mãos para sua blusa. Dedilhei o caminho de volta, sentindo cada músculo de seu abdômen se contrair ao meu toque conforme eu subia, e segui para suas costas quando atingi a altura máxima possível. Ele puxou a camisa pela parte de trás, e eu me afastei, observando-o tirar a peça e jogá-la em qualquer lugar. Ele segurou minha cintura com firmeza, me inclinando um pouco para trás, e eu apoiei minhas costas sobre o volante, me arrepiando por inteiro quando senti sua língua tocar a pele de minha barriga. Taylor fez uma trilha de beijos enlouquecedores até alcançar meu pescoço, me trazendo de volta à minha posição ereta, e quando seus lábios voltaram a buscar os meus, uma de suas mãos se colocou por dentro de minha calcinha, me provocando com seus dedos. Ensandecida, eu correspondi seu beijo com o triplo de ferocidade, fincando o que restava de minhas unhas em seus ombros tensos sem nem pensar se doeria. Graças à experiência dele, que o possibilitava tocar os lugares certos, eu já estava quase atingindo o clímax quando sua outra mão escorregou até minha bunda, dedilhando o leve alto-relevo causado pela estampa de ovelhinha de minha calcinha. Apesar de todos os outros acontecimentos, aquilo pareceu diverti-lo, já que pude sentir um sorrisinho moldar seu rosto. Gemi alto contra seus lábios quando Taylor ameaçou parar de movimentar seus dedinhos, e ele só o fez quando sentiu que havia terminado seu trabalho. Suada e precisando urgentemente de ar, eu afastei meu rosto do dele, sugando seu lábio inferior e sentindo-o se afastar na direção oposta só para me fazer sugá-lo com mais força. Ambos sorrimos de leve com a provocação, e se o volume entre as pernas dele não estivesse extremamente convidativo, eu teria voltado a beijá-lo. Taylor segurou meu rosto com uma mão, mordiscando o lóbulo de minha orelha lentamente e me arrepiando com sua respiração ruidosa, enquanto eu descia sua calça jeans ao máximo com um sorriso pervertido. Rocei meus lábios nos dele por um segundo, encarando seus olhos verdes cheios de luxúria, e desci suas boxers até os joelhos, onde a calça havia parado. Envolvi sua ereção com uma mão, sentindo-a quase pulsar de tão enrijecida, ao mesmo tempo em que as mãos de Taylor acariciaram minhas coxas. Agarrei seus cabelos com a mão livre, puxando-o para um beijo, e com a outra, comecei a masturbá-lo o mais depressa que consegui. Ele se esforçava ao máximo para corresponder às carícias de minha língua, mas a contração ainda mais freqüente de seu abdômen deixava nítido que aquilo não era sua prioridade no momento. Taylor agora soltava gemidos contínuos e quase chorosos de tanta excitação, mas eu não desisti de beijá-lo. Eu queria mesmo que ele sofresse por ter demorado tanto pra chegar. Ele subiu suas mãos até o cós de minha calcinha e colocou seus polegares por dentro do elástico da mesma, trazendo-a para baixo sem surtir muito efeito. Entendi aquilo como um aviso de que ele não agüentaria por muito mais tempo, e imediatamente parei o que estava fazendo para me desfazer da última peça de roupa que ainda restava. Enquanto eu me despia, ele resgatava a camisinha do bolso de sua calça e rasgava sua embalagem com os dentes, daquele jeito grosseiro e extremamente sexy. Atirei minha calcinha longe, e quando viu que eu já estava livre, ele me deu o preservativo com um sorriso nada angelical. Retribuí seu sorriso safado e coloquei a camisinha nele com cuidado, sentindo meus talentos manuais sendo reconhecidos. - Você sabe o que fazer – ele murmurou com a voz falha, quando eu terminei, e meus olhos se ergueram até encontrar os dele. Assim que o fiz, foi impossível não me lembrar da última vez em que estive em seu apartamento. O Taylor que eu conheci naquele dia, escondido atrás de uma armadura, me encarava novamente naquele exato momento. O verdadeiro Taylor. Senti um arrepio percorrer minha espinha, eriçando meus pêlos da nuca e acelerando meus batimentos cardíacos ao reconhecer aquela mudança. Eu poderia passar a vida inteira encarando aqueles olhos sinceros, sem saber classificar o sentimento que eles causavam em mim. Meu rosto avançou lentamente na direção do dele, unindo nossos lábios com calma, e eu ergui meu corpo até encontrar a posição certa. Taylor colocou suas mãos em minha cintura com sutileza, como se quisesse me incentivar, e eu o coloquei dentro de mim devagar, sentindo-o apertar minha cintura com mais força quando cheguei ao fim. Eu segurei em seus ombros, trêmula, e deixei que todas aquelas novas sensações, que ao mesmo tempo eu já conhecia, fizessem efeito sobre mim. Paramos de nos beijar, mas mantivemos nossos lábios unidos, e abrimos nossos olhos, encarando profundamente um ao outro. A conexão entre nossos olhares por pouco poderia ser tocada, de tão intensa que era. A compreensão e a paciência, apesar de sua vontade gritante de que eu me movimentasse novamente, eram nítidas em seus olhos, o que só me deixou ainda mais tonta. Ele fechou os olhos, franzindo de leve a testa e escorregando suas mãos até meus quadris, e eu reiniciei o beijo, sentindo o prazer crescer monstruosa e subitamente dentro de mim. Envolvi seu pescoço com meus braços, embrenhando meus dedos em seus cabelos umedecidos de suor, e comecei a me movimentar sobre ele, acelerando a cada segundo como se aquilo fosse natural pra mim. Logo ele estava gemendo de novo, assim como eu, e estava ficando quase impossível nos beijarmos. Nossos rostos se mantiveram próximos, intensificando a mistura quente de nossas respirações, até que atingi o clímax novamente, sendo seguida por ele. Deixei que meu tronco se apoiasse sobre o dele, sem conseguir definir qual dos dois estava mais ofegante. Minhas mãos deslizaram de seus cabelos para seus ombros, enquanto as dele ainda eram incapazes de largar meus quadris. Afundei meu rosto na curva de seu pescoço, deixando que o perfume dele me acalmasse, e após alguns segundos, senti seus braços envolverem minha cintura e me aconchegarem ainda mais em seu peito. Fechei os olhos, abraçando-o pela cintura também, e pude ouvi-lo rir de leve. Ainda tensa demais para perguntar qual era a graça, apenas ignorei seu riso, e como se tivesse lido minha mente, ele sussurrou, com o pouco de ar que lhe restava: - Por favor, prometa que vai continuar me surpreendendo... Porque sinceramente... Fica cada vez melhor. Mesmo sem ar, eu não tive como evitar que a risada baixa dele me contagiasse. Assim como, por mais que eu tentasse fugir ou negar, tudo nele me contagiava quando estávamos juntos. Aos poucos, minha respiração ia voltando ao normal (não totalmente, porque com ele perto de mim, era inútil conseguir respirar direito) e a tremedeira de minhas mãos ia passando. Taylor esperou calmamente, acariciando desde meus ombros até meus quadris, fazendo uma massagem gostosa conforme deslizava as palmas de suas mãos e vez ou outra dedilhava minha pele devagar. Seu coração batia forte contra meu peito, apesar da respiração calma, o que parecia acelerar ainda mais as batidas do meu. - Está sentindo isso? – finalmente sussurrei contra a pele de seu pescoço, com os olhos fechados. Deslizei minha mão esquerda até seu peito, indicando a que me referia, e o ritmo acelerado de seus batimentos pareceu se intensificar sob meu toque suave. - Desde a primeira vez que pus meus olhos em você – ele murmurou, imitando meu gesto com sua mão esquerda – Você também está sentindo isso? Me afastei dele para poder olhá-lo, e assenti inocentemente, vendo um sorriso se alargar em seu rosto. Logo depois, deixei que meu olhar mergulhasse em seus olhos verdes, como sempre acontecia, e franzi a testa de leve, em sinal de confusão. - O que foi? – ele perguntou, novamente imitando minha expressão, porém sem se desfazer de seu sorriso. - O que é isso? – balbuciei, sem conseguir formular direito as frases que colidiam em minha mente – Isso que eu tô sentindo... Que nós estamos sentindo... O que é? Taylor acariciou meu rosto com as costas de sua outra mão, me olhando daquele jeito intrigado e deslumbrado ao mesmo tempo, e levou alguns segundos para responder: - Eu não sei... Mas, sinceramente, eu gosto disso. Meus olhos se fixaram em seus lábios quando ele falou, observando o quão lindos, apesar de serem apenas lábios como os de qualquer outra pessoa, eles eram. Sem que eu pudesse controlar aquele impulso, minha mão subiu lentamente até meus dedos conseguirem tocá-los, e assim que o fiz, dedilhei-os de leve, desenhando seu formato e sentindo sua textura macia. A expressão confusa em meu rosto permaneceu, refletindo o que eu sentia por dentro, e devido a isso, os lábios que eu sentia sob os nós de meus dedos deixaram de sorrir. - Eu não queria sentir isso – murmurei, com o olhar ainda perdido em sua boca, e comecei a sentir meus olhos se encherem d’água sem que eu permitisse aquilo – Me faz mal. - Eu sei – Taylor disse, me fazendo erguer meu olhar até encontrar o dele, extremamente misterioso – Se eu pudesse voltar atrás, também escolheria não me sentir assim... Me corrói por dentro. - Mas não há como voltar atrás – falei, agora com a mão descendo por seu queixo e pescoço devagar, com os olhos ainda fixos nos dele – Você sabe disso. - Você também – ele sorriu fraco, de um jeito quase amargurado – Pelo menos não estou sozinho nessa. Abaixei meu olhar, engolindo a tristeza por saber tão bem quanto ele que já não havia mais volta para nós. Já era irreversível, inesquecível... Um pacto secretamente selado entre nossos corpos, sem que nós mesmos tivéssemos tomado conhecimento dele. - Eu posso ir embora se você quiser – ele falou baixo, parecendo resignado, e na mesma hora, uma pontada latejou em meu peito, como uma fisgada de pânico. - Não – sussurrei, me encolhendo devido à súbita dor, e o choro que eu tentava reprimir voltou a embaçar minha visão – Por favor... Não vá embora. Mesmo sem olhá-lo, soube que a expressão no rosto dele não era das mais alegres, mas não havia nada que eu pudesse dizer ou fazer pra mudar isso. Eu mesma estava em conflito, tentando não ceder à vontade monstruosa de sair correndo dali e me afogar naquele mar, eliminando finalmente todas as minhas angústias. Taylor soltou um suspiro triste, e me puxou sutilmente pelos ombros até nossos troncos voltarem a ficar colados. Ele me abraçou com certa força, e o batimento acelerado de seu coração voltou a repercutir em minha pele, enquanto uma lágrima rolava pelo meu rosto e escorria até alcançar seu ombro. Não era daquele jeito que eu queria que as coisas fossem. Não era daquele jeito que eu queria me sentir. - Você sabe que nunca vai ser como ele... Não sabe? – sussurrei, pensando em Kell e tentando evitar que toda aquela dor reprimida em relação a ele me atingisse com sua força esmagadora. - Sei - Taylor respondeu, amargamente conformado, e eu não consegui dizer mais nada. Talvez o silêncio pudesse amenizar a dor que eu não podia, a dor da verdade, corroendo-o por dentro como um veneno que o dilacerava aos poucos. Os segundos se passaram, um a um, e nenhum de nós dois tinha coragem o suficiente para dizer alguma coisa, até que ele inspirou profundamente, tomando fôlego para falar. - Caralho, Rutyenne – ele disse, e eu nem me movi, amedrontada com a repentina irritação em sua voz – Por que eu tenho que ficar desse jeito quando eu tô com você? Eu não sou assim... Esse não sou eu! - Então quem é você? – perguntei, ainda sem olhá-lo, e ele não foi capaz de responder. Esperei mais alguns segundos e finalmente tomei coragem de encará-lo, encontrando uma bagunça em seus olhos e sentindo uma irritação borbulhar em minha garganta. Não saber definir o que estava sentindo me irritava profundamente, e eu sempre me sentia assim com ele por perto. - Quem é você, Lautner? – repeti, com uma firmeza que não parecia ser minha, levando-se em conta que eu nunca conseguia ser firme quando estava falando com ele – O que você quer de mim afinal? - Eu não sei! – Taylor exclamou, franzindo a testa em sinal de raiva – Eu não sei de porra nenhuma quando eu tô com você, não deu pra entender isso ainda? - Nem eu! – retruquei no mesmo volume que ele, sentindo a irritação crescer cada vez mais rápido dentro de mim – Então pare de colocar a culpa em mim! - Eu não estou colocando! - Então por que está gritando? Ele abriu a boca pra revidar, mas não emitiu nenhum som. Seu olhar estava cada vez mais confuso, junto de sua testa, pesadamente franzida sobre eles, e seus lábios se contraíram, expressando nitidamente sua luta interna. Eu apenas o encarava, respirando fundo na tentativa de diminuir minha raiva. Nenhum de nós sabia definir o que estava acontecendo dentro de nós mesmos, presos numa escuridão desesperadora. - Eu não quero me deixar envolver com você – ele murmurou, alguns segundos depois, desviando seu olhar do meu – E eu não vou. - Ótimo – eu concordei, engolindo em seco ao fazê-lo – Nem eu. - Ótimo – ele repetiu, encarando qualquer lugar, menos o meu rosto, e eu simplesmente me levantei devagar, sentando no banco do carona logo depois. Fiz um coque desengonçado em meu cabelo, sentindo as pontas de meus dedos frias, enquanto ele dava um jeito em sua situação com a camisinha. Pensei em recolher minhas roupas, me vestir e entrar em casa, mas o simples fato de me afastar dele novamente, agora que eu o tinha bem ao meu lado, parecia ser equivalente a me rasgar ao meio. Me parecia loucura deixá-lo ir embora tão cedo, sendo que eu o esperei por tanto tempo, e com tanta ansiedade. - Por que você demorou pra chegar? – ouvi minha própria voz dizer num tom baixo e grave, sem qualquer emoção. Taylor, que permanecia cabisbaixo, ergueu as sobrancelhas e deu de ombros. - Porque eu quis – ele respondeu, igualmente frio – Não pensei que você estaria me esperando. - Eu não estava – menti, encarando o retrovisor ao meu lado, e senti seu olhar repousar sobre mim na mesma hora – Só perguntei por curiosidade. - Mas agora eu estou aqui – ele disse, sem saber a quantidade de sentimentos conflituosos essa frase me causava - E você está... Bem, você está aí. Um sorriso teimoso surgiu em meu rosto, apesar da frieza com a qual eu estava agindo. Eu odiava ser sensível a piadas, mesmo que as mais toscas. - Não, eu é que estou aqui – retruquei, tentando em vão disfarçar meu sorriso - E você é que está aí. - Hm... Então o que acha de nós dois ficarmos aí? – Taylor sugeriu, e eu nem precisei olhá-lo pra saber que ele estava sorrindo assim como eu, mesmo que timidamente, por sua frase inocentemente engraçada – Ou aqui, como você preferir. Soltei um risinho baixo, já quase totalmente amolecida pelo jeito dele, e olhei por cima de meu ombro para o banco de trás, que me pareceu extremamente convidativo. - Aqui me parece um bom lugar – eu disse, me esgueirando para a parte de trás do carro e finalmente encarando-o com um sorriso não mais tão divertido, e já um pouco mais pervertido – O que acha? Ele semicerrou os olhos, fingindo pensar na idéia por um momento, e dois segundos depois, já estava sobre mim, com os lábios a poucos milímetros dos meus, sussurrando: - É... Aqui é um ótimo lugar. Eu sorri involuntariamente, sentindo meu corpo inteiro formigar com a proximidade dele, e deixei que ele me beijasse, apesar de ainda sentir meus lábios sensíveis. O peso de seu corpo sobre o meu acelerava meu coração de um jeito indescritível, assim como suas mãos determinadas em minha cintura pareciam ter sido feitas para estarem ali. Envolvi seus ombros com minhas mãos, passando meus braços por seu pescoço logo depois e aprofundando o beijo. Taylor apertou minha cintura com mais força, sorrindo, e eu também sorri, enroscando meus dedos em seus cabelos e puxando-os pra trás. Ele deixou que meu puxão afastasse sua cabeça, mordendo meu lábio inferior enquanto a distância aumentava. Senti uma leve dor na região quando ele voltou a me beijar, mas nem liguei pra isso, até que um gosto fraco de sangue começou a se manifestar. Logicamente, ele também sentiu, já que partiu o beijo com a testa franzida e lançou um olhar levemente preocupado para meus lábios. - O que houve? – ofeguei, encarando-o com o mesmo olhar, e ele ergueu as sobrancelhas num tom surpreso. - Acho que exagerei um pouco por aqui – ele sussurrou, sorrindo de um jeito quase envergonhado – Hm... Vamos dar um jeito nisso. Taylor voltou a aproximar nossos lábios, sorrindo agora de um jeito sedutor, e sugou meu lábio inferior devagar, fazendo a dor aumentar um pouco, mas logo cessar quase que completamente. A ponta de sua língua deslizava sobre meu pequeno ferimento, como se quisesse estancar o sangramento. - Só não pense que eu vou pedir desculpas – ele sorriu daquele seu jeito cafajeste, afastando-se novamente para olhar como estava a situação do corte que ele mesmo havia feito – Porque eu não vou. - Tudo bem – eu murmurei, posicionando minhas mãos em sua região lombar, fincando o pouco de unhas irregulares que me restava ali e subindo com elas por toda a extensão de suas costas, até alcançar seus ombros – Eu também não. Sem conseguir conter um sorriso ao ver a expressão de dor e prazer dele, ergui um pouco minha cabeça para poder beijá-lo, voltando a deslizar minhas unhas por sua pele. Taylor desceu seus beijos por todo o meu colo, fazendo minha respiração quase parar tamanho foi o seu capricho, e segurou meus seios com firmeza, aproveitando-se da posição favorável na qual se encontrava. - Até que enfim tenho tempo suficiente pra dar a devida atenção a essa parte – ele suspirou, olhando para meu busto com uma expressão desejosa, e eu soltei um risinho, agarrando seus cabelos. Ele sugou-os, fazendo movimentos circulares com a ponta da língua, e eu arqueei minhas costas para cima, sentindo o tesão se acumular em cada pedaço de mim. Sua respiração quente batia em minha pele, e ele gemia baixo de olhos fechados, concentrado em extrair o máximo de prazer daquele momento. Satisfeito, ele continuou seu caminho até minha barriga, e só parou quando alcançou minha intimidade. Taylor me lançou um olhar quase selvagem de tão reluzente quando me tocou com sua língua, e eu imediatamente senti uma onda de calor percorrer minha espinha. Seus movimentos eram quentes e precisos, porém não tinham a menor pressa e brutalidade. Me apoiei em meus cotovelos, quase rebolando devido aos movimentos involuntários de meus músculos contraídos de prazer, e joguei a cabeça pra trás, de olhos fechados para poder senti-lo melhor. A cada segundo, ele intensificava suas carícias, me fazendo gemer cada vez mais alto até chegar ao ponto máximo. Contive um grito, mordendo sem querer a região machucada de meu lábio e me esforçando ainda mais pra não berrar, dessa vez também de dor. Ele terminou seu serviço e distribuiu beijos lânguidos pelo interior de minhas coxas, acariciando-as com suas mãos, e eu não conseguia me mexer, anestesiada pelos toques dele. Taylor me olhou, afastando seus lábios de minhas pernas, e eu nem esperei que ele voltasse. Ergui meu tronco depressa e praticamente o ataquei, beijando-o com fúria. Ele se sentou, apoiando-se na porta atrás de si, enquanto eu me inclinava cada vez mais sobre ele. Passei minhas mãos por seus ombros e abdômen, parando em seus quadris e dedilhando suas entradas deliciosas. Ele segurava firmemente em minha cintura, correspondendo com muito mais do que avidez ao beijo, e eu segurei sua ereção com uma mão, sentindo-a mais enrijecida do que nunca. Parti o beijo contra a vontade dele e embrenhei meus dedos da mão livre nos cabelos de sua testa, levando-os para trás e fazendo-o jogar a cabeça na mesma direção, totalmente submisso. Sorri maliciosamente, mesmo sem ser vista, e passei rapidamente o dedo indicador da mesma mão por seu tronco, parando quando atingi seu umbigo e simultaneamente começando a masturbá-lo. Ele agarrou minhas coxas e jogou a cabeça para a frente, observando os movimentos rápidos de minha mão. Seus músculos se contraíam visivelmente, e as veias de seus braços estavam saltadas, o que só me deixava ainda mais louca. Tudo nele parecia me atiçar, me convidar, me atrair. Passei a língua devagar por sua glande, fazendo pressão contra ela, e ele gemeu alto, dolorosamente excitado. Repeti esse ato algumas vezes, tendo a mesma reação dele, até que seus dedos se fecharam ao redor de meus braços, e antes que eu me desse conta, eu já estava deitada e com ele sobre mim, prestes a me penetrar. - A camisinha, Taylor! – exclamei, com os olhos arregalados de pânico, e ele imediatamente paralisou, retribuindo meu olhar de um jeito tão ensandecido que me fez pensar no que eu tinha feito pra deixá-lo tão fora de si. Taylor voou até sua calça, e poucos segundos depois já estava de volta, devidamente protegido. Soltei um rápido suspiro aliviado, fechando os olhos por um momento, e percebi que dessa vez ele hesitou antes de ir direto ao ponto. Olhei-o em dúvida, e logo percebi o que estava errado. - É assim que você quer? – pude ouvi-lo arfar, com a testa fortemente franzida em sinal de máximo autocontrole, e eu involuntariamente sorri, quase comovida. Só mesmo na hora do sexo para Taylor Lautner ser gentil comigo e me perguntar se eu queria ficar por baixo. Envolvi seu pescoço com meus braços e aproximei minha boca de seu ouvido, sussurrando logo em seguida: - Me mostre do que você é capaz. Senti um jato forte de ar sair de seus pulmões e atingir meu pescoço em cheio, demonstrando sua rendição e me arrepiando da cabeça aos pés. Imediatamente, ele investiu, com uma força extraordinária, e eu por pouco arranquei mechas de seu cabelo, tamanha foi a força coma qual eu o agarrei. Podia senti-lo profundamente dentro de mim, sentia seu corpo quente estremecer rente ao meu, sua voz rouca gemer ao pé do meu ouvido, e a cada vez que ele se movimentava, eu sentia meu coração quase sair pela boca de tão rápido que batia. Envolvi seus quadris com minhas pernas, puxando-o pra mais perto ainda, sendo que ele já estava prestes a me rasgar por dentro, e Taylor afundou seu rosto em meu pescoço, mantendo seus lábios selados contra a minha pele na tentativa de abafar seus gemidos. Minhas mãos nunca estiveram tão indecisas como estavam naquele momento, percorrendo toda a extensão entre seus ombros e suas costas. - Merda – ele xingou algum tempo depois, quase que num grunhido, e em seguida, chegou ao clímax. Taylor investiu mais algumas vezes em vão, soltando urros de raiva por não conseguir prolongar aquele momento, até finalmente relaxar e deixar-se cair sobre mim, respirando com dificuldade. Eu apenas encarava o teto do carro, tentando absorver o turbilhão de prazer que ele havia desencadeado em mim, extremamente impressionada. - Me desculpe – ele sussurrou, interpretando mal minha breve paralisia, e eu imediatamente franzi a testa, horrorizada – Mas é que... Você me provoca demais, e... Eu não agüento por muito tempo. Tudo que consegui fazer foi rir, apesar da falta de ar, e ele se afastou para me olhar, com a expressão confusa. Será que excesso de orgasmos podia causar demência? - Eu te desculpo por ter salvado a minha vida – eu expliquei, após algum tempo de riso – Se você tivesse continuado, era bem capaz de ter me matado. Taylor soltou um risinho aliviado, fechando os olhos de um jeito exausto, e eu continuei observando-o. Difícil resistir a uma beleza tão gritante e espontânea como a dele... Eu realmente devo ser muito cega por nunca ter notado isso antes. Ele se levantou, tomando as devidas providências em relação ao preservativo, e vestiu sua boxer, enquanto eu colocava apenas minha camisola. Assim que o fiz, ele me puxou para si, deitando-me sobre seu peito no banco de trás, e me abraçou. O contraste entre sua respiração, já calma sob minha mão, e seu coração, levemente acelerado sob meu ouvido, estranhamente me tranqüilizou, fazendo com que minhas pálpebras pesassem cada vez mais. - Pode dormir se quiser – ele sussurrou contra meus cabelos, notando minha moleza sobre ele – Te acordo quando começar a amanhecer, já que vou ficar acordado de qualquer maneira. - Por que não vai dormir? – sussurrei com esforço devido ao cansaço, acariciando timidamente sua pele com meus dedos. - Não vou conseguir – ele respondeu com um risinho discreto – Não depois de tudo isso... Ainda há muito para eu observar aqui. Meu estômago revirou, me causando uma sensação inquietante pelas palavras dele, mas eu estava cansada demais para responder. Tudo que fiz foi sorrir de leve e deixar que o sono me ganhasse após um último suspiro. - Boa noite, Taylor. Capítulo 20 - Rutyenne? Senti uma mão acariciar desde meu ombro até meu pulso devagar, e abri os olhos com a mesma velocidade, acostumando minhas pupilas à pouca claridade do ambiente. - Hm? – respondi, espreguiçando-me um pouco e abrindo os olhos de vez. A pele de Taylor, que havia servido de travesseiro para mim durante as últimas horas de sono, ocupavam metade de minha visão, enquanto a outra metade era preenchida pelo interior do carro e pelos trechos do céu que os vidros me permitiam ver. Já estava começando a amanhecer. - Acho melhor você voltar pra sua cama – a mesma voz suave e rouca voltou a falar, enquanto seu dono me fazia um leve cafuné – E eu, pra minha. Suspirei preguiçosamente, sentindo seu perfume invadir meus pulmões, e por um segundo, o impulso de continuar ali com ele quase foi mais forte que a vontade de voltar para a cama com Kell. - Não conseguiu mesmo dormir? – sussurrei, com a voz falha pelo sono, e ergui meu rosto para poder ver o dele. Fortes olheiras marcavam a região abaixo de seus olhos, respondendo à minha pergunta sem que ele precisasse dizer uma palavra. - Digamos que você dormiu por nós dois – ele sorriu fraco, e eu fiz o mesmo, um pouco envergonhada. - Desculpe – eu disse, sem jeito, e ele respondeu com um risinho. - Se você tivesse roncado ou babado em mim, eu não desculparia – ele retrucou, com a expressão levemente autoritária, e logo depois voltou a sorrir – Mas você se comportou bem, então está tudo certo. - Idiota – resmunguei, sorrindo junto, e um silêncio incômodo se instalou entre nós. Desviei meu olhar do dele, sem mover mais nenhum outro músculo, mas pude sentir que seus olhos se mantiveram fixos em mim. Respirei fundo, sentindo meu coração acelerar por alguma razão desconhecida, e me esgueirei para o banco do carona para vestir minha calcinha. Taylor fez o mesmo, mas só colocou a calça, mantendo-se sem camisa. Homens e sua injusta falta de necessidade de roupas. - Bom... Vou entrar – murmurei, encarando minhas mãos inquietas, que brincavam com a barra de minha camisola. Taylor virou o rosto para me olhar, e eu resolvi fazer o mesmo, trêmula. Me afastar dele estava ficando cada vez mais difícil, mas eu não queria nem iria me dar por vencida. - Tudo bem – ele respondeu, e aproximou seu rosto do meu, o suficiente para nossos lábios se encontrarem. Correspondi ao seu beijo calmo e inesperado, sentindo meu corpo arder para ir mais além, mas logo me afastei, ao contrário dele. - Tchau, Taylor – falei perturbada, deixando-o no vácuo e abrindo a porta do carro, mas ele segurou meu braço. - Espera – ele pediu, e eu soltei um suspiro contido, com o corpo tenso pelo nervosismo – Só me responda uma coisa... Quando posso te procurar de novo? Fechei os olhos por alguns segundos, buscando forças para dar uma resposta repreensiva, mas enganar a mim mesma não era meu forte. Muito menos enganar Taylor. - Você sabe onde me achar – foi tudo o que consegui dizer, abrindo pesarosamente meus olhos e encarando os dele, com esforço para não me perder ali. Um sorriso discreto apareceu nos lábios dele, que desviou seus olhos dos meus por alguns segundos, como se imaginasse o momento em que me procuraria novamente, e depois voltou a me encarar, agora com um brilho que eu conhecia bem ardendo em suas íris. - Você também – Taylor murmurou, finalmente soltando meu braço e me permitindo sair do carro. Fechei a porta da Ferrari com cuidado para não fazer muito barulho, e caminhei lentamente até a soleira da casa, toda encolhida devido ao vento levemente frio que soprava. Sem conseguir resistir, olhei na direção do carro e o observei dar ré e sumir pela rua, me causando uma estranha sensação de vazio. Suspirei pesadamente, passando as mãos pelo rosto num discreto ato de desespero, e entrei na casa, engolindo toda a noite passada e me preparando para olhar para Kell novamente. Subi as escadas cautelosamente até chegar ao quarto, onde ele ainda dormia. Sua pele parecia estar ainda mais vermelha do que da última vez que o vi, talvez pela luminosidade ainda fraca do sol e pelo contraste ainda maior que ela causava em relação aos lençóis brancos da cama. Apesar de sua respiração estar calma, Kell mantinha a testa franzida, como se seu sono fosse leve e tenso, e batia o queixo, como se estivesse com frio. Pensei em cobri-lo, mas com certeza eu o acordaria, e a ardência de sua pele não ajudava muito a apoiar minha idéia. Mordi meu lábio inferior, morta de pena e de aflição por não poder nem tocá-lo, e o machucado causado por Taylor nesse local reagiu a essa ação com uma pontada forte e inesperada. Segurei um gemido de dor e passei a ponta da língua pelo corte, sentindo gosto de sangue. Legal, aquele não curaria tão cedo. Fui até o banheiro da suíte para ver como estava a minha situação, e quase tive um treco. Eu estava deplorável: toda descabelada, pálida, com leves olheiras sob os olhos e com o lábio inferior um pouco inchado, bastante avermelhado na região do machucado. Balancei levemente a cabeça em sinal de negação, encarando meu próprio reflexo com uma conclusão em mente: Kellan Lutz e Taylor Lautner, dois homens maravilhosamente lindos, só podiam ser loucos por gostarem de uma garota tão feia como eu. Fato. Fiz minha higiene matinal, aproveitando a temperatura e o silêncio agradáveis para tomar um bom banho, completamente absorta em meus pensamentos. Vesti uma calcinha branca com bolinhas coloridas e uma blusa branca de Kell que chegava até a metade de minhas coxas, e suspirei profundamente antes de me virar na direção da cama, onde ele continuava imóvel e frágil. Seu rosto carregava os traços inocentes de uma criança, e apesar de ter acabado de sair do banho, me senti completamente podre. Me sentei ao seu lado devagar, observando seu sono desconfortável, e não demorou muito para que minha visão ficasse embaçada e uma lágrima escorresse pelo meu rosto, descendo rapidamente até pingar na blusa. Imediatamente a enxuguei, fungando baixinho e esfregando os olhos com as costas das mãos. Se ele acordasse e me visse chorando, eu não saberia o que dizer. Ele jamais poderia me flagrar naquele estado, não sem motivo aparente. Além do mais, eu havia escolhido aquele caminho, portanto, eu deveria arcar com as conseqüências de meus próprios atos. Eu era fraca demais, incapaz de controlar minhas ações, e merecia sofrer calada por isso. Não havia perdão para o que eu estava fazendo, e muito menos pelo fato de me conformar com isso. Eu merecia passar por todo aquele sofrimento. A culpa era toda minha. Deitei a cabeça no travesseiro, ainda encarando o perfil de Kell, e continuei velando seu sono, até que o cansaço me venceu, auxiliado por mais algumas lágrimas silenciosas e insistentes que escaparam por meus olhos e umedeceram a fronha sob meu rosto. Quando na verdade, eu merecia me afogar nelas. Dedos se enroscavam em meus cabelos lentamente, fazendo um carinho gostoso no topo de minha cabeça. Um sorriso tímido surgiu em meu rosto; eu podia sentir meus lábios se curvando apesar de ainda estar dormindo. Respirei fundo, apenas aproveitando o toque dos dedos quentes em minha cabeça, e abri os olhos lentamente. Tudo o que vi foi... Rosa? - Te acordei? – um sussurro ecoou pelo quarto, me fazendo pular de susto e olhar na direção da voz. Em meio a todo o rosa que ocupava minha visão, os olhos azuis de Kell entraram em foco, um tanto quanto aflitos. - Não, eu... Nossa, Kell, como você está? – suspirei, em choque, só então me dando conta de que todo aquele rosa era nada mais, nada menos que a pele dele, contrastando vigorosamente contra o branco dos lençóis. - Bem – ele respondeu, acompanhando meu olhar como se aquele fosse seu estado dermatológico normal - Só... Arde um pouco, e faz frio ao mesmo tempo. Chega a ser engraçado. - Não, Kell, não é nem um pouco engraçado – gemi baixinho, me sentando na cama – Olhe só pra você... Eu não acredito que te deixei chegar a esse ponto. - Rutyh, você não teve culpa de nada – ele negou, franzindo levemente a testa em sinal de indignação – Eu é que devia ter tomado mais cuidado. Além do mais, você não tem a obrigação de cuidar de mim. - Claro que tenho – retruquei, encarando-o com seriedade – Não é só porque eu sou mais nova que devo me esquecer de ter responsabilidades. - Pare de se culpar pelo meu bronzeado, senão eu levanto daqui agora mesmo e vou tomar mais sol – Kell resmungou, me fazendo sorrir de leve alguns segundos depois. Olhei pra ele, que também sorria, só que ainda mantinha alguns traços de sua falsa expressão séria no rosto, e balancei negativamente a cabeça. - Seu bobo – murmurei, sentindo meus olhos ameaçarem lacrimejar diante da fofura dele, mas engoli o choro e não fugi de seu olhar. - Eu também te amo – ele riu, mostrando a língua logo depois – Agora vamos mudar de assunto, estou me sentindo um paciente terminal desse jeito. - Desculpe por me preocupar com você – brinquei, fingindo desprezo – Não tenho culpa por ter calafrios só de te ver rosa desse jeito. - Ah, vai dizer que eu não estou sexy assim, todo fogoso? – Kell brincou, fazendo cara de gigolô, e eu por pouco não dei um tapa em seu braço, acostumada a demonstrar minhas reações às suas piadas com uma certa violência. Assim que nosso riso cessou, um sorriso permaneceu em meu rosto, sem que eu me desse conta disso. Kell me imitou involuntariamente, me fazendo alargar ainda mais meu sorriso, e logo eu já estava sorrindo abertamente, como se não houvesse motivos no mundo para derrubar uma lágrima sequer. Ele acariciou minhas bochechas sutilmente, e logo depois eu aproximei meu rosto do seu, dando-lhe um leve selinho, que sem querer se transformou num beijo mais intenso. - Ai, desculpa! – implorei, quando a pele extremamente quente de seu peito entrou em contato com a palma de minha mão por uma fração de segundo, fazendo-o contrair os músculos da região em sinal de dor – Tá ardendo muito? - Não, tudo bem, já... Já passou – ele gaguejou, com os olhos fechados enquanto a marca amarelada de minha mão em seu peito tornava-se gradativamente vermelha de novo. Kell voltou a me olhar, com a expressão ainda levemente sofrida, e eu mordi meu lábio inferior, esquecendo-me novamente de meu machucado nesse local. Dessa vez, não consegui conter um gemido de dor, o que o fez notar o corte e olhar com certo interesse para ele. - Acho que também peguei sol demais – expliquei, com cuidado para não tropeçar nas palavras devido ao nervosismo – Minha boca tá toda rachada. - Hm – ele respondeu vagamente, e eu senti a tensão se transformar em alívio dentro de mim – Eu ia sugerir que você aproveitasse mais algumas horas de praia antes de irmos, mas parece que não sou o único querendo distância de sol por aqui. - É – concordei, dando um sorrisinho sem graça. Não tinha conseguido ficar muito bronzeada nem com o dia anterior de sol, o que eu sabia que não conseguiria reverter em poucas horas, e além do mais, eu não queria deixar Kell sozinho no quarto, muito menos ficar sozinha na praia. Por mais estranho que isso possa parecer, Kell me distraía de todos os maus pensamentos e aflições que percorriam minha mente, e sem ele, eu provavelmente teria uma síncope. Como isso não estava nos meus planos - pelo menos não enquanto eu não estivesse na minha casa, mais especificamente no meu quarto -, preferi não aceitar a sugestão dele. - Então o que acha de comermos alguma coisa e voltarmos pra casa? – ele perguntou, entortando a boca em sinal de reflexão. Imitei sua expressão e olhei para o relógio ao lado da cama: meio dia e quarenta e um. Foi então que uma espécie de terremoto tremeu tudo dentro de mim, e eu tive uma grande descoberta: estava terrivelmente faminta. - Eu acho uma ótima idéia – respondi, assentindo devagar pra ele, que riu de meu olhar sonhador. - A gente bem que podia comer aquela lasanha instantânea enorme que tá no congelador, né? – Kell sorriu, adotando o mesmo olhar de criança que eu ao falar. Não precisei nem responder, apenas sorri de um jeito guloso e corri para a cozinha, ouvindo as gargalhadas de Kell cada vez mais distantes. Preparei a lasanha (que era realmente enorme e parecia ter uma vinte camadas) o mais rápido que pude, e sem nem me preocupar em parti-la ao meio, levei-a para o quarto. Devoramos quase todo aquele monte de queijo e massa, rindo de nossa própria gula e drenando todo o suco de uva que eu havia levado para o quarto. Só nos demos por satisfeitos quando já era uma e vinte e sete. - Isso é que é vida - Kell suspirou de olhos fechados, recostando-se na parede atrás da cama e com as duas mãos cobrindo cuidadosamente sua barriga avermelhada e inchada pelo excesso de comida. Soltei uma risada meio retardada diante da expressão zen dele, o que me deixou na dúvida sobre se o que tínhamos bebido era suco de uva ou vinho. - Queria poder morar aqui - comentei, após minha breve crise de riso, e encarei o céu azul e limpo que a janela me permitia ver - É realmente um lugar maravilhoso. - Não sei por que o Tay não se muda de vez pra cá - Kell disse, olhando vagamente na mesma direção que eu, e assim que ouvi o nome de Taylor, meu estômago revirou perigosamente - Quer dizer, o pai dele é podre de rico, e ele, por ser filho único, também é... Pra que trabalhar naquela espelunca de escola quando se pode viver tranqüilamente num lugar como este? Eu juro que tento, mas já desisti de entender o que o prende naquela cidade. Franzi levemente a testa após ouvir as palavras dele, com os pensamentos subitamente a mil. Então o pai dele era rico mesmo, como Taylor já havia me dito antes? Como ele teria enriquecido tanto a ponto de poder dar ao filho tamanho conforto financeiro? E já que tinha tanto dinheiro, por que Taylor insistia em morar em Londres, enquanto tinha aquela casa perfeita só para si? O que o prendia àquele apartamento, e o mais intrigante ainda, àquele colégio? Pegar aluninhas era tão importante assim na vida dele? Omiti um sorrisinho ao imaginá-lo vivendo naquela casa. Por alguma razão, visualizá-lo morando ali me ajudou a entender a razão pela qual ele não o fazia: a solidão. Taylor era exatamente o tipo de pessoa que gostava de viver no meio de gente (em especial mulheres), em meio aos barulhos da cidade, onde ele sabia que sempre havia outras pessoas circulando... Ele precisava constantemente de companhia. E isso era uma das poucas coisas que um lugar como aquele não poderia oferecer. - Desculpe por ter falado dele... Às vezes, eu me esqueço de que vocês não se dão muito bem - Kell murmurou, virando-se pra mim com um olhar culpado e me puxando de volta à realidade - Foi sem querer. - Tudo bem - sorri fraco, engolindo todos os pensamentos sobre Taylor com certa dificuldade e voltando a focá-los em Kell. Ficamos mais algum tempo naquele estado de preguiça pós-almoço, até que eu tomei coragem e levei a louça para a cozinha, lavando-a rapidamente e retornando ao quarto logo em seguida. Assim que voltei, dei de cara com Kell tentando se levantar, totalmente em vão. - Ei! - exclamei, correndo até ele ao vê-lo cair sentado novamente na cama com uma expressão de dor - Você é doido? Não vai conseguir se levantar sozinho! - Claro que consigo... Só preciso me esforçar mais - ele disse, com a voz baixa, e agora que estava mais perto, pude ver que seus joelhos haviam adquirido uma tonalidade vermelho berrante devido ao seu esforço para ficar de pé. - Quantas vezes você tentou se levantar? - perguntei, arrepiada só de pensar no quanto aquilo devia estar ardendo. - Algumas - ele respondeu, erguendo o rosto pra me olhar e respirando fundo, mas assim que viu meu rosto se fechar numa expressão brava, logo corrigiu - Calma, foram poucas! - E agora, Kell? – indaguei, esfregando o rosto com as mãos e encarando-o reflexivamente em seguida – Se você mal consegue se manter de pé, como vai dirigir por horas até voltar pra casa? - Eu já disse que estou bem! – ele exclamou, irritado – Só preciso treinar mais um pouco, confie em mim! - Não seja idiota - falei, séria, após respirar fundo junto com ele, numa tentativa de esfriar os ânimos e pensar claramente - Eu não vou deixar você ficar se esforçando dessa maneira, e ainda por cima, pra nada. Nós dois sabemos que não adianta treinar porcaria nenhuma, ficar tentando se levantar só vai piorar as coisas. Temos que arranjar um jeito de ir embora que não envolva você na direção de um carro. - Eu sei que você está certa, mas a questão é que não temos outro jeito - Kell suspirou, derrotado, e eu me mantive séria – A não ser que você conheça alguém que possa e queira vir nos buscar. Na hora, uma pessoa apareceu em minha mente, que serviria exatamente para aquela tarefa, mas juntei o pouco de juízo que me restava e preferi não opinar. Pena que Kell teve a mesma idéia que eu, e ao contrário de mim, pareceu achar a opção aceitável. - Se bem que... Tem o Tay. Engoli em seco, rezando pra que ele desistisse daquela idéia, ou pra que outra pessoa viesse em nossas cabeças e pudesse substituí-lo. Droga, seria tão difícil assim arranjar alguém que não fosse um poço de luxúria pra nos dar uma carona? Além do mais, ele ficaria no mínimo louco de raiva por ter que voltar ao lugar de onde havia acabado de sair, o que não seria algo exatamente bom, tanto para nós como para ele. A simples idéia de ter que interagir com um Taylor irritado me dava uma pontada de medo. - O Tay? – balbuciei, tentando não demonstrar minha resistência àquela sugestão e buscando desesperadamente um bom empecilho – Mas... E o seu carro, como fica? Se ele aceitar vir nos buscar, terá que vir com o carro dele, ou seja, um dos dois vai ficar sobrando... Não daria muito certo. Segurei uma risada maléfica diante de minha brilhante escapatória, mas o ar ainda tranqüilo de Kell ao me responder não me permitiu continuar tão alegre. - Ah, quanto a isso não precisamos nos preocupar – ele deu de ombros pesarosamente – Quando o empregado vier arrumar a casa amanhã, ele mesmo leva o carro do Tay de volta pra Londres. Além do mais, o Lautner tem dois carros, fora a moto, não vai sentir tanta falta de um deles se tiver que deixá-lo aqui por alguns dias. - Ah... Entendi – foi tudo que consegui dizer, totalmente desmoralizada pela resposta de Kell. O dinheiro é uma merda, especialmente quando pertence às pessoas erradas. E que engraçado, ele sempre pertencia às pessoas erradas! - Então... Acho que ele é nossa única saída – Kell murmurou, extremamente sem graça pelo desânimo em meu rosto, e eu apenas suspirei, sem outra solução para nosso problema. Era só me controlar, só isso... Algumas horas dentro de um carro com Taylor e Kell? Tsc, moleza, fala sério. Kell pegou o celular que estava na cama e ligou para o amigo, sob meu olhar disfarçadamente apreensivo. Conforme ele conversava com Taylor, eu tentava deduzir sua resposta, e ao mesmo tempo, inevitavelmente imaginava como ele estaria respondendo. Com sono, sem dúvida. E mal-humorado, talvez? É, grandes chances de mau humor. - Erm, é... Obrigado, cara... E desculpa mais uma vez – Kell agradeceu pouco antes de desligar, sem graça, e assim que o fez, olhou pra mim com a expressão tristonha – Ele tá vindo... Só espero que não durma pelo caminho, porque até eu fiquei com sono só de ouvir a voz dele. - Hm – murmurei, engolindo a sincera pena que senti dele, junto com a vontade de falar um palavrão dos bem cabeludos. Agora era oficial: eu estava ferrada. Muito ferrada. Arrumei nossas coisas dentro das mochilas rapidamente, me vesti, e ficamos esperando o tempo passar, vendo um pouco de TV e conversando menos ainda. Um silêncio estranho caiu sobre nós, mas eu não me incomodei com ele. Confesso que a lembrança de que Taylor estava a caminho quase me fez subir pelas paredes de nervosismo em alguns momentos, mas sempre que eu estava prestes a fazê-lo, Kell iniciava timidamente algum assunto e eu me recompunha. Quando o que me pareceu o milésimo seriado de TV estava acabando, um fraco ruído de motor ecoou do lado de fora da casa, me fazendo prender a respiração. De repente, passar o resto da vida dentro daquele quarto me pareceu uma opção muito mais fácil do que sair dele e ter que encarar Taylor outra vez. Um frio com o qual eu já estava relativamente acostumada dominou meu interior, me deixando levemente ofegante, mas eu respirei fundo e simplesmente o ignorei. Ou pelo menos tentei. - Acho que ele chegou – falei, sem nem pensar, e Kell, que também parecia ter notado o barulho do lado de fora, pediu: - Vai lá dar uma olhada, por favor? Me esgueirei até a janela, sentindo meu coração revirar a cada passo, e assim que o carro de Kell entrou em meu campo de visão, vi também a moto amarela e linda de Taylor (e obviamente, seu dono sobre ela). Ele desceu da moto, com óculos escuros que o deixavam simplesmente irresistível, um casaco de moletom branco que, mesmo sendo de um tecido relativamente grosso, não conseguia disfarçar sua forma física impecável, e uma calça jeans clara. Nem preciso mencionar os tênis extremamente brancos e perfeitos e o cabelo desajeitado pelo vento de um jeito extremamente sedutor, certo? - É, ele... Ele chegou – falei, com muito esforço pra respirar, e só desgrudei meus olhos dele quando não era mais possível vê-lo pela janela. Pude ouvi-lo abrir a porta no andar de baixo e subir as escadas, arrastando os pés a cada degrau, como se aquilo lhe custasse a vida. Taylor entrou no quarto, colocando os óculos escuros na gola da camiseta, e a única coisa que fez foi olhar para Kell e arregalar levemente seus olhos cansados. - Caralho, Lutz... Que cagada. - É, eu sei – Kell resmungou, encarando o amigo com um olhar envergonhado. Não sei por que, mas senti uma vontade enorme de gargalhar. Como tenho amor à minha vida (pode até não parecer em alguns momentos, mas eu juro que tenho), me contentei em continuar quieta, interpretando parte da mobília do quarto. - Bom... Vamos? - Taylor perguntou, parecendo segurar o riso assim como eu, e me lançou um rápido olhar divertido. Foi impossível não sorrir de volta, mesmo que discretamente, e uma incrível vontade de abraçá-lo e sentir a textura macia de seu casaco surgiu em minha mente. - Claro, eu só preciso de ajuda pra me levantar – Kell apressou-se em responder, me lançando um olhar embaraçado. Entendendo o recado, assenti depressa, com medo de ter viajado demais nos caminhos sinuosos do olhar de Taylor, e caminhei até a cama para ajudá-lo a ficar de pé. Estendi uma mão para que ele se apoiasse, e quando fui oferecer a outra, a mão de Taylor substituiu o vazio, e sua presença inesperadamente próxima me arrepiou da cabeça aos pés. - Se você pretende mesmo levantar, acho melhor se apoiar em alguém forte de verdade – Taylor explicou, quando Kell o olhou surpreso, e por mais incrível que isso possa parecer, não identifiquei nenhum rastro de provocação implícita em sua voz. Tentei engolir uma resposta diante da surpreendente educação dele, mas a vontade de retrucar foi mais forte do que eu. - Eu sou forte de verdade – murmurei, mais pra mim mesma do que para ele, tentando abafar meu leve incômodo com seu comentário, que até então, me parecia benigno. O problema era que, por mais que eu realmente achasse que Taylor conseguiria ajudá-lo a se levantar com mais habilidade do que eu, meu humor sempre ficava um pouco fora dos eixos diante da presença dele, pendendo pra uma certa rispidez desnecessária. - Rutyh, calma – Kell pediu baixinho, me encarando por um momento com o olhar levemente repreensivo, e logo e seguida ficando de pé, graças ao apoio de nossas mãos. Taylor passou cuidadosamente um dos braços do amigo por cima de seus ombros (e se eu não estiver ficando doida de vez, pude jurar ter visto um sorrisinho esperto desenhar seus lábios) e eu fiz o mesmo do outro lado, diminuindo o peso em suas pernas. Descemos as escadas devagar, poupando Kell de quase todo o contato entre seus pés e o chão – como eu previa, Taylor foi muito mais habilidoso nessa parte do que eu, mesmo carregando também nossas mochilas, graças a sua massa muscular muito mais desenvolvida que a minha -, e rapidamente o colocamos no banco traseiro de seu carro. Quando estava prestes a me sentar ao lado dele, Taylor, que até então guardava nossas coisas no porta-malas, surgiu bem ao meu lado e interferiu: - Abreu, é melhor você ir na frente. Ele vai precisar de bastante espaço. Olhei pra Taylor, sem saber ao certo como reagir, e como Kell não demonstrou resistência, e até pareceu concordar com ele, fui para o banco do carona. Assim que coloquei o cinto de segurança e vi Taylor sentar-se em seu banco, bem ao meu lado, soube que aquela viagem seria perigosa. Inspirei fundo, esperando que o oxigênio me trouxesse algum conforto logo, mas foi simplesmente inútil. O perfume dele entrou com tudo em meus pulmões, devido à nossa proximidade, e eu rapidamente expirei, como se aquilo fosse me ajudar em alguma coisa. Taylor ajeitou-se rapidamente e não demorou muito para que já estivéssemos fazendo o caminho de volta a Londres. Passamos boa parte da viagem em silêncio, sem sentir muita necessidade de falar, e quando havia diálogo, era porque Kell havia puxado algum assunto comigo. Minhas respostas eram monossilábicas, e apesar do clima calmo dentro do carro, meu nervosismo era quase nítido: minhas mãos suavam frio, agarradas uma à outra, meus olhos mantinham-se firmes no horizonte e meu coração batia absurdamente acelerado pelo risco que eu corria estando num lugar tão pequeno com os dois. E como se tudo isso não bastasse, o fato de Taylor estar extremamente tranqüilo, contrariando totalmente o que eu esperava encontrar, me pegou desprevenida e me deixou atordoada. Ele quase parecia uma pessoa normal naquele momento, dirigindo sem pressa, fora a aura de beleza que sempre o envolvia e o destacava dentre os demais mortais. O que será que ele havia fumado pra ficar daquele jeito? - Meu Deus, que dor de cabeça – Kell sussurrou, deitado no banco de trás e com uma das mãos sobre a testa. Olhei para ele, que estava de olhos fechados em sinal de sofrimento, e ouvi Taylor dizer, sem tirar os olhos da estrada: - Eu tenho uma cartela de analgésicos na carteira, se você quiser. Kell abriu os olhos e sorriu de leve, aliviado. - Você quase me mata de tesão quando diz exatamente o que eu quero ouvir, Lautner – ele respondeu, e eu não consegui conter um sorriso. - Pois da próxima vez, espero que você morra pra que eu não te imagine tendo uma ereção por minha causa – Taylor retrucou, fingindo nojo em sua expressão e também sorrindo um pouco enquanto tirava a carteira do bolso traseiro da calça com certa agilidade – Abreu, dá um comprimido pra ele. Fiz o que ele pediu, tentando disfarçar a leve tremedeira de minhas mãos devido à enorme relação de familiaridade entre eu e aquela carteira, e felizmente consegui passar despercebida. Kell logo engoliu o comprimido, agradecido, e voltou a fechar os olhos, esperando-o fazer efeito. Comecei a fazer tímidos desenhos abstratos sobre minha coxa, coberta pela calça jeans, apenas contando os segundos para me livrar daquela enrascada e poder respirar tranquilamente pela primeira vez em três dias. O caminho parecia muito mais longo e torturante agora em comparação à ida, e o por que disso era mais do que óbvio. E o que mais me agoniava era o jeito inesperadamente calmo de Taylor, fazendo duas possibilidades disputarem espaço em minha mente: ou algo estava muito certo, o que não ajudou em nada a me acalmar, porque o certo de Taylor não era nada confiável; ou algo estava muito errado. Confesso que a segunda opção me causou leves calafrios, porque sempre que algo errado envolvia sorrisinhos sem motivo aparente dele, era praticamente certeza de que eu também estava envolvida. E particularmente, eu ainda não estava totalmente pronta para saber se gostava de participar de seus erros. Resumindo: tomara que a primeira opção seja a correta, seja lá o que ela for. OK. Ou talvez não. Uns vinte minutos de silêncio ficaram para trás durante minha pequena reflexão, até que um barulho curioso foi crescendo aos poucos no interior do carro e me fez voltar à realidade. Franzi a testa ao perceber que ele vinha do banco de trás, e quando olhei na direção do som, minha respiração parou. O barulho era o ronco de Kell, que dormia feito pedra, de boca aberta e babando no estofado do próprio carro. O que significava que eu estava praticamente sozinha com Taylor. Kellan? Amor da minha vida? Que tal deixar a sonequinha pra mais tarde? Voltei a olhar pra frente, engolindo em seco, e mantive meus olhos fixos no céu já escuro à minha frente. Sentia meu coração se contorcer em agonia a cada batimento, e cada segundo a mais de silêncio da parte de Taylor era comemorado como um segundo a menos de perigo. Pena que minha felicidade costuma durar pouco. E ela já estava durando demais, eu sabia disso. - Vai ficar na casa dele? – Taylor perguntou, naquele seu tom subitamente hippie, e eu quase pulei de susto ao ouvir sua voz, apesar de seu volume razoavelmente baixo. Sem conseguir compreender direito a pergunta, sob pressão demais para organizar as palavras em minha mente, apenas olhei rapidamente para ele, e pude notar que um sorrisinho surgiu em seu rosto. - Vou – murmurei, quando finalmente consegui recuperar a razão. Será que eu estava finalmente conseguindo ter uma conversa digna com Taylor Lautner ou eu estou prestes a acordar? - Ah... – ele disse, erguendo as sobrancelhas em tom de lamentação - Que pena. Franzi a testa, sem entender sua resposta, e voltei a olhar para ele. Assim que o fiz, ele devolveu meu olhar, e imediatamente suas íris me transmitiram uma overdose de malícia, a qual eu não estava exatamente pronta para receber. O choque pela mudança brusca de atitude de Taylor me deixou paralisada por alguns segundos, mas nada que me impedisse de ouvir o fim de sua frase. - A Ferrari já está com saudades de você. Senti meus pulmões virarem aço dentro de meu peito, porque além de parecerem momentaneamente impossibilitados de respirar, seu tamanho pareceu quadruplicar, esmagando meu coração e tornando suas batidas absurdamente intensas. - Do... Do que você... Tá falando? – gaguejei, num sopro de voz, e ele apenas aumentou seu sorriso, voltando a encarar a estrada. Tentei respirar, sentindo meu cérebro pedir por ar, mas o progresso que consegui foi quase nulo. Quando me preparava para tentar novamente, ainda com os olhos presos no local onde antes estavam os dele, senti sua mão explorar a parte superior de minha coxa, acariciando-a com uma certa pressão e somente parando quando a distância entre ela e minha virilha era quase insignificante. Quando atingiu seu objetivo, ele aumentou a intensidade de sua pressão, e imediatamente meu corpo inteiro se arrepiou. A lembrança de seus toques veio à tona, me desnorteando completamente e deixando minha visão levemente turva. - Acho que já tem sua resposta – Taylor disse, colocando todo o seu charme na voz, e novamente me olhou daquele jeito libidinoso – Ou ainda não é o suficiente? Ele fez menção de mover sua mão numa direção não muito recomendada, e eu agarrei seu pulso com as duas mãos na mesma hora, em desespero. Meus dedos gelados tremiam escandalosamente contra sua pele quente, mas eu não o deixaria vencer meu autocontrole. Não naquele momento, não naquele lugar. - Por favor... – ofeguei, fechando os olhos por um momento e buscando a firmeza necessária para tornar minha voz um pouco mais audível – Pare com isso. - Parar com o quê? – Taylor sussurrou, como se estivéssemos brincando de esconde-esconde e não pudéssemos ser ouvidos, e seu sorriso passou a demonstrar também uma leve diversão – Com isso? Assim que pronunciou a última palavra, ele voltou a pressionar a parte interna de minha coxa, e eu novamente senti a onda de arrepios percorrer minha espinha. Meu aperto em seu pulso intensificou-se involuntariamente, transmitindo minha reação a ele e fazendo seu sorrisinho só aumentar, tornando-se até um baixo riso. - Incrível como você está demorando a perder a graça – ele falou, com os olhos maliciosos pairando em direção à estrada – A cada dia, se torna ainda mais divertida, como um perigoso brinquedo que se renova constantemente... E se torna cada vez mais excitante. Dessa vez, me recuperei mais rapidamente da provocação dele, bem a tempo de assimilar com o que ele estava me comparando. Um brinquedo? Então era essa a imagem que ele tinha de mim? Um simples objeto, que ele podia subordinar às suas vontades quando bem entendesse? Em que porra de mundo aquele merda vivia pra se sentir no direito de me dizer algo como aquilo? Uma raiva incontrolável começou a borbulhar em meu estômago, me fazendo pensar que voaria nele a qualquer momento e o mutilaria até que alguém conseguisse me parar. Respirei fundo, ainda sentindo minhas mãos tremerem, mas agora por outro motivo, e então a raiva atingiu em cheio minha garganta, escalando-a e queimando-a com tamanha fúria que minha voz parecia um rosnado quando as palavras irromperam de minha boca. - Tire a sua mão imunda de mim. Agora. Taylor virou o rosto para me encarar, com a expressão repentinamente séria. Ao encontrar meu olhar enraivecido, ele franziu a testa de leve, num misto de confusão e surpresa. Extremamente incomodada com seu insistente contato físico, eu voltei a falar, só que agora com o triplo de firmeza: - Me solta, Lautner. Ele parecia ter sido pego totalmente de surpresa pela minha reação negativa, e seus olhos não conseguiam se desgrudar dos meus, como se buscasse alguma explicação neles. Mas tudo que conseguia ver era o enorme nojo que eu sentia, e todos os velhos sentimentos que eu nutria por ele antes de toda aquela loucura começar. Apesar de ainda carregar uma enorme confusão em seus traços, ele pareceu entender o recado e finalmente me soltou, permitindo que minha respiração normalizasse. E então, tudo aconteceu muito rápido. Uma buzina soou, vinda de trás de nosso carro, nos lembrando de que ainda estávamos na estrada. Alarmados, viramos o rosto bruscamente pra frente, e demos de cara com outro carro parado a menos de dois metros de nós. Taylor pisou no freio na mesma hora, com os olhos arregalados, e só Deus sabe como conseguiu fazer com que parássemos sem causar danos a nenhum dos automóveis. Devido à parada brusca, fui impulsionada para frente, quase sendo enforcada pelo cinto de segurança, assim como Taylor. Ao mesmo tempo, um baque surdo e um quase grito de dor vieram do banco de trás, e eu nem precisei olhar para saber o que havia acontecido. - Kell! – exclamei, assim que meu corpo voltou à posição normal com um movimento nada delicado, e me virei em sua direção. Ele havia caído no chão do carro, e procurava apoio desesperadamente nos bancos ao seu lado para voltar para cima, ainda soltando gemidos doloridos. - Rutyh, tá tudo bem com você? Meu Deus do céu, Lautner, o que diabos foi isso? – ele disparou, em desespero, enquanto eu o ajudava como podia a deitar-se novamente, e me concentrava em não olhar para outra direção que não fosse o banco traseiro do carro. - Desculpa, eu... Me distraí – Taylor murmurou, ainda encarando com certo espanto o veículo à nossa frente, cujo motorista agora empurrava para o acostamento devido a um defeito. Engoli em seco, tentando acalmar meu coração descompassado, e assim que Kell já estava em seu devido lugar, retornei à minha posição correta. Levei alguns minutos para recuperar o fôlego e acalmar minhas mãos trêmulas, e para acelerar o processo, abaixei o vidro do carro, apesar do leve frio que fazia, deixando que o vento gelado invadisse meus pulmões com maior facilidade. Durante todo o caminho, Kell se manteve acordado, porém assustado demais para falar, e com Taylor não foi diferente. Eu ainda sentia minha garganta fechada devido ao grito que prendi na hora da quase colisão, e não pretendia forçá-la tão cedo, ainda mais diante da presença de Taylor, com quem já não mais valia a pena falar. Até a leve proximidade de nossos corpos passou a me incomodar, me sufocar, como se houvessem mãos invisíveis me esganando. Chegamos com certa rapidez a Londres, fato que me aliviou profundamente. Mais depressa ainda, devido ao trânsito calmo, o prédio de Kell tornou-se visível, e em menos de cinco minutos, o carro já estava estacionado na frente do edifício. Taylor desligou o automóvel, afundando-nos num silêncio ainda maior, e Kell foi o primeiro a quebrá-lo: - Erm, Tay... Muito obrigado mesmo pela ajuda. Desculpe ter te incomodado. Taylor balançou a cabeça levemente em negação, e seus olhos mantiveram-se perdidos pelo painel do carro. Sem conseguir olhar para nenhum dos dois, continuei fitando minha calça jeans, até que Taylor saiu do carro e seguiu em direção ao porta-malas para pegar nossas mochilas. Fiz o mesmo, sentindo meu estômago afundar, e ajudei Kell a se levantar, logo depois sendo auxiliada por Taylor. Fomos em silêncio até seu apartamento, passando por um Andy chocado ao ver o estado de Kell, e só o soltamos quando ele já estava sentado em sua cama. - Rutyh, você pode acompanhar o Tay até a porta, por favor? – Kell murmurou sem jeito, com um sorrisinho fraco, e antes que eu pudesse pensar numa resposta, Taylor se pronunciou: - Não precisa, Lutz. Eu conheço o caminho. - Hm... Bom, boa noite então – Kell não insistiu, sorrindo sinceramente agradecido e levemente preocupado com o amigo, o que só fez meu estômago afundar mais ainda em sinal de desânimo – Te vejo amanhã... Eu acho. - Se cuida – Taylor murmurou, erguendo rapidamente um dos cantos de sua boca numa tentativa frustrada de sorrir, e nem sequer me olhou antes de ir embora. Fiquei paralisada por alguns segundos, e somente quando a porta do apartamento bateu, indicando que ele havia realmente partido, meu coração revirou dentro do peito, devolvendo-me a consciência. Ou pelo menos parte dela. - Eu vou... Trancar a porta e... Eu já volto – gaguejei, sem conseguir organizar as idéias em minha mente e sentindo minha garganta arranhar a cada palavra. A única coisa da qual eu tinha certeza absoluta era de que precisava ficar pelo menos cinco minutos sozinha, caso contrário seria capaz de morrer asfixiada. Kell apenas assentiu, ajeitando-se melhor em sua cama, e eu praticamente corri até a entrada do apartamento. Girei a chave, que ainda balançava devido ao movimento de Taylor para fechar a porta, na fechadura, ouvindo a tranca mover-se discretamente, e apoiei minhas costas contra a madeira, sentindo minhas pernas tremerem perigosamente. Abaixei a cabeça num ato derrotado, sendo tomada por pontadas fortes de dor no peito. Sem conseguir entender por que meus olhos estavam se enchendo d’água naquela velocidade monstruosa, desisti de lutar contra a fraqueza súbita de meus joelhos, deixando-os ceder ao meu peso e me derrubar sentada no chão. Enterrei meu rosto discretamente molhado por duas tímidas lágrimas e, por mais que estivesse tentando evitar, minha vontade de chorar só aumentava. Era inútil nadar contra a correnteza. Assim como era inútil fingir que eu não tinha me deixado envolver por Taylor, nem ao menos por um segundo... Seu cheiro, sua pele, seu calor, seu gosto, seu toque, tudo me convidava, me chamava, me envolvia, como um vício, uma praga, uma maldição. Saber que ele pensava em mim daquela forma tão suja, tão superficial, como se eu fosse um simples brinquedo, foi um golpe duro, e mais dura ainda foi a consciência de que eu jamais poderia esperar mais do que isso dele. Mas, mesmo sabendo disso, eu não cumpri minha parte no trato. Eu me iludi, me deixei levar por sensações supérfluas, momentâneas, e que agora já não bastavam mais para mim. Eu precisava de alguém que realmente me amasse como Kell me amava, mas que também pudesse me dar o que só Taylor era capaz de me dar. E apesar de me sentir certa em relação ao que havia feito com Taylor, era inegável que meu corpo já dava sinais claros de que sentia falta dele. Mesmo sabendo que eu estava com a razão, tudo o que eu queria fazer era passar o resto da noite esperando inutilmente pelo momento em que ele voltaria, e eu poderia dizer tudo que estava entalado em minha garganta, mesmo que as palavras não fizessem sentido... Tudo o que eu queria era poder mostrar a ele o quão importante ele havia se tornado em minha vida, por mais errada que tivesse sido sua passagem por ela. E que, apesar de tudo, algo me dizia que ele não podia ficar longe de mim... Que eu não o queria longe de mim. Mas esse momento não aconteceria, eu tinha plena consciência disso. Ele provavelmente já estaria dentro de um táxi naquele exato momento, voltando para sua enorme e deserta casa, e assim que chegasse, enterraria seu corpo sob o largo e grosso edredom de sua igualmente vasta cama... E igualmente vazia. Visualizá-lo sozinho naquele apartamento provocou uma fisgada insuportavelmente intensa em meu peito, e eu contive um gemido de dor. Respirei fundo, reunindo todas as forças que aquele fim de semana ainda havia me deixado, e focalizei meus pensamentos em uma única coisa. Kell. Ele sim me merecia. Ele sim me amava. Ele sim faria qualquer coisa por mim, eu sabia disso. E, no entanto, não era por ele que eu chorava. Só então eu percebi o quão injustas e traidoras minhas lágrimas eram, passando a queimar meus olhos conforme caíam, e trazendo consigo a pergunta que eu daria a vida para poder responder. Por que eu insistia em seguir o caminho errado? Aproveitando-me de um momento de lucidez, ergui meu rosto e engoli o choro, respirando profundamente. Enxuguei minhas lágrimas com as costas de minhas mãos trêmulas, e reunindo os pedaços de mim que ainda restavam, me levantei devagar. Meu caráter podia estar completamente destruído, mas ainda havia alguém por quem valia a pena sorrir. E agora que eu já havia me desfeito de uma de minhas metades, só o que me restava era cuidar da outra, que, naquele momento, precisava de mim mais do que nunca. Mas talvez não tanto quanto eu precisava dela. Capítulo 21 - Eu não acredito! É você mesmo? Já faz tanto tempo que não te vejo que já estava esquecendo seu rosto! Respirei fundo ao ver Pamela estender os braços em minha direção, com um sorriso divertido, e não pude deixar de rir, mesmo que pouco, de sua recepção exagerada. Ao vê-la depois de dois dias tão turbulentos e completamente distantes de minha realidade, me dei conta de que minha vida tinha, de certa forma, voltado ao normal: eu tinha uma mãe que me amava, uma melhor amiga que me apoiava em praticamente tudo, e um namorado simplesmente fascinado por mim. A cada passo meu que ecoava pelo frio pátio do colégio, uma simples pergunta se intensificava em minha mente, tornando-se quase impossível de ser ignorada. Mas não de ser respondida. O que mais eu poderia querer? - Que saudade – foi tudo que consegui dizer quando cheguei perto dela, abraçando-a com força. A sensação de poder contar com alguém que provavelmente não me mataria se descobrisse meus segredos, e inclusive já sabia de uma boa parte deles, era extremamente revigorante. - Hm, não gostei desse seu tom de voz – ela murmurou, ainda me abraçando, e eu sorri fraco, comprovando minha teoria de que estava pra nascer uma pessoa que me conhecesse tão bem como ela – Acho bom a senhorita me contar tudinho, ouviu? E a propósito, cadê o Kell? - Ele não vem hoje – respondi, e ela desfez o abraço pra poder me ver, com a expressão confusa – Está no hospital. Pamela arregalou os olhos, assustada, e meu rosto adotou traços pesarosos. - Rutyenne Abreu... O que raios você fez com ele? – ela sussurrou, e se eu não estivesse tão esquisita, teria rolado de rir. Mas apenas sorri fraco novamente e balancei a cabeça em negação. - Calma, não é nada do que você tá pensando – expliquei, e ela colocou a mão sobre o peito, um pouco mais aliviada – Ele tomou sol demais e acho que está com um princípio de insolação. Tive que insistir muito com ele hoje de manhã pra que ele concordasse em ir ao médico e ignorasse o fato de que tinha que dar aulas. Sim, eu finalmente o tinha convencido a ir ao hospital, depois de um certo esforço. Antes de ir para a escola, ajudei Kell a vestir uma blusa e uma bermuda, e o coloquei dentro de um táxi, já que dirigir seria um pouco difícil pra ele. Como não podia acompanhá-lo, por medo de sermos flagrados juntos, pedi ao motorista do táxi que o ajudasse a se locomover e o esperasse durante seu atendimento (óbvio que tive que gastar um pouco de minha mesada nessa transação, mas não deixei que Kell visse essa parte), e pedi também para que o sempre simpático porteiro, Andy, o ajudasse a subir até seu apartamento na volta. Mesmo sabendo que tudo ficaria bem, um certo aperto em meu peito por não poder estar com ele insistia em me deixar deprimida. Pelo menos fiz Kell prometer que me ligaria assim que chegasse em casa, o que de certa forma me tranqüilizava um pouco. - Coitadinho – Pamela lamentou, fazendo cara de pena, e eu assenti – Mas não se preocupe, vai ver que ele melhorará rapidinho. E você, não tomou sol não? Tá parecendo uma zumbi, credo. - Tomei sim, tá legal? Você sabe que meu bronzeado não dura, e quando dura, é pra ficar descascando logo depois – resmunguei ofendida, cruzando meus braços e fazendo Pamela rir – Então eu prefiro que ele não dure mesmo. - Sei sim, você é toda problemática – ela assentiu, ainda rindo um pouco, mas logo sua expressão se tornou séria e sua voz diminuiu de volume – Ih, falando em problema... Franzi a testa em sinal de dúvida, mas assim que percebi a fixação do olhar de Pamela em direção a algo atrás de mim, já soube do que se tratava. Nem me dei ao trabalho de virar para saber quem havia acabado de chegar. Três segundos depois, Taylor passou bem ao nosso lado, e seu perfume adentrou minhas narinas, assim como meus olhos se fixaram inconscientemente em seus cabelos bagunçados, sua nuca e... Puta merda, Lautner. Precisava ter vindo de preto? Justo de preto? Por que ele tinha que jogar tão na minha cara que tinha um corpo simplesmente perfeito? Argh, vai pro inferno, demônio. - Problema? – gaguejei, desviando meus olhos involuntariamente grudados ao corpo de Taylor (mais especificamente, à sua bunda ressaltada pela calça um pouco justa) rapidamente e voltando a olhá-la com uma pontada de frustração e ressentimento – Não vejo problema nenhum. Pamela ergueu uma sobrancelha, cética, e minha firmeza vacilou um pouco. - Desde quando você atingiu esse ponto de autocontrole? – ela perguntou, e eu apenas revirei os olhos, fingindo desinteresse. - Não é autocontrole – respondi, balançando negativamente a cabeça e tomando todos os cuidados necessários para não olhar para Taylor, por mais que a porta da sala dos professores ficasse na mesma direção de Pamela e ele estivesse passando por ali naquele exato momento – É determinação. Eu amo Kell, e ele também me ama... Por que eu precisaria de mais alguém? - Não sei – ela deu de ombros, abandonando a expressão desconfiada e mudando para uma distraída – Sexo, talvez. - Pamela! – exclamei, empurrando-a de leve, e um sorrisinho safado surgiu em seu rosto, assim como minhas bochechas devem ter corado. - Ah, Rutyenne, fala sério... Sexo é ótimo e você sabe muito bem disso – ela riu baixo, apontando pra mim e fazendo cara de sabida – Não tente bancar a santinha, porque comigo não cola. Apesar de desaprovar seu comentário desnecessário (e seu alto teor de fatos reais), não consegui responder nada. Minha concentração se esvaiu novamente e meus olhos foram cruelmente arrancados de Pamela e conectados a Taylor, que agora fazia o caminho inverso ao anterior para entrar no prédio onde ficavam as salas. Conforme se aproximava da entrada do prédio, que por sinal era onde eu e Pamela estávamos paradas, sua expressão fechada se tornava cada vez mais nítida, e, infelizmente, mais bonita. Não que eu ligasse para isso, claro. Respirei fundo, afastando todo e qualquer pensamento indesejado de minha mente, e finalmente consegui rebater a brincadeira idiota de Pamela, alto o suficiente para que Taylor me ouvisse ao passar bem atrás dela. – Posso até não ser santa... Mas não sou um mero brinquedo. Assim que as últimas palavras saíram de minha boca, Taylor parou de andar, logo atrás de Pamela. Meu olhar ávido acompanhou seu rosto enquanto ele o virava na minha direção, e logo os aros verdes de seus olhos se tornaram plenamente visíveis. Sua testa estava franzida sobre eles, e seus lábios estavam firmemente fechados, formando uma linha reta e demonstrando sua seriedade. Não desviei meu olhar do dele; pelo contrário, intensifiquei nossa conexão visual até que ele se desse conta de que estava me olhando por tempo demais e passasse a encarar o chão, voltando a andar logo em seguida. Pamela, confusa demais para entender alguma coisa, apenas olhou para trás tentando acompanhar meu olhar ainda fixo, e ao encontrar a porta do prédio já vazia, voltou a me encarar, desconfiada. - Se antes eu já estava achando que precisava saber de algo, agora eu tenho certeza absoluta disso – ela murmurou, me analisando minuciosamente, e eu não conseguia tirar meus olhos do local onde antes Taylor me encarava – Mas seja lá o que esse algo for, tenho a impressão de que não é nada pacífico. - Alguém já te disse que seu poder de dedução é simplesmente incrível? - sorri de um jeito maldoso, satisfeita por ter conseguido alfinetar o idiota do Lautner, e voltei a olhar para Pamela, que ainda me fitava daquele jeito desconfiado. De pacífica, aquela história não tinha absolutamente nada. Aliás, tudo que envolvesse Taylor Lautner em minha vida jamais seria pacífico. E tal constatação me fez concluir, agora com certeza, que minha vida havia realmente voltado ao normal. Metade da segunda aula. Física. Uma professora de 45 anos toda esticada pelas sucessivas cirurgias plásticas e com menos roupa do que eu, no maior estilo brotinho, tentando enfiar na cabeça de seus alunos ainda sonolentos algumas fórmulas sobre elétrica. Duas palavras: não, obrigada. Eu rabiscava incessantemente em meu caderno, imaginando que espírito havia se apossado de minha mão para mantê-la tão inquieta. Primeiro, fiz cubos deformados devido à minha incapacidade de desenhar algo que prestasse. Depois de uns vinte desses nas bordas da folha, acabei desistindo de formas geométricas e comecei a esboçar um olho gigante no centro. Enquanto arrumava alguns detalhes de seu contorno, tentando ignorar a voz irritante da professora esbravejando as fórmulas na frente da classe, me lembrei do dia em que li num site sobre o significado dos rabiscos que as pessoas fazem quando estão distraídas, e que podem às vezes transmitir seus sentimentos. Olhos e cubos, pelo que eu me lembrava, representavam uma situação na qual a pessoa está frente a frente com uma decisão importante ou um fato decisivo, e não quer ou tem medo de encará-la. Revirei os olhos pela futilidade desse tipo de análise, e repeti mentalmente as mesmas duas palavras: não, obrigada. Até que meu olho estava indo bem, mesmo com o fato de minha habilidade artística ser uma merda, mas foi inevitável não pular na cadeira e tremer meu traço quando o celular vibrou dentro do bolso da calça. Só podia ser Kell. Aleluia. Pedi à professora para ir ao banheiro, e ela mal me olhou, compenetrada demais em supostamente ensinar os poucos alunos interessados a aplicar suas fórmulas ridículas de tão fáceis. Saí quase que correndo da sala, e assim que fechei a porta atrás de mim, atendi à chamada, sem nem olhar para o número. - Rutyh? – a voz de Kell emanou do aparelho sem que eu nem precisasse dizer nada, e um sorriso aliviado surgiu em meu rosto. - Oi, amor – respondi, caminhando lentamente em direção ao banheiro – Como você tá? Já voltou do hospital? Foi tudo bem? O que te disseram lá? - Calma, uma coisa de cada vez – ele riu, e eu não pude deixar de imitá-lo de um jeito nervoso, só então notando minhas perguntas afobadas – Eu estou bem, já estou em casa, foi tudo bem por lá, mas... Eu tenho uma notícia não muito agradável. - Desde que você não fique desse jeito pra sempre, ou por muito tempo, não vejo nada que possa ser tão ruim – adiantei ansiosamente, desistindo de chegar até o banheiro e me apoiando na parede ao lado de uma sala de aula qualquer. - Segundo o médico, eu vou voltar ao normal em breve, não se preocupe com isso – Kell disse, com a voz levemente divertida, e o alívio cresceu ainda mais dentro de mim – O problema é que eu vou precisar de cinco dias de descanso para isso. E quando eu digo descanso, estou dizendo que não poderei ir à escola. Ou seja... Não vou poder te ver. Meus olhos, que observavam o corredor deserto, despencaram até encontrar meus próprios pés após aquela notícia. Cinco dias sem Kell, ainda mais agora, que eu precisava dele como nunca para me manter firme em minha decisão e não me deixar abater, seriam quase uma eternidade. Mas tudo bem. Eu era forte o suficiente para agüentar, certo? Respirei fundo, me preparando para dizer que não me importava e que havia grandes chances de sobrevivência para mim, mas antes que eu pudesse abrir a boca, a porta da sala da qual eu estava praticamente ao lado se abriu, e o professor Lautner irrompeu dela, quase trombando comigo ao fazê-lo. Seu jaleco absurdamente branco, em contraste com sua roupa preta, esvoaçou escandalosamente devido ao seu movimento brusco para frear e não tocar em mim, ao contrário de seus olhos, que se depararam com os meus carregados de uma surpresa assustada. Senti que fui atingida por uma nuvem de seu perfume assim que ele freou bem perto de mim, e para o meu próprio bem, tentei não respirá-lo. Em vão, claro, porque quando finalmente consegui bloquear minhas vias respiratórias, já havia inspirado o suficiente para que aquele cheiro viciante dominasse meus pulmões por completo. Como eu era idiota. Taylor não disse nada (e eu não esperava que ele o fizesse, ainda mais vendo que eu estava falando ao celular), e apenas continuou bruscamente seu caminho até as escadas, descendo-as velozmente e me deixando desnorteada. Eu tinha um certo problema com proximidade exagerada, em especial quando a pessoa desconfortavelmente próxima era ele; era como se eu fosse um aparelho eletrônico que sofresse interferência diante de seu corpo e ficasse todo desregulado. - Eu sei que a notícia não é nada boa, mas também não precisa ficar nesse silêncio fúnebre – Kell murmurou, com um certo humor na voz, e eu acordei de meus devaneios. Nota mental: dar um jeito nessas minhas viagens na maionese pós-Lautner. - Ah, não, eu... Eu vou ficar bem, não se preocupe – falei, tentando não parecer tão afetada pela breve presença de Taylor – Descanse bastante e fique bem logo, é só o que eu quero que você faça. - Pode deixar, eu vou fazer – ele sorriu, ainda falando um pouco baixo, e diminuiu ainda mais o volume de sua voz ao continuar – Vou morrer de saudades. Fechei os olhos e mordi meu lábio inferior, sentindo meu coração finalmente dar seus primeiros sinais de normalidade após o momento relâmpago de adrenalina, e respirei fundo antes de respondê-lo, sendo tão sincera com ele quanto eu não me lembrava de ter sido por muitas vezes. - Eu também. - Eu amo você – Kell sussurrou, e mesmo mal conseguindo ouvir sua voz, soube que ele estava sorrindo ao falar. - Volte logo... – cochichei, abrindo os olhos novamente, e soube que não era preciso repetir suas palavras para que ele entendesse que eu sentia o mesmo. Kell desligou logo em seguida, e mesmo após o fim da chamada, mantive meu celular próximo de minha orelha, com duas últimas palavras presas em minha garganta. Mesmo sabendo que ninguém as ouviria, minha alma precisava que eu as dissesse, consumida por toda a agonia que eu guardava dentro de mim, e assim eu o fiz. - Por favor. - Baile de primavera? Empaquei diante do grande e colorido cartaz afixado numa das paredes do pátio, após ler as três palavras que apareciam em seu título. - Nossa, só agora você reparou nisso? – Pamela perguntou, surpresa com meu choque – Está aí há umas duas semanas, pelo menos. Impossível. Essa era a palavra que ecoava em minha cabeça, como uma sirene de ambulância. Era absolutamente impossível que aquele cartaz estivesse ali há duas semanas. Como eu poderia ter passado por ele durante quase dez dias e não o ter visto? Quer dizer... Uma coisa tão divulgada como um baile de primavera deveria ter saltado aos meus olhos, certo? Olhei em volta, caçando outros cartazes, e não precisei ir muito longe para encontrá-los. E não foram poucos. OK, talvez eu tenha andado preocupada demais com conflitos internos para reparar neles. Eu nunca reparo em nada que acontece naquela escola mesmo, a não ser que envolva pessoas de meu interesse. - Um baile de primavera? – repeti, ainda incrédula, e só então meus olhos se dirigiram à data do evento – Nesse sábado? – Isso mesmo, Rutyenne, um baile de primavera – Pamela bufou, revirando os olhos e me puxando pela mão até o lugar onde costumávamos ficar durante todos os intervalos - Para pessoas sociáveis interagirem e se divertirem, o que não costuma se aplicar a nós, pelo menos não no meio dessa gente. - Se ser sociável é ser fútil que nem a Smithers e as outras meninas dessa escola, nunca quero deixar de ser anti-social – falei, e ela concordou com um aceno de cabeça – Na verdade, nem sei por que fiquei tão afetada com esse baile... Não vou participar mesmo. - Nem eu – Pamela deu de ombros – Você podia dormir lá em casa, né? A gente comprava barras de chocolate e passava a noite falando de homens bonitos... O que acha? - Eu topo, mas prefiro que seja lá em casa – assenti, me lembrando de minha mãe e da saudadezinha que eu já estava sentindo dela, assim como de meu quarto, meu reino sagrado, meu santuário imaculado e todos os outros nomes religiosos que você pode imaginar – Já passei muitas noites fora de casa ultimamente. - Tenho certeza de que nossa noite vai ser muito mais divertida do que a desse povo fútil – ela disse, convicta, e eu ri de sua expressão convencida – Falando em futilidade, acabei de me lembrar de que preciso pegar o livro de geografia para a próxima aula... Vem comigo até meu armário? - Claro – respondi, rindo novamente de seu comentário sobre geografia e futilidade, opinião com a qual eu concordava plenamente, levando-se em consideração que nosso professor era ninguém mais, ninguém menos que Christopher Hammings. Chegamos rapidamente ao armário de Pamela, e assim que ela o abriu, um pedaço de papel caiu de dentro dele. Ela franziu a testa, desconfiada, e pegou o papel do chão, lendo seu conteúdo logo em seguida. Seus olhos se arregalaram após ler o curto texto escrito no bilhete, e vendo que ela estava paralisada diante do que lera, arranquei o papel de sua mão, curiosa. Estou em Londres, e doente de saudades de você. Use o vestido mais bonito que tiver, porque na noite de sábado, você vai ser minha. E se já tiver um par, aconselho que dispense o idiota, a menos que ele queira perder alguns dentes. E. Não consegui dizer nada; apenas olhei para Pamela, que se mantinha imóvel, tão em êxtase quanto eu. Ambas sabíamos muito bem quem havia escrito aquele bilhete, mas a surpresa era grande demais para termos qualquer tipo de reação. - Rutyenne... – ela murmurou após alguns segundos de silêncio, me encarando com um misto de medo, surpresa e insegurança no olhar – Eu conheço essa letra como a palma de minha mão... É a letra do... - Ewan! – completei, perplexa, percebendo que ela havia deixado a frase inacabada. Ewan era o ex-namorado de Pamela, que havia se mudado para Oxford no final do ano anterior. Apesar de ter sido ela quem decidira terminar com o namoro ao invés de tentar um relacionamento à distância, eu sempre soube que Pamela ainda cultivava sentimentos em relação a ele, e que fizera aquilo para evitar os aborrecimentos que um namoro distante pode trazer. Ewan, mesmo sendo totalmente apaixonado por Pamela, o que ela correspondia à altura, percebeu que aquilo seria o melhor para os dois e se contentou em apoiar sua decisão, o que só aumentava minha vontade de vê-los juntos outra vez. Eles eram simplesmente o casal mais fofo que podia existir na face da Terra, fato. Um sorriso empolgado surgiu em meu rosto. Já havia passado da hora de algo revigorante animar a vida de Pamela, e nada poderia ser melhor do que uma visita de Ewan. E, pelas claras intenções dele, ele não estava vindo para brincadeira; ela parecia saber disso muito melhor do que eu, pelo jeito que suas mãos começaram a tremer. - E agora, Pam? – perguntei, observando-a pegar o bilhete de minhas mãos e relê-lo com ansiedade – O que você vai fazer? - Eu não faço a menor idéia! – ela quase exclamou, nervosa, e por um momento eu pensei que seus olhos fossem saltar de suas órbitas – Você acha que... Que eu devo ir ao baile com ele? - Lógico que deve! – concordei, assentindo vigorosamente, e ela ergueu os olhos do papel para mim, aflita – Seja lá como ele conseguiu colocar esse bilhete dentro do seu armário, duas coisas são certas: ele está aqui, e obviamente espera uma resposta sua! Então, pelo amor de Deus, ligue pra ele o mais rápido possível e diga que sim! - Ele está aqui, Rutyenne... Ele está aqui, em Londres, perto de mim outra vez – ela murmurou, respirando fundo e pressionando o papel contra o peito, e eu pude ver que seus olhos estavam ficando ligeiramente úmidos – Você sabe o quanto ele me faz falta. - Aawn! – sorri, abraçando-a com força e sem conseguir disfarçar minha empolgação – Vai dar tudo certo, você vai ver. - Tomara – ouvi Pamela suspirar, retribuindo meu abraço, e logo em seguida, o sinal tocou, anunciando o término do intervalo. Ainda assimilando a surpresa de Ewan, voltamos às nossas classes, com sorrisos de orelha a orelha estampados em nossos rostos. E durante o resto das aulas, me peguei imaginando o reencontro dos dois, e surpreendentemente me esquecendo de meus próprios problemas. Era impossível não sorrir ao visualizar Pamela e Ewan juntos novamente, e tal visão me transmitia uma certa dose de tranqüilidade, anulando um pouco a tensão que me rondava. De vez em quando, coisas boas ainda me aconteciam, mesmo que indiretamente, o que me fez pensar que talvez nem tudo estivesse tão perdido assim para mim. Na hora da saída, a mãe de Pamela já a esperava, e só tivemos tempo de nos despedir com sorrisos eufóricos no rosto. Já minha mãe, pontual como sempre, ainda não havia dado sinal de vida, e eu me conformei em esperá-la, sentada na mureta em frente ao colégio. Alguns minutos depois, minha visão da rua foi bloqueada por uma coisa loira e artificial, que eu nem precisei examinar muito para reconhecer: Kelly Smithers. Ignorei o fato de que ela tinha outros milhares de lugares para ficar, mas tinha escolhido justo o ponto que me impedia de ver os carros que chegavam, e apenas suspirei, decidida a não me deixar irritar por razões bobas. Se eu continuasse daquele jeito, acabaria ficando com rugas, e Kelly com certeza não era importante o suficiente para ser um dos motivos delas. Ou talvez fosse. - Ei, Tay! – ouvi sua voz de atriz pornô chamar, e instintivamente meus olhos se fixaram nela, que acenava em direção à saída do colégio – Vem cá! Não demorou muito e Taylor apareceu, parando bem em frente a ela e a uma distância relativamente pequena de mim, o que me permitia ouvir toda a conversa. - Sim, senhora – ele disse, sorrindo de lado, e a mesma raiva que senti no dia anterior voltou a borbulhar em minhas entranhas, fazendo com que minhas mãos involuntariamente se fechassem em punhos. - Já tem par pro baile de sábado? – ela murmurou, encarando-o com seus felinos olhos verdes e enrolando uma mecha de seu cabelo loiro oxigenado no dedo indicador. Me recusei a continuar observando aquela cena deplorável praticamente no meio da rua. Sinceramente, de onde aquela biscate havia saído? De um filme pornô desses do tipo colegial? Sério, que ódio que eu sentia daquela vaca. Não que eu ligasse pro homem que ela estava seduzindo, até parece que eu tinha algum tipo de ciúmes do Lautner, mas era repugnante ter que assistir às suas técnicas sujas e saber que, mesmo sendo tão exageradamente promíscua, ela costumava conseguir o que queria. - Já – ele respondeu, sem se desfazer de seu sorriso, e ao ver que Kelly havia adotado uma expressão chateada, completou sua frase – Você. Ela ergueu as sobrancelhas por um momento, surpresa com a brincadeira dele, e logo em seguida voltou a sorrir daquele jeito nojento. Alguém tem uma metralhadora pra me emprestar? - Quem disse que eu quero ir com você? – ela perguntou, cerrando os olhos de um jeito supostamente provocativo, mas que do meu ponto de vista, só a tornou ainda mais depravada. - Sua testa – Taylor falou, e pode ter sido só impressão minha, mas parecia haver alguns traços de tédio em seu rosto – Está escrito nela. Foi impossível controlar o riso depois daquele fora simplesmente épico, mas eu me esforcei em engolir minhas gargalhadas, processo que, apesar de exigir muito autocontrole, felizmente não chamou muito a atenção das pessoas. Se havia algo que me fazia rir, era ver Kelly levando algum fora; funcionava melhor que qualquer filme de comédia. - Tem certeza de que é só isso que está escrito? – ela murmurou, lançando olhares discretos para os lados, certificando-se de que quem estava por perto não a ouviria (o que não adiantou nada, porque eu li seus lábios) – Quer chegar mais perto para ler o resto? Meu queixo caiu até bater no chão com aquele absurdo. Eu realmente viveria muito melhor sem ter ouvido uma cantada tão barata como aquela. Era muita sem-vergonhice mesmo, francamente. Pensando melhor, matá-la com uma metralhadora seria delicadeza demais... Atirá-la num tanque de ácido sulfúrico e observar o efeito desse ato me parecia uma idéia muito mais atraente. - Guarde seu lixo sonoro para o fim de semana, Smithers – Taylor sorriu, e apesar de suas palavras rudes, vi que ele a encarava com um olhar que eu (infelizmente) conhecia bem: um olhar cheio de luxúria, que tirava o fôlego de qualquer mulher sem esforço algum. E que agora, só conseguia me causar nojo e ódio. Tá, e daí que não era só isso? O resto não interessa. Uma buzina soou de leve na rua, e logo depois, ouvi uma voz familiar chamar meu nome. Subitamente alarmada, olhei na direção do som, desviando do bloqueio formado por Kelly, e vi o carro de minha mãe estacionado. Aliviada por finalmente poder ir embora dali, caminhei até o Land Rover, sentindo o olhar de Taylor pesar sobre minhas costas durante o trajeto. Ao contrário dele, que grudou seus olhos em mim desde que ouviu minha mãe me chamar, não ousei olhar em sua direção, sentindo meu estômago revirar de nojo devido à ceninha patética entre ele e Kelly. Se era assim que ele queria se comportar, fazendo questão de jogar na minha cara que tinha várias outras garotas para colocar no meu lugar, ele que agüentasse as conseqüências de seus atos. Afinal de contas, eu não estava dando a mínima para isso. Certo? Capítulo 22 - O que acha desse? - Hm... Eu prefiro o roxo. - Eu também, mas acho que esse realça mais os meus peitos... Ou não? - Só porque o decote é maior? Que pouca vergonha! Eu e Pamela estávamos em uma loja de vestidos, em plena terça-feira à tarde, para escolher um modelito para o baile de sábado. Isso mesmo, um vestido, o de Pamela, porque eu estava disposta a cumprir com a tarefa de passar a noite comendo chocolate e vendo qualquer filme que estivesse passando na TV (e que, de preferência, tivesse vários homens gatos e poucas loiras no elenco). Não queria ter que assistir a mais cenas pornográficas entre Kelly e Taylor, e mesmo que Kell estivesse bem para ir, preferia ficar com ele em sua casa ou algo do tipo. Qualquer plano que envolvesse distância daquele colégio me agradaria, e sinceramente, ficar longe daquele baile não era pedir demais. - Tudo bem, eu me decidi – Pamela suspirou, atirando o vestido vermelho que havia acabado de experimentar em cima de mim, unindo-o aos outros cinqüenta que ela havia provado e desaprovado logo em seguida – Vou ficar com o roxo. É o mais barato e o mais bonito. - Adoro quando você tem essas crises súbitas de inteligência – sorri, sarcástica, pegando o vestido que havia caído sobre minha cabeça e colocando-o sobre a pilha de vestidos rejeitados em meu colo – Me faz crer que realmente existe alguma coisa dentro do seu crânio, por mais inativa que ela seja. - Que tal você levar esses vestidos pra atendente antes que meu joelho vá parar no fundo da sua garganta? – ela retrucou, cínica, e mesmo estando apenas de roupas íntimas, ela realmente me amedrontou. - Acho que vou te esperar lá fora – murmurei encolhida, carregando os vestidos rejeitados e deixando o cubículo. Coloquei as peças sobre o balcão da loja com um sorrisinho sem graça para a vendedora, e logo me reaproximei do provador, bem a tempo de ouvir a voz abafada de Pamela falar. - Você ainda não me contou o que aconteceu de tão sério nesse final de semana... Provavelmente estava esperando que eu me esquecesse disso, se eu ainda conheço suas técnicas falhas de fugir de mim. Quase engasguei com minha própria saliva com aquela indireta mais do que direta e inesperada, ainda mais sendo tão cruelmente arrancada do mundo de fantasia no qual eu havia me forçado a mergulhar nas últimas 24 horas. Não pensar em Taylor (sozinho ou com Kelly, tanto faz) exigia um bom esforço de minha mente, e ser forçada a me lembrar de eventos como o fim de semana me desestabilizou. - Não faço idéia do que você tá falando – despistei, tentando parecer o mais indiferente possível. Não adiantaria por muito tempo, mas eu precisava tentar enganá-la, se não queria compartilhar com ninguém os acontecimentos na casa de praia. Eles já eram perturbadores o suficiente pra mim, e olha que isso já era perturbação demais, acredite. - Ah, tá – ela resmungou, e pelo tom de sua voz, soube que seus olhos estavam cerrados em sinal de ceticismo – E eu sou a rainha da Inglaterra. Engoli em seco, sem saber o que responder, e comecei a admirar minhas unhas e o enorme estrago que aquele fim de semana havia provocado nelas. - Bom, você é quem sabe se vai me falar agora ou depois – sua voz voltou a ecoar alguns segundos depois, quando Pamela saiu do provador já com suas roupas no devido lugar – E eu tenho a vida toda pra esperar, dica. Bufei, revirando os olhos e caminhando com ela até o balcão em silêncio. Ela pagou o vestido e rapidamente saímos da loja, chegando ao corredor vazio do shopping, devido ao pouco movimento às terças-feiras. - Eu não quero falar, tá legal? – assumi, derrotada, quando ela me lançou um olhar intenso – Eu já estou me sentindo mal o suficiente por isso, não quero que você me dê uma bronca e piore as coisas. - Por que eu te daria uma bronca? – ela perguntou, dando de ombros – O que houve, transou sem camisinha? - Fala baixo! – sussurrei, mas minha vergonha era tanta que o som foi quase o mesmo de um grito – E não, não foi nada disso! - Fez ele broxar? – ela voltou a perguntar, com a naturalidade de quem pergunta qual a minha banda favorita. - Claro que não! Pára! Olhei ao redor, com medo de termos sido ouvidas por alguém, e assim que virei meu rosto para trás, dei de cara com um senhor andando a uma certa distância de nós. Seu olhar estava fixo em Pamela, e seu olhar era, no mínimo, horrorizado com nossa conversa. E olha que eu fui bastante educada ao utilizar um adjetivo tão leve. - Fingiu um orgasmo? – Pamela cochichou, quando voltei a olhar pra frente, quase explodindo de tanta vergonha. - Pelo amor de Deus, cala a boca! – implorei, fincando minhas unhas em seu braço e sentindo o sangue deixar meu rosto completamente vermelho – Qual parte do “Eu não quero falar disso” você não entendeu? - Nossa, foi tão grave assim que você não quer contar nem pra mim? – ela ignorou minhas palavras completamente, levando uma das mãos ao queixo e olhando para frente de um jeito pensativo – Tô começando a ficar assustada. - E eu tô começando a me irritar com você! – rosnei, fazendo-a acordar de seus pensamentos e me olhar com uma pontada de medo – Se eu tô falando que não quero contar, tenha um pingo de educação e respeite minha decisão! Acha que consegue fazer isso pelo menos uma vez na vida? Ela continuou me encarando, estranhando minha súbita agressividade, e eu apenas respirei fundo, fechando os olhos por alguns segundos e tentando fazer meu estresse diminuir. Eu simplesmente não funcionava bem sob pressão, e ultimamente parecia que tudo me pressionava de certa forma. - Desculpa, Rutyh – Pamela murmurou, finalmente percebendo que estava exagerando um pouco – É que eu me preocupo demais com você, sabe que não consigo te ver com problemas e não querer ajudar. E quanto à curiosidade... Bem, é simplesmente mais forte do que eu. Voltei a encará-la, me deparando com seus olhos arrependidos, e sorri de leve por suas palavras reconfortantes e ao mesmo tempo engraçadas. - Eu sei, Pam - suspirei, abraçando-a lateralmente e grudando nossas bochechas – Me desculpe por ter sido grossa com você, sei que se preocupa demais comigo. Por acaso eu já te agradeci por existir? Pamela soltou uma gargalhada alta, retribuindo meu abraço desajeitado e tentando se equilibrar comigo pendurada em seu pescoço enquanto andávamos. - Acho que não – ela respondeu, quando finalmente a soltei e voltamos a caminhar normalmente pelo shopping – Então antes que você se arrependa de ter dito isso, só quero que me responda uma coisa, e com sinceridade, pra que eu possa ficar tranqüila: está mesmo tudo bem? Não há nada que eu precise saber sobre esse fim de semana? Devolvi o olhar prestativo dela, e um suspiro escapou novamente por entre meus lábios. Um sorriso triste ameaçou surgir em meu rosto, mas não havia firmeza suficiente para que ele se alastrasse; apesar disso, não desisti de minha resposta decisiva: - Não precisa mesmo se preocupar, Pam. Já está tudo resolvido. O resto da semana se arrastou com uma velocidade surpreendentemente rápida, apesar de torturante. Durante as aulas, por mais alto que os professores falassem e por mais interessante ou de fácil entendimento que fosse a matéria, tudo que meus ouvidos conseguiam captar era a voz de um certo ser loiro de olhos verdes que não parava de cochichar entusiasticamente com suas amigas sobre como seu vestido para o baile era lindo, maravilhoso, perfeito, caro... E sobre como ele ficaria ainda melhor no chão do quarto do Lautner depois da festa. Não que eu estivesse ligando pra algum dos dois, pelo contrário, mas para um homem como Taylor, era humilhação demais se meter com uma retardada, ou melhor, meter numa retardada como Kelly. Quer dizer, ele não sentia vergonha? Será que existia algum tipo de premiação secreta por pegar a aluna mais fútil de todo o colégio? Era algum tipo de aposta que ele havia perdido? Ou então um enigma como aquele requeria um intelecto superior ao meu? É, talvez essa fosse a opção mais próxima da realidade. A única coisa que parecia cooperar comigo (se é que posso dizer dessa forma), surpreendentemente, era quem mais deveria estar me incomodando. Taylor mal apareceu durante os outros três dias de aula, a não ser quando foi forçado a ficar preso por 50 minutos no mesmo ambiente que eu: sua aula de biologia laboratório. E mesmo assim, parecia distante, como um animal selvagem enjaulado, incomodado por não poder simplesmente sair correndo dali. Explicou breve, porém detalhadamente como a aula procederia, e se manteve sentado em sua mesa, com o olhar perdido nas dezenas de relatórios que corrigia. Vez ou outra, passava os dedos nervosamente por entre os cabelos, colocando-os para trás e deixando ainda mais visível seu comportamento subitamente claustrofóbico. Tentei não me deixar afetar por seu jeito diferente, mas era inevitável não sentir um nó se formar em minha garganta a cada vez que eu me lembrava de suas últimas palavras, e a vulgaridade com a qual sua voz as pronunciou. ”Incrível como você está demorando a perder a graça... A cada dia, se torna ainda mais divertida, como um perigoso brinquedo que se renova constantemente... E se torna cada vez mais excitante.” Naquele dia, ouvi o sinal tocar, anunciando o fim da aula, mas ele me pareceu incrivelmente distante. A voz de Taylor ainda reverberava em minha mente, mais alta que qualquer outro som ao meu redor e me impedindo de pensar com clareza. Somente quando o ruído dos bancos sendo arrastados pelos alunos e o murmurinho crescente de suas vozes conseguiu vencer o volume de meus pensamentos, me dei conta de que estava imóvel, encarando meu relatório já pronto, e com os olhos levemente marejados. Por Deus, o que havia de tão errado comigo? Que droga, eu estava careca de saber que ele não merecia uma única lágrima minha! Não existia sequer sentimento suficiente em nossa relação, ou seja lá o que foi que tivemos, para que eu estivesse me sentindo triste, traída, machucada daquela maneira! Guardei meu material depressa e deixei meu relatório ali mesmo, unindo-me apressadamente ao fluxo de alunos que se dirigiam à saída da escola. A única coisa que pude ver antes que o laboratório sumisse de meu campo de visão foi um sorrisinho discreto e sujo de Kelly, conforme se aproximava da mesa de Taylor para entregar seu relatório. A cobra estava aproveitando a oportunidade perfeita para dar o bote perfeito. E por mais que eu soubesse que os dois se mereciam, meu coração se contorcia de ódio por não poder fazer nada contra aquilo. Só o que me restava era que ele o fizesse por mim. E eu sabia que ele não o faria. Sexta-feira. 07:45 da noite. Me vi sentada em minha cama, sozinha em casa e sem absolutamente nada para fazer. Não que eu fosse do tipo que gosta de ter tarefas o tempo todo, mas ultimamente eu estava me tornando adepta desse estilo de vida. Estar sempre ocupada impedia minha mente de vagar por terrenos proibidos... Ou pelo menos me ajudava a conter esse tipo de pensamento. Suspirei profundamente, tentando pensar em algo para me ocupar, mas nada parecia surgir. Meus olhos passearam distraidamente pelo quarto por alguns minutos, e se fixaram no pequeno mural de fotos que se encontrava na parede oposta à cama. Observei minhas várias fotos com Pamela, algumas com Ewan, outras com meus pais, e uma em especial me chamou a atenção. Eu passava tão pouco tempo desocupada em meu quarto que mal me lembrava mais da existência daquela foto. O papel retangular exibia minha própria imagem, extremamente sorridente, e Kell ao meu lado, envolvendo meus ombros com um de seus braços fortes e dando aquele sorriso que agora eu conhecia tão bem, mas que na época se assemelhava a um sonho inatingível para mim. A foto era de minha formatura, há cerca de dois anos atrás, quando finalizei o ensino fundamental. Kell não dava aulas para minha turma ainda, mas graças ao nosso trabalho conjunto na olimpíada de biologia daquele ano, havíamos adquirido uma certa amizade, ainda dentro dos padrões acadêmicos. Bom, pelo menos para ele, porque àquela altura, eu já estava praticamente apaixonada por aqueles olhos azuis e sorriso encantador. Suspirei novamente, refletindo sobre como minha vida havia mudado desde então. Naquela época, eu jamais diria que um dia teria algo além de um mero amor não correspondido por Kell; hoje, eu era nada mais, nada menos que sua namorada, mesmo que em segredo. Uma inesperada agulhada de remorso se manifestou em meu peito devido às falhas que eu cometera nesse novo papel que exercia na vida dele, e imediatamente me amaldiçoei por voltar a pensar no assunto que eu tentava evitar. Soltei o terceiro suspiro cansado em menos de cinco minutos, me perguntando quando a passagem meteórica e inconseqüente de Taylor por minha vida deixaria de ser uma ferida aberta em mim. Sacudi levemente a cabeça, tentando inutilmente colocar minhas idéias no lugar, e por incrível que pareça, o movimento pareceu servir para alguma coisa: na mesma hora, achei algo para fazer. Como eu não havia pensado naquilo antes? Peguei o telefone, disputando espaço sobre a cama entre meus bichos de pelúcia, e digitei o número que eu já sabia de cor, apesar de nunca tê-lo chamado antes. Aguardei até que a pessoa atendesse à minha ligação, me sentindo levemente ansiosa, apesar de saber que não havia necessidade daquilo, e meus olhos voltaram a se fixar na foto em meu mural assim que obtive uma resposta. - Amor? – a voz masculina que sempre agia como um antídoto a todo e qualquer veneno que corresse em minhas veias falou, trazendo um sorriso para meu rosto, tão grande como o que eu ostentava na foto, ou talvez até maior. - Oi – foi tudo que consegui responder, derretida, e levei alguns segundos para voltar a falar – Me desculpe por ligar assim, sem motivo aparente, mas é que... A saudade apertou. – Te desculpar? Por que eu ficaria bravo com uma ligação sua? - Kell exclamou, com a voz fofa, e meu sorriso se intensificou, demonstrando o bem imediato que ele me trazia, mesmo com seus mais discretos gestos de alegria – Eu devo é te agradecer por ter lido minha mente... Tava pensando em você agora mesmo, sabia? - Ah, é? – eu ri baixinho, abraçando debilmente meu Garfield de pelúcia como se Kell pudesse sentir meu carinho também – Eu também! Isso é bom... Eu acho. A risada inconfundível dele ecoou do outro lado da linha, leve e reconfortante como uma manhã quente e ensolarada após um inverno rigoroso. - Não, isso não é bom... Isso é ótimo – ele disse, colocando um leve charme na voz – É tão ótimo que eu tenho feito muito isso ultimamente, sabia? Acho até que, de tanto pensar em você, poderia te materializar bem aqui na minha frente agorinha mesmo, só com a força do pensamento... O que acha? Dessa vez, eu soltei uma gargalhada divertida, sentindo meu corpo leve pela primeira vez naquela semana. Kell parecia aliviar o peso de todo e qualquer tipo de fardo que eu carregava com o simples som de sua voz, ainda mais quando me provocava daquele jeito despreocupado. - Infelizmente, eu tenho que discordar – falei, observando distraidamente o movimento esvoaçante das cortinas de meu quarto – O senhor está de repouso sob recomendações médicas ate amanhã, e a última coisa que faríamos se eu estivesse aí seria repousar. - Ah... Que pena – ele gemeu, e eu pude imaginar com facilidade a expressão de nenê emburrado em seu rosto – Odeio quando você tem razão. Promete que me recompensa semana que vem? - Posso te recompensar amanhã mesmo, se já estiver se sentindo melhor – murmurei, com um tom malicioso, já começando a sentir o ânimo crescer em mim quanto àquele sábado – Teremos bastante tempo para colocar nossos assuntos em dia. O silêncio de Kell me fez pensar que ele estava refletindo concretamente sobre a sugestão, mas pelo visto, meu poder de dedução estava um tanto quanto falho. - Hm... Amanhã eu não vou poder te ver – ele lamentou, mantendo sua voz desanimada – Na verdade, eu vou viajar hoje mesmo pra Sheffield, e provavelmente, só volto no domingo. Vou visitar minha mãe, já que amanhã é o aniversário dela. Fiquei sem saber o que dizer por alguns segundos. Kell nunca havia mencionado nada sobre sua família antes, e o fato de não poder conhecer sua mãe me deixou levemente triste. De repente, me ocorreu a imagem de uma senhora amável e bondosa, do tipo que te oferece biscoitos com leite acompanhados de um sorriso gentil e olhos ternos. A senhora Lutz deveria ser uma graça, e eu simplesmente não podia conhecê-la, tudo porque era alguns anos mais nova que Kell. Aquele tabu ridículo de diferença de idade estava começando a me dar nos nervos. - Ahn... Eu entendo – gaguejei, afogando minhas recém-nascidas esperanças de um sábado menos solitário – Dê um abraço bem apertado em sua mãe por mim, mesmo que ela não saiba que eu existo. - Pode deixar, amor – ele sorriu, e eu senti a pena por não poder me levar transparecer em sua voz – Tenho certeza de que ela gostaria muito de você se pudesse conhecê-la. Não consegui responder nada, apenas sorri, sentindo-me subitamente deprimida. Eu estava fadada a passar o fim de semana inteiro dentro de casa, tomando litros de sorvete e vendo TV o dia todo, de pijamas e pantufas, enquanto minha melhor amiga reatava seu namoro, meu namorado visitava a mãe a sei lá quantos quilômetros de distância e o idiota do Lautner comia a Kelly até cansar. Tamanha exclusão parecia até castigo divino pelo excesso de companhia que tive no fim de semana anterior. - Bom, eu não vou mais te prender nessa ligação totalmente sem sentido – suspirei desanimada, sem nem mencionar o baile de primavera, do qual Kell provavelmente havia se esquecido – Você deve estar ocupado arrumando suas coisas para a viagem, e eu estou aqui te segurando no telefone. - Você tem é sorte por eu não poder te dar uma bela de uma sessão de cócegas agorinha mesmo como punição a esse seu jeito bobo – ele resmungou, brincalhão, e eu sorri fraco – Entenda uma coisa: você não me atrapalha, tampinha. Soltei uma risadinha tímida, ainda encarando as cortinas agora imóveis, e logo em seguida, ouvi o barulho da porta sendo aberta no andar de baixo, indicando que mamãe havia chegado. - Quem precisa desligar agora sou eu, mamãe chegou – falei, levemente apressada – Tome cuidado na estrada, descanse, beba bastante líquido, não pegue muito sol e divirta-se, ouviu bem? - Pode deixar – Kell respondeu, carinhoso - E o mesmo vale pra você, cuide-se. - Vou tentar me manter longe de todo o perigo que minha casa pode me oferecer – eu ri, achando graça das precauções dele e fazendo-o rir junto. - Te amo – ele murmurou, assim que nosso riso cessou, e eu senti meu coração se contorcer, dominado por milhares de sentimentos diferentes. Saudade, amor, felicidade... Remorso, culpa, dor. - Eu também – murmurei, com a voz aflita, e esperei que ele desligasse para colocar o telefone na base. Assim que o fiz, mamãe bateu à porta. - Olá, querida – ela sorriu, parecendo cansada após um dia cheio em seu escritório. Após a promoção que conseguira na empresa onde trabalhava há quase dez anos, sua carga de trabalho havia aumentado consideravelmente, e era raro vê-la chegando em casa antes das dez e meia. Hoje havia sido um dia bastante atípico, mas era bom que de vez em quando ela tivesse um tempo extra para cuidar de si. - Oi, mãe – respondi, retribuindo como pude seu sorriso e tentando não parecer tão desanimada quanto realmente estava – Dia cheio? - Até demais – mamãe suspirou, fechando os olhos lentamente e logo voltando a abri-los – E só pra compensar, algumas amigas do escritório estão armando uma festa surpresa para nosso chefe amanhã, e precisarão de uma mãozinha com os preparativos... Então não se assuste se acordar tarde e não me encontrar. - Boa sorte – falei, fazendo uma careta, e ela apenas riu de leve. - Se não se importa, vou tomar um bom e demorado banho e dormir – ela disse, meio sem jeito, e eu apenas balancei negativamente a cabeça, demonstrando que não me importava – Boa noite, minha querida. Qualquer coisa me chame, está bem? - OK, boa noite, mãe – apenas sorri fraco, vendo-a fechar novamente minha porta e desaparecer. Fiquei encarando a maçaneta da porta por alguns segundos, me preparando inconscientemente para as próximas 48 horas, que seriam provavelmente muito parecidas com aquele momento: vazias, silenciosas e solitárias. De certa forma, a solidão era tudo que eu queria para poder organizar minha mente, mas agora que ela finalmente havia chegado, após uma semana inteira aguardando-a ansiosamente, o silêncio e o frio que a acompanhavam me pareciam estranhamente terríveis. Ajeitei-me entre meus bichinhos de pelúcia, abraçando alguns deles na tentativa de preencher o enorme vazio entre meus braços e deixando que minha cabeça pesada descansasse sobre o travesseiro macio. Respirei fundo e calmamente, mandando uma mensagem para que meus músculos relaxassem junto com o oxigênio inalado, e fechei os olhos devagar, apenas sentindo o conforto do colchão se espalhar por meu corpo e meu cansaço mental se manifestar numa leve dor de cabeça. As pálpebras pareciam mais pesadas do que o habitual, mantendo-se fechadas sem sequer pedirem permissão para isso, e a respiração foi ficando cada vez mais calma... Meu quarto agora parecia um borrão de cores e formas engraçadas, logo sendo substituídos pela escuridão do sono. E se eu não tivesse adormecido tão rápida e inesperadamente, poderia jurar que a última coisa que senti antes de apagar por completo foi um braço forte envolver minha cintura e me puxar para mais perto de seu corpo, deitado ao meu lado, e seu hálito de canela sussurrar ao pé de meu ouvido. - Boa noite, meu vício.
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