— Sente-se. Obedeci, curiosa. Havia algo diferente nele, como se tivesse algum objetivo em mente e o perseguisse com calma e determinação, com seu foco preciso como um laser. Qual era o motivo daquilo? E o que significaria para o restante da noite? Foi quando vi uma reprodução menor da colagem em um porta-retratos perto da minha bebida, e minha preocupação se desfez. Era um porta-retratos parecido com o que eu tinha na minha mesa, mas nesse havia três fotos minhas com ele. — Quero que você leve isso pro trabalho, Gideon disse baixinho. — Obrigada. Pela primeira vez em muitos dias, eu estava feliz. Coloquei o porta-retratos junto ao peito com uma das mãos e apanhei o meu cálice com a outra. Seus olhos brilharam ao me ver sentar. — Vejo você me mandando beijos o dia todo na minha mesa. Acho justo que tenha algo para se lembrar de mim. De nós. Suspirei com força, com a pulsação acelerada. — Eu nunca me esqueço de você, nem de nós dois. — E eu não deixaria, mesmo que você quisesse. Gideon deu um grande gole em sua bebida, produzindo um movimento potente em sua garganta. — Acho que entendi qual foi nosso primeiro erro, o que causou toda a turbulência que estamos enfrentando desde então. — Ah, é? 261 — Beba seu Armagnac, meu anjo. Acho que você vai precisar dele. Dei um gole cauteloso, sentindo o ardor instantâneo, seguido da constatação de que o sabor era bom. Só então dei um gole maior. Rolando o cálice entre as palmas das mãos, Gideon bebeu mais um pouco e me lançou um olhar cauteloso. — Diga o que foi mais gostoso, Eva: sexo na limusine, quando você estava no comando, ou no hotel, quando quem comandou fui eu? Eu me remexi na cadeira, inquieta, sem saber aonde ele queria chegar. — Acho que você gostou do que aconteceu na limusine. Enquanto estava acontecendo. Depois não, obviamente. — Eu adorei, ele disse com convicção. — Sua imagem naquele vestido vermelho, gemendo e me dizendo que adorava meu pau dentro de você não vai sair da minha cabeça enquanto eu viver. Se quiser voltar a ficar por cima alguma vez no futuro, sou totalmente a favor. Senti a tensão se espalhar por meu corpo. Os músculos do meu ombro começaram a enrijecer. — Gideon, estou começando a ficar assustada. Todo esse papo de palavra de segurança e ficar por cima... Acho que não estou gostando do rumo desta conversa. — Você está pensando em violência e dor. Eu estou falando de cessão consensual de controle. Gideon me observou atentamente. — Quer mais um conhaque? Você está pálida. — Você acha? Deixei o cálice vazio em cima da mesa. — Pois parece que você está me dizendo que é um dominador. — Meu anjo, isso você já sabia. Ele abriu um sorriso suave e sensual. — O que estou dizendo é que você é submissa. 262 17 Eu me levantei em um pulo. — Nada disso, ele me avisou com um tom de voz sombrio. — Nada de fugir. Ainda não terminamos. — Você não sabe do que está falando. Estar sob o domínio de alguém — perder o direito de dizer não! —, eu jamais permitiria que isso voltasse a acontecer. — Você sabe pelo que eu passei. Preciso estar no controle, tanto quanto você. — Sente-se, Eva. Fiquei de pé só para provar o que estava dizendo. Ele abriu um sorriso bem largo, e eu derreti por dentro. — Você tem alguma ideia de como sou maluco por você?, ele murmurou. — Você realmente é maluco se está achando que vou aceitar obedecer ordens o tempo todo, principalmente na hora do sexo. — Ora, Eva. Você sabe que não tenho interesse em bater, punir, machucar, humilhar nem tratar você como um cachorrinho. Nenhum de nós dois precisa disso. Ajeitando-se na cadeira, Gideon se curvou para a frente e apoiou os cotovelos na mesa. — Você é a coisa mais importante da minha vida, é o meu tesouro. Quero proteger você e fazer com que se sinta segura. É por isso que estamos conversando sobre isso. Minha nossa. Como é que ele conseguia ser tão maravilhoso e tão insano ao mesmo tempo? — Eu não preciso ser dominada! 263 — Você precisa é de alguém em quem confiar... Não. Quieta, Eva. Espere até eu terminar. Meu protesto virou silêncio. — Você me pediu para reavivar seu corpo fazendo coisas que antes eram dolorosas e assustadoras. Não sei nem dizer o que significa essa confiança pra mim, e como eu me sentiria caso fizesse algo e acabasse perdendo isso. Não posso arriscar, Eva. Precisamos fazer do jeito certo. Cruzei os braços. — Acho que sou muito burra mesmo. Pensei que nossa vida sexual fosse o máximo. Pondo o cálice sobre a mesa, Gideon continuou falando como se eu não tivesse dito nada. — Você me pediu pra satisfazer uma necessidade sua, e eu concordei. Agora precisamos... — Se não sou o que você quer, pode dizer de uma vez! Pus meu cálice e o porta-retratos sobre a mesa antes que fizesse alguma coisa com eles de que depois me arrependesse. — Não precisa ficar dando voltas... Ele contornou a mesa e chegou até mim antes que eu pudesse dar um ou dois passos atrás, cobrindo minha boca com a dele e me aprisionando em seus braços. Como já havia feito antes, ele me levou até uma parede e me segurou contra ela, agarrando meus punhos e erguendo-os sobre minha cabeça. Não pude fazer nada quando ele dobrou os joelhos e começou a esfregar o pênis ereto no meio das minhas pernas. Uma vez, depois outra. A seda criava atrito com meu clitóris. Seus dentes se fechando sobre meu mamilo coberto me fizeram estremecer, enquanto o cheiro de sua pele recém-lavada me intoxicava. Prendendo a respiração, soltei—me em seus braços. — Viu como você se submete em um instante quando assumo o controle? Ele beijou minhas sobrancelhas, e eu as levantei de surpresa. — E é gostoso, não é? É a coisa mais certa a fazer. — Isso não é justo. Olhei bem para ele. O que esperava que eu respondesse? Perturbada e confusa como estava, eu só poderia concordar. — Claro que é. E é verdade. 264 Meus olhos se alternavam entre seus cabelos negros e sedosos e as feições bem desenhadas de seu rosto incomparável. O desejo que me abateu era tão agudo que chegava a doer. O trauma que ele escondia me fazia amá-lo ainda mais. Havia momentos em que parecia que eu encontraria outra parte de mim dentro dele. — Não consigo evitar, quando você me deixa com tesão, murmurei. — Meu corpo é programado fisiologicamente pra amolecer e relaxar, pra você poder enfiar seu pau enorme em mim. — Eva. Vamos ser sinceros. Você quer que eu esteja no controle. É importante pra você poder confiar em mim, saber que vou cuidar de você. Não tem nada de errado nisso. E o mesmo vale pra mim — preciso que você confie em mim a ponto de abrir mão do controle. Não conseguia pensar com ele ali grudado em mim, atormentando meu corpo com o contato tão próximo. — Eu não sou submissa. — Comigo você é. Se pensar bem, você vai ver que está tentando me dizer isso desde o começo. — Você é bom de cama! E tem mais experiência. Claro que eu deixo você fazer o que quiser comigo. Mordi o lábio inferior para fazer com que parasse de tremer. — Desculpe se não sou tão interessante como você. — Não é nada disso, Eva. Você sabe que adoro transar com você. Se pudesse, não faria mais nada da vida. Não estamos falando de brincadeirinhas que me excitam. — Então estamos falando do que me excita? É isso? — É. Foi o que eu pensei. Ele franziu a testa. — Você está chateada. Eu não queria... droga. Pensei que falar a respeito fosse ajudar. — Gideon. Meus olhos arderam, depois se encheram de lágrimas. Ele parecia tão magoado e confuso quanto eu. — Você está cortando meu coração. Ele soltou meus pulsos, deu um passo atrás e me pegou no colo, carregando-me do seu escritório até o corredor, diante de uma porta fechada. — Vire a maçaneta, ele disse baixinho. 265 Entramos em um quarto iluminado a luz de velas, ainda cheirando a tinta fresca. Durante alguns segundo fiquei desorientada, sem entender como saímos do apartamento de Gideon diretamente para meu quarto. — Não estou entendendo. Dizer aquilo era um eufemismo, mas minha mente não conseguia vencer a perplexidade de ser transportada de uma casa para outra. — Você... mudou meu quarto pra cá? — Não exatamente. Ele me pôs no chão, mas continuou me prendendo com um dos braços. — Eu recriei seu quarto com base na foto que tirei de você dormindo. — Por quê? O que era aquilo? Quem em sã consciência faria uma coisa daquelas? O objetivo era me impedir de vê-lo tendo pesadelos? Esse pensamento aumentou o aperto em meu coração. Era como se Gideon e eu nos afastássemos ainda mais a cada momento. Suas mãos acariciavam meu cabelo molhado, o que só fazia crescer minha agitação. Minha vontade era de rejeitar seu toque e impor uma distância de no mínimo um cômodo entre nós. Talvez dois. — Quando você sentir vontade de fugir, ele falou com um tom de voz suave, — pode vir até aqui e fechar a porta. Prometo que não vou incomodar até você sair. Assim você pode ter um porto seguro, e eu posso saber que não me deixou. Um milhão de perguntas e especulações surgiram na minha mente, mas a primeira coisa que saiu da minha boca foi: — A gente vai continuar dormindo na mesma cama?. — Todas as noites. Ele beijou minha testa. — De onde você tirou essa ideia? Fale comigo, Eva. O que está passando por essa sua cabecinha linda? — O que está passando pela minha cabeça?, eu explodi. — Que porra está acontecendo com a sua? O que você andou fazendo durante os quatro dias que ficamos separados? Ele cerrou os dentes. — Nós nunca nos separamos, Eva. 266 O telefone tocou na outra sala. Soltei um palavrão inaudível. Queria conversar e queria que ele sumisse da minha frente, tudo ao mesmo tempo. Gideon me pegou pelos ombros, depois me soltou. — O jantar chegou. Não o segui imediatamente depois que ele saiu. Estava abalada demais para comer. Em vez disso, deitei naquela cama exatamente igual à minha, agarrei-me num travesseiro e fechei os olhos. Não ouvi quando Gideon voltou, mas notei sua presença quando ele ficou parado ao lado da cama. — Por favor, não me faça comer sozinho, ele disse para minhas costas imóveis. — Por que não ordena que eu coma com você logo de uma vez? Ele suspirou, depois subiu na cama e se deitou junto a mim. O calor de seu corpo era bem-vindo, espantando a frieza que havia feito minha pele se arrepiar. Ele ficou um tempão ao meu lado sem dizer nada, simplesmente oferecendo o conforto de sua companhia. Ou talvez se confortando com a minha. — Eva. Seus dedos acariciaram meu braço por cima do robe de seda. — Não aguento ver você triste. Fale comigo. — Não sei o que dizer. Pensei que estávamos finalmente começando a nos entender. Agarrei o travesseiro com mais força. — Não precisa ficar tensa, Eva. Dói muito quando você se afasta de mim. Eu me sentia como se ele estivesse me empurrando para longe. Rolei na cama e deitei-o de costas, depois montei sobre ele, e meu robe se abriu quando me ajeitei sobre seus quadris. Acariciei com as mãos seu peito largo e feri sua pele bronzeada com as unhas. Meus quadris começaram a se mexer, esfregando meu sexo desnudo sobre seu pau. Através da seda fina de sua calça de pijama, eu conseguia sentir sua ereção por inteiro. Pela maneira como seus olhos se perderam e sua boca se abriu quando ele começou a ofegar, eu sabia que ele também estava me sentindo da maneira como deveria. 267 — Isto é tão ruim assim pra você?, perguntei, sem interromper o movimento. — Ou você está deitado aí pensando que não está me satisfazendo só porque eu estou no comando? Gideon pôs as mãos em minhas coxas. Até mesmo esse movimento inofensivo passava a impressão de que era ele quem estava no controle. Aquela determinação que eu havia detectado pouco tempo antes, a impressão de que ele tinha um objetivo em mente, de um momento para o outro fez todo o sentido para mim — ele não estava mais impondo limites a seu desejo. Naquele momento sua enorme força interior estava apontada para mim como uma explosão de calor. — Já falei. A voz dele estava rouca. — Quero você do jeito que for. — Que seja. Não pense que não sei que você está comandando tudo mesmo por baixo. Ele abriu um sorriso convencido. Deslizando para baixo, provoquei seu mamilo com a ponta da língua. Cobri seu corpo com o meu, assim como ele havia feito comigo antes, esticando-me sobre seus quadris e suas pernas, agarrando sua bunda durinha para mantê-lo bem apertado contra mim. Seu pau estava duro como pedra junto à minha barriga, o que só me deixou ainda mais sedenta por ele. — Você vai me castigar me dando prazer?, ele perguntou baixinho. — Porque você é capaz de fazer isso. Você tem o poder de me deixar de joelhos, Eva. Afundei a cabeça em seu peito e soltei o ar dos pulmões em uma bufada. — Quem me dera. — Por favor, não fique tão preocupada. Vamos superar isso, assim como todo o resto. — Você diz as coisas com tanta certeza. Estreitei os olhos ao encará-lo. — Só está querendo provar seu ponto de vista. — E você, o seu. Gideon passou a língua pelos lábios, e eu senti um 268 pedido silencioso de atenção bem no meio das minhas pernas. Seus olhos irradiavam um brilho radiante de emoção. O que quer que fosse que estivesse acontecendo com nosso relacionamento, não havia dúvidas de que estávamos apaixonadíssimos um pelo outro. E eu estava prestes a oferecer uma demonstração carnal desse fato. O pescoço dele se curvou quando minha boca começou a se mover por seu tronco. — Oh, Eva. — Prepare-se pra perder a cabeça, senhor Cross. E foi isso que aconteceu. Fiz de tudo para que assim fosse. Sentindo-me toda orgulhosa do meu desempenho na cama e da minha energia feminina, sentei-me à mesa com Gideon e o lembrei de como estava pouco tempo antes — ofegante e encharcado de suor, dizendo palavrões enquanto eu saboreava sem pressa seu corpo lascivo. Ele comeu um pedaço do filé, que ainda estava quente por ter sido mantido em uma gaveta aquecida, e disse calmamente: — Você é insaciável. — Dã. Você é lindo, gostoso e muito bem dotado. — Fico feliz com sua aprovação. Também sou podre de rico. Fiz um gesto desdenhoso com a mão, que englobava seu apartamento, que sozinho devia valer uns cinquenta milhões de dólares. — Quem se importa com isso? — Ora, eu, por exemplo. Ele sorriu. Espetei com o garfo minha batata frita. A comida do Peter Luger era quase tão boa quanto sexo. Quase. — Seu dinheiro só me interessa se você puder parar de trabalhar e virar meu escravo sexual. — Em termos financeiros, isso é possível, sim. Mas você se cansaria de mim e me daria um pé na bunda. E depois disso eu faria o quê? Ele parecia estar se divertindo com a conversa. — Acho que você provou seu ponto de vista, não é? Terminei de mastigar e depois falei: — Quer que eu prove de novo?. 269 — O fato de você ainda estar com tesão só comprova o meu ponto de vista. — Humm. Dei um gole no vinho. — Resolveu fazer suposições agora? Ele me fuzilou com o olhar e comeu mais um pedaço da carne mais macia que eu já tinha experimentado. Incomodada e inquieta, respirei profundamente e perguntei: — Se não estivesse satisfeito com a nossa vida sexual, você me diria?. — Não seja ridícula, Eva. Quem mais traria esse assunto à tona depois de quatro dias de separação? — Tenho certeza de que não ajuda muito eu não ser do tipo com que você costuma sair. E nunca usamos nenhum daqueles brinquedinhos que você tem no hotel... — Pode parar por aí mesmo. — Como é? Gideon largou os talheres. — Não vou ficar aqui parado ouvindo você destruir sua autoestima. — Ah, é? Então só você tem o direito de falar? — Pode me provocar o quanto quiser, Eva, não vou te comer agora. — Quem disse que... Fiquei quieta quando vi que ele estava rindo. E era verdade. Eu ainda estava fim. Queria tê-lo em cima de mim, morrendo de tesão, assumindo a responsabilidade pelo meu prazer e pelo dele. Ao sair da mesa, ele disse apenas: — Espere aqui. Gideon voltou pouco depois, deixando uma caixinha de anel ao lado do meu prato e retomando seu lugar no assento. Aquilo me atingiu como uma pancada. A primeira reação foi de medo, e me fez gelar. A segunda foi de desejo, e fez um calor se espalhar por meu corpo. Minhas mãos tremiam. Agarrei os dedos e percebi que meu corpo todo estava tremendo. Sem saber o que pensar, olhei bem para Gideon. Sentir seus dedos acariciando meu rosto ajudava a aliviar um pouco a 270 ansiedade que tomou conta de mim, abrindo espaço para um terrível desejo. — Não é esse tipo de anel, ele sussurrou gentilmente. — Ainda não. Você ainda não está pronta. Alguma coisa se despedaçou dentro de mim. Mas depois senti um grande alívio. Era mesmo cedo demais. Nenhum de nós estava pronto ainda. Mas, se havia alguma dúvida sobre a intensidade do meu amor por Gideon, ela foi definitivamente dissipada naquele momento. Concordei com a cabeça. — Abra, ele falou. Com toda a cautela, puxei a caixinha mais para perto e abri a tampa. — Oh. Aninhado no forro de veludo preto, havia um anel como nenhum outro. Camadas de ouro entrelaçadas como em uma corda e unidas por pequenas cruzes cobertas de diamantes. — Amarras, murmurei, — sustentadas pelas cruzes. A associação das cruzes ao nome Cross foi inevitável. — Não exatamente. Vejo a corda como uma representação de suas múltiplas camadas, não como uma amarra. E, sim, as cruzes são as intersecções entre mim e você. Nossos dedos entrelaçados. Ele terminou seu vinho e reabasteceu nossas taças. Eu permanecia inquieta, aturdida, tentando absorver aquilo. Tudo o que ele havia feito durante o período em que não nos falamos — as fotos, o anel, a visita ao dr. Petersen, a réplica do quarto, e a pessoa que andou me seguindo — me dizia que seus pensamentos estavam voltados para mim na maior parte do tempo, se não o tempo todo. — Você devolveu minhas chaves, sussurrei, lembrando o quanto aquilo havia me magoado. Ele estendeu a mão e a pôs sobre a minha. — Fiz isso por várias razões. Você saiu daqui vestindo apenas um robe, Eva, e sem as chaves de casa. Não gosto nem de imaginar o que teria acontecido se Cary não estivesse 271 em casa pra abrir a porta pra você assim que chegou lá. Levei sua mão até a boca e a beijei, depois a larguei e fechei a caixinha com o anel. — É lindo, Gideon. Obrigada. Significa muito pra mim. — Mas você não vai usar. Aquilo não foi uma pergunta. — Depois do que falamos hoje, fica parecendo uma coleira. Ele acabou concordando: — Você não deixa de ter razão. Eu estava com o coração na mão. Quatro noites sem conseguir dormir direito não tinham ajudado em nada. Era impossível para mim entender por que ele me queria tanto, apesar de sentir a mesma coisa a seu respeito. Havia milhares de mulheres em Nova York que poderiam tomar o lugar que eu ocupava em sua vida, mas só existia um Gideon Cross. — Sinto que estou decepcionando você, Gideon. Depois de tudo o que conversamos hoje... Acho que é o início do fim. Arrastando sua cadeira para trás, ele se inclinou para mim e acariciou meu rosto. — Não é. — Quando vamos falar com o doutor Petersen? — Eu vou sozinho às terças. Quando você conversar com ele e topar fazer a terapia de casal, podemos ir juntos às quintas. — Duas horas por semana, toda semana. Sem contar o trajeto de ida e volta. É um compromisso e tanto. Também me inclinei e tirei o cabelo de seu rosto. — Obrigada. Gideon beijou a palma da minha mão. — Não é sacrifício nenhum, Eva. Ele voltou ao escritório para trabalhar um pouco antes de dormir, e eu levei a caixinha com o anel comigo para a suíte principal. Olhei para ele mais um pouco enquanto escovava os dentes e os cabelos. Havia ainda um resquício de desejo sob minha pele, um nível permanente de excitação que não fazia muito sentido levando em consideração o número de orgasmos que tive ao longo do dia. Era mais uma necessidade emocional de estabelecer uma relação com Gideon, de garantir para mim mesma que estava tudo bem entre nós. 272 Com a caixinha nas mãos, fui até meu lado na cama de Gideon e a deixei no criado-mudo. Queria que ela fosse a primeira coisa que eu visse na manhã seguinte, depois de uma boa noite de sono. Com um suspiro, deixei meu belíssimo robe novo no pé da cama e deitei. Depois de me virar inquietamente de um lado para o outro por um bom tempo, enfim adormeci. Acordei no meio da noite com o coração disparado e a respiração acelerada. Desorientada, fiquei imóvel por alguns instantes, tentando despertar e lembrar onde estava. Fiquei toda tensa quando me dei conta, tentando captar algum sinal de que Gideon estava tendo outro pesadelo. Quando percebi que ele estava deitado tranquilamente ao meu lado, com a respiração profunda e serena, soltei um suspiro de alívio. A que horas ele teria ido para a cama? Depois dos dias que passamos separados, fiquei com medo de que ele quisesse ficar um tempo sozinho. Então tudo fez sentido. Eu estava excitada. Dolorosamente, até. Meus seios estavam duros e pesados, os mamilos, rígidos e pontudos. Meu ventre doía, e eu estava toda molhadinha. Deitada na escuridão noturna, descobri que meu corpo tinha me acordado para atender às suas necessidades. Eu teria sonhado com alguma coisa de conteúdo erótico? Ou bastava a presença de Gideon ali ao meu lado? Apoiei-me sobre os cotovelos e olhei para ele. Estava coberto só até a cintura, com o peito e os braços para fora. O braço direito estava sobre a cabeça, emoldurando a cascata de cabelos negros em torno de seu rosto. O braço esquerdo estava entre nós, sobre os cobertores, com a mão fechada mas relaxada, dando um descanso à rede de veias grossas que cruzavam seu antebraço. Mesmo em repouso ele parecia poderoso e feroz. A tensão dentro de mim foi crescendo, assim como a noção de que eu estava sendo atraída pela pressão silenciosa de sua vontade admirável. Era impossível que ele exigisse minha rendição enquanto dormia, mas ainda assim era o que parecia. Era como se uma corda invisível esticada entre nós me puxasse em sua direção. 273 O latejar no meio das minhas pernas ficou insuportável, e eu pressionei com uma das mãos aquela pulsação violenta, na esperança de aliviar o incômodo. Aquilo só tornou as coisas piores. Eu não conseguia ficar parada. Joguei as cobertas para longe, pus as pernas para fora da cama e pensei em tomar um copo de leite quente com a bebida que Gideon tinha me dado mais cedo. Detive esse impulso abruptamente, voltando-me para o brilho do couro da caixinha com o anel à luz do luar. Pensei na joia que havia lá dentro e meu desejo se fortaleceu ainda mais. Naquele momento, a ideia de ser posta em uma coleira por Gideon me levou às raias da loucura. É só tesão, repreendi a mim mesma. Uma das garotas do meu grupo certa vez contou que seu — dono podia usar seu corpo a qualquer hora e da maneira que quisesse, exclusivamente para o prazer dele. Uma ideia que não me pareceu nem um pouco sexy... até Gideon entrar na jogada. Eu adorava dar prazer a ele. Fazê-lo gozar. Por gosto, sem pedir nada em troca. Acariciei com os dedos a tampa da caixinha. Com um suspiro trêmulo, eu a abri. Um instante depois estava sentindo o metal frio do anel escorregando em um dedo da mão direita. — Você gostou, Eva? Senti um tremor por todo o corpo ao ouvir a voz de Gideon, mais profunda e áspera do que nunca. Ele estava acordado, olhando para mim. Fazia quanto tempo que tinha acordado? Ele teria captado meu desejo durante o sono, da mesma forma que eu? — Eu amei. Assim como amo você. Deixando a caixinha de lado, virei a cabeça e o vi ali sentado. Seus olhos brilhavam de tal modo que me excitaram ainda mais, o que parecia impossível, mas também me encheram de medo. Era um olhar sem nenhum tipo de freio ou filtro, como aquele que me fez literalmente cair de costas quando nos conhecemos — penetrante e possessivo, carregado de ameaças de prazer. Seu lindo rosto parecia cruel em meio às sombras. Seu maxilar se 274 manteve cerrado enquanto ele levantava minha mão e beijava o anel que havia me dado. Eu me ajoelhei na cama e joguei os braços sobre seus ombros. — Me use como quiser. Carta branca. Ele agarrou e apertou bem forte minha bunda. — Como você se sente dizendo isso? — É quase tão bom quanto a sensação que vou sentir quando você me fizer gozar. — Ah, um desafio. Ele começou a roçar de leve a língua nos meus lábios, tentando-me com um beijo que estava sendo deliberadamente negado a mim. — Gideon! — Deite-se de costas, meu anjo, e agarre o travesseiro com as duas mãos. Ele abriu um sorriso perverso. — Não solte por motivo nenhum. Entendeu? Eu obedeci engolindo em seco, com tanto tesão que achei que ia gozar só de sentir os espasmos incessantes do meu sexo faminto. Ele chutou as cobertas para o pé da cama. — Abra as pernas e segure os joelhos. Perdi o fôlego, e meus mamilos endureceram ainda mais, fazendo meus seios doerem. Como Gideon ficava sexy daquele jeito. Eu arfava de excitação, com a cabeça a mil diante das possibilidades que se abriam. No meio das pernas, eu tremia de vontade. — Oh, Eva, ele disse, escorregando um dedo para dentro de mim. — Olhe só como você está faminta por mim. Manter essa bocetinha linda satisfeita é um trabalho de tempo integral. Aquele único dedo firme abriu caminho dentro de mim, afastando os tecidos inchados. Eu me apertei toda em torno dele, chegando tão perto do orgasmo que fiquei com água na boca. Ele tirou o dedo e o levou à boca, saboreando o gosto que tinha ficado em sua pele. Meus quadris se remexiam 275 independentemente da minha vontade, meu corpo inteiro se inclinava para ele. — É culpa sua se estou com tanto tesão, eu disse, quase sem fôlego. — Você deixou de cumprir sua obrigação durante vários dias. — Então é melhor compensar o tempo perdido. Deitando de bruços, ele posicionou os ombros sob minhas coxas e contornou com a ponta da língua a entrada sedenta do meu corpo. E de novo e de novo. Ignorando meu clitóris e se recusando a me comer até que eu implorasse. — Gideon, por favor. — Shh. Preciso deixar você pronta primeiro. — Estou pronta. Desde antes de você acordar. — Então deveria ter me acordado mais cedo. Vou estar sempre à disposição pra você, Eva. Eu vivo pra agradar você. Gemendo de desespero, remexi meus quadris naquela língua enlouquecedora. Só quando percebeu que eu havia perdido as estribeiras, ansiando pelo toque de qualquer parte sua que pudesse entrar em mim, Gideon se posicionou entre minhas pernas abertas, apoiando os antebraços sobre a cama. Ele olhou bem pra mim. Seu membro, febril e duro como pedra, estava prestes a entrar na minha abertura úmida. Eu sentia que precisava mais dele dentro de mim do que do ar que respirava. — Agora, eu disse quase sem fôlego. — Agora. Com um movimento preciso dos quadris, ele investiu profundamente contra mim, fazendo-me afundar na cama. — Ai, nossa, soltei, convulsionando-me em êxtase em torno daquela massa carnal que havia tomado posse do meu corpo. Era assim que eu o queria desde nossa conversa no escritório, o que desejava quando explorei sua ereção impecável antes do jantar, o que eu precisava mesmo depois de gozar com ele dentro de mim. — Não goze agora, ele sussurrou na minha orelha, agarrando meus seios e torcendo de leve meus mamilos com os polegares e os indicadores. 276 — Quê? Eu tinha quase certeza de que, se ele respirasse mais fundo, já seria suficiente para me fazer gozar. — E não largue o travesseiro. Gideon começou a se mover em um ritmo lento e preguiçoso. — Você vai gostar, ele murmurou, acariciando com o rosto um ponto sensível atrás da minha orelha. — Você adora agarrar meu cabelo e cravar as unhas nas minhas costas. E, quando está prestes a gozar, gosta de apertar minha bunda e me puxar ainda mais pra dentro. Fico com muito tesão quando te vejo enlouquecer desse jeito, mostrando como gosta de me ter dentro de você. — Não é justo, resmunguei, ciente de que aquilo era uma provocação deliberada. A cadência de sua voz rouca estava em perfeita sintonia com o movimento incansável de seus quadris. — Isso é tortura. — Ninguém nunca perde por esperar. Sua língua contornou a parte de fora da minha orelha, depois mergulhou lá para dentro ao mesmo tempo que ele beliscava meus mamilos. Afundei na cama quando ele veio para dentro de mim de novo, e por pouco não gozei. Gideon conhecia bem demais meu corpo, seus segredos e suas zonas erógenas. Ele estava enfiando o pau em mim com maestria, estimulando sempre o mesmo pontinho, cujas terminações nervosas estremeciam de prazer. Rebolando os quadris, Gideon começou a abrir espaço dentro de mim, explorando outras partes. Soltei um gemido doloroso, ardendo de desejo por ele, desesperadamente entregue. Meus dedos doíam, tamanha a força com que eu apertava o travesseiro. Minha cabeça se contorcia para deter a necessidade imperativa do orgasmo. Ele poderia me fazer gozar simplesmente se esfregando dentro de mim — era o único homem que eu conhecia capaz de me provocar um intenso orgasmo vaginal. — Não goze, ele repetiu, sussurrando. — Faça este momento durar. — Eu n-não consigo. É bom demais. Minha nossa, Gideon... As lágrimas escorriam do canto dos meus olhos. — Estou... Atordoada por você. Chorei baixinho, com medo de usar a palavra que eu de fato gostaria 277 de dizer — e que rimava com aquela, e começava com a mesma letra — cedo demais e perturbar o delicado equilíbrio que havia entre nós. — Oh, Eva. Ele acariciou meu rosto com o dele. — Devo ter desejado você com tanta força e com tanta frequência que tudo acabou virando realidade. — Por favor, eu implorei, falando baixinho. — Mais devagar. Gideon abaixou a cabeça e olhou para mim, escolhendo esse momento para beliscar meus mamilos com mais força, provocando uma pontadinha de dor. Os músculos delicados do meu ventre se contraíram de tal maneira que a próxima estocada certamente o faria gemer. — Por favor, pedi mais uma vez, tremendo por causa do esforço que fazia para adiar o clímax que se acumulava dentro de mim. — Se você não for mais devagar vou gozar. Seus olhos estavam grudados nos meus, e seus quadris moviam—se num ritmo constante que aos poucos ia destruindo minha sanidade mental. — Você não quer gozar, Eva?, ele provocou com uma voz que me arrastaria até o inferno com um sorriso no rosto. — Não é por isso que você está esperando a noite toda? Joguei o pescoço para trás ao sentir seus lábios percorrendo minha garganta. — Só quando você deixar, respondi, sem fôlego. — Só... Quando você mandar. — Meu anjo. Uma de suas mãos se levantou até meu rosto, removendo os fios de cabelos que a transpiração fez grudar na minha pele. Ele me beijou profundamente, com reverência, explorando minha boca com a língua. Humm... — Goze pra mim, ele murmurou, acelerando o ritmo. — Goze, Eva. Ao seu comando, o orgasmo me atingiu como uma explosão, deixando meu organismo em choque com uma overdose de sensações. Ondas e mais ondas de calor percorriam meu corpo, contraindo meu sexo e enrijecendo todo o meu ventre. Gritei bem alto, a princípio um som inarticulado de agonia e 278 prazer, depois o nome dele, que eu repetia de novo e de novo à medida que ele enfiava seu pau maravilhoso em mim, prolongando meu clímax, que depois levaria a outro. — Me pegue, ele ordenou enquanto eu me desmanchava sob ele. — Me aperte. Liberada da ordem de segurar o travesseiro, agarrei-me ao seu corpo molhado de suor com os braços e as pernas. Ele começou a meter com força, bem fundo, perseguindo seu próprio clímax até a exaustão. Gideon soltou um rugido ao gozar, jogando a cabeça para trás enquanto jorrava dentro de mim por um bom tempo. Eu o mantive dentro de mim até que nossos corpos esfriassem e nossa respiração voltasse ao normal. Quando saiu de cima de mim, ele não foi muito longe. Aninhou-se junto às minhas costas e sussurrou: — Agora durma. Não me lembro nem de ter respondido antes de cair no sono. 279 18 As manhãs de segunda-feira podiam ser formidáveis quando começavam ao lado de Gideon Cross. Fomos para o trabalho com minhas costas junto a seu corpo e seus braços sobre meus ombros, para que pudéssemos atar nossas mãos. Enquanto ele brincava com o anel que tinha me dado, estiquei as pernas e admirei os sapatos de salto alto que ele havia comprado, junto com algumas roupas, para eu usar quando dormisse em sua casa. Para começar a nova semana, eu tinha escolhido um vestido justo preto com risca de giz e um cinto azul que me lembrava de seus olhos. Ele tinha um ótimo gosto, isso eu era obrigada a admitir. A não ser que Gideon estivesse mandando uma de suas — conhecidas de cabelos pretos fazer essas comprinhas... Logo afastei esse pensamento desagradável. Quando abri as gavetas que ele separou para mim no banheiro, encontrei todos os cosméticos e produtos de higiene que costumava usar. Nem me dei ao trabalho de perguntar como ele sabia, já que provavelmente não ia gostar da resposta. Em vez disso, decidi encarar a coisa como mais uma prova de sua dedicação. Ele sempre pensava em tudo. O ponto alto da minha manhã foi ajudar Gideon a vestir um dos seus sensualíssimos ternos. Abotoei a camisa; ele a ajeitou dentro da calça. Abotoei a braguilha; ele deu o nó na gravata. Ele vestiu o colete; fiz os últimos ajustes na peça bem cortada sobre sua camisa igualmente elegantíssima, 280 impressionada com o fato de que vesti-lo podia ser uma experiência tão sexy quanto despi-lo. Era como embrulhar um presente para mim mesma. O mundo todo veria a beleza da embalagem, mas só eu conhecia o homem por baixo dela e sabia como ele era precioso. Seus sorrisos mais íntimos e suas gargalhadas gostosas, a gentileza de seu toque e a ferocidade de sua paixão estavam reservados só para mim. O Bentley sacudiu levemente ao passar por um buraco e Gideon me apertou um pouco mais em seu abraço. — Quais são seus planos para depois do trabalho? — Hoje começam minhas aulas de krav maga. Meu tom de voz mostrava como eu estava animada com isso. — Ah, é verdade. Ele roçou os lábios na minha cabeça. — Você sabe que vou querer ver você aprendendo os golpes. Só de pensar já fico com tesão. — Já não ficou bem claro que qualquer coisa deixa você com tesão?, provoquei, cutucando-o com o cotovelo. — Qualquer coisa relacionada a você, o que é bom pra nós dois, já que você é insaciável. Me mande uma mensagem quando terminar a aula e eu passo na sua casa. Revirando a bolsa, peguei o celular para ver se ainda estava carregado e vi uma mensagem de Cary. Era um vídeo, acompanhado de um breve texto: Cross sabe que o irmão dele é um fdp? Fique longe de CV, gata, bjs. Comecei a assistir à filmagem, mas demorei um tempo para descobrir do que se tratava. Quando enfim entendi o que havia ali, senti meu sangue gelar. — O que é isso?, Gideon perguntou com os lábios colados em meus cabelos. Depois senti seu corpo todo enrijecer atrás de mim, o que comprovava que ele estava vendo tudo. O vídeo havia sido feito na festa dos Vidal. Pelas paredes de plantas ao redor, dava para ver que ele estava no labirinto, e pelas folhas emoldurando a imagem, dava para ver que ele estava escondido. Os protagonistas da 281 filmagem eram um homem e uma mulher em um abraço apaixonado. A bela mulher estava aos prantos, ao passo que o homem a beijava em meio a suas palavras frenéticas e a consolava com carícias. Estavam falando sobre mim e Gideon, dizendo que eu estava usando meu corpo para faturar alguns de seus milhões. — Não se preocupe, Christopher disse num tom suave a uma Magdalene perturbada. — Você sabe que o interesse de Gideon nunca dura muito. — Com ela é diferente. Acho... Acho que ele está apaixonado. Ele deu um beijo na testa dela. — Ela não faz o tipo dele. Apertei os dedos de Gideon entre os meus. À medida que o tempo passava, o comportamento de Magdalene aos poucos foi mudando. Ela começou a ceder ao toque de Christopher, sua voz se tornou mais suave, sua boca, mais acessível. Para um observador externo, logo ficava claro que ele conhecia bem seu corpo — sabia onde acariciar e onde apertar. Quando ela enfim reagiu à sua bem ensaiada sedução, ele levantou seu vestido e transou com ela ali mesmo. O fato de que estava se aproveitando da situação saltava aos olhos. Era visível em seu olhar triunfante de desprezo enquanto enfiava o pau em uma mulher cujos pensamentos pareciam estar muito distantes dali. Eu mal reconheci o Christopher que vi na tela. Seu rosto, sua postura, sua voz... Era como se fosse um outro homem. Dei graças a Deus quando a bateria do meu celular acabou e a tela se apagou de repente. Gideon me abraçou. — Credo, sussurrei, aninhando-me junto a ele com cuidado, para não manchar sua roupa de maquiagem. — Que horror. Sinto até pena dela. Ele bufou. — Esse é o Christopher. — Que filho da puta. Aquele olhar pretensioso na cara dele... Eca. Estremeci. Beijando meus cabelos, ele murmurou: — Pensei que com Maggie ele 282 não faria nada. Nossas mães são amigas há anos. Acho que esqueci como ele me odeia. — Por quê? Por um instante me perguntei se os pesadelos de Gideon tinham alguma coisa a ver com Christopher, mas logo afastei esse pensamento. Sem chance. Gideon era vários anos mais velho, e muito mais homem em todos os sentidos. Ele acabaria com a raça de Christopher. — Ele acha que não recebeu atenção suficiente quando éramos crianças, Gideon respondeu com um toque de irritação, — porque estava todo mundo preocupado em saber como eu me sentia depois do suicídio de meu pai. Então ele quer tirar o que tenho. Tudo o que puder. Eu me virei para ele, enfiando os braços sob seu paletó para me sentir ainda mais próxima. Havia algo em seu tom de voz que me fez sofrer por ele. A casa em que foi criado lhe causava pesadelos, e ele se mantinha totalmente distante de sua família. Ele nunca havia sido amado. Era simples — e complicado — assim. — Gideon? — Hã? Eu me afastei para olhar para ele. Depois estendi a mão e percorri com o dedo suas sobrancelhas robustas. — Eu te amo. Um tremor tomou conta de seu corpo, e com força suficiente para que eu o sentisse também. — Eu não queria assustar você, disse logo, olhando para o outro lado a fim de lhe proporcionar um pouco de privacidade. — Você não precisa fazer nada a respeito. Só não aguentava mais esconder como me sinto. Agora você já sabe. Ele agarrou minha nuca com uma das mãos; a outra desceu até minha cintura e me pegou com força. Gideon me manteve assim, imobilizada, pressionada junto a ele como se fosse fugir. Sua respiração e seu pulso estavam acelerados. Ele não disse mais nada no restante do trajeto, mas 283 também não tirou as mãos de mim. Eu planejava dizer isso de novo algum dia no futuro, mas, para uma primeira vez, acho que até nos saímos bem. *** Às dez em ponto, mandei duas dúzias de rosas vermelhas com caule longo para o escritório de Gideon, junto com um bilhete: Uma celebração aos vestidos vermelhos e aos passeios de limusine. Dez minutos depois, recebi um comunicado interno do edifício com um envelope e um cartão que dizia: VAMOS FAZER ISSO DE NOVO. EM BREVE. Às onze, mandei um arranjo preto e branco de lírios e copos-de-leite para seu escritório, também com um bilhete: Em homenagem aos vestidos em preto e branco e às fugidinhas pra biblioteca... Dez minutos depois, veio a resposta: 284 QUERIA DAR UMA FUGIDINHA COM VOCÊ AGORA MESMO... Ao meio-dia, sai para fazer compras. Para comprar um anel. Passei em seis lojas diferentes antes de achar o modelo perfeito. Feito de platina e cravejado de diamantes negros, com um visual industrial que me fazia pensar em poder e submissão. Era um anel dominante, ousado e masculino. Tive que abrir uma linha de crédito na loja para poder comprá-lo, mas achei que a mercadoria valia os meses de prestações que eu teria pela frente. Liguei para o escritório de Gideon e falei com Scott, que me conseguiu uns quinze minutinhos na agenda lotada dele para uma visita. — Muito obrigada pela ajuda, Scott. — Você merece. Adorei ver a reação dele quando recebeu as flores. Acho que nunca o tinha visto sorrir daquele jeito. O amor tomava conta de mim. Queria ver Gideon feliz de qualquer jeito. Como ele havia dito no dia anterior, eu vivia para agradá-lo. Voltei a trabalhar com um sorriso no rosto. Às duas horas, mandei entregar um arranjo de lírios no escritório de Gideon com um envelope lacrado e a seguinte mensagem dentro: Em agradecimento ao sexo selvagem. A resposta: ESQUEÇA O KRAV MAGA. FAÇA SUA MALHAÇÃO COMIGO. 285 Quando eram três horas — cinco minutos antes de meu encontro com Gideon — eu fiquei nervosa. Levantei-me da cadeira com as pernas trêmulas e assim me dirigi ao elevador para subir até seu andar. Era o momento de entregar o presente, e fiquei com medo de que ele não gostasse de anéis... afinal de contas, ele não usava nenhum. Seria presunçoso e possessivo demais da minha parte querer que ele usasse um anel só porque eu estava usando um? A recepcionista ruiva liberou meu acesso imediatamente e, quando Scott me viu aparecer no corredor, ficou de pé e me cumprimentou com um sorriso largo. Dirigi-me diretamente ao escritório de Gideon, e Scott fechou a porta atrás de mim. Fui imediatamente envolvida pela adorável fragrância das flores, e fiquei surpresa ao ver a maneira como elas tornavam aquele ambiente tão tecnológico mais vivo. Gideon desviou os olhos do monitor e ergueu as sobrancelhas ao me ver. Ele se levantou no mesmo momento. — Eva. Aconteceu alguma coisa? Vi quando ele saiu do papel do profissional para abrir espaço para a vida pessoal, amenizando a expressão do rosto ao olhar para mim. — Não. É que... Respirei fundo e caminhei na direção dele. — Trouxe uma coisa pra você. — Mais coisas? É alguma data especial e eu não estou sabendo? Pus a caixinha com o anel no centro da mesa. Depois olhei para o outro lado, desconfortável. Comecei a duvidar da pertinência daquele presente comprado por impulso. Naquele momento, parecia uma ideia idiota. O que eu poderia dizer para ele não se sentir culpado por não querer o presente? Como se já não tivesse sido constrangedor o bastante ter me declarado naquele dia, logo em seguida eu aparecia com um maldito anel. Ele provavelmente já estava se sentindo aprisionado, louco para sair correndo. E a armadilha se estreitava ainda mais... Ouvi o barulho da caixinha sendo aberta e um suspiro. — Eva. 286 Seu tom de voz era obscuro e perigoso. Virei-me com cautela, sentindo-me pequena diante da austeridade de seu rosto e da impassibilidade de seu olhar. Suas mãos agarravam a caixinha com firmeza. — Exagerei?, perguntei com a voz rouca. — Sim. Ele devolveu a caixinha à mesa redonda. — Exagerou. Não consigo ficar sossegado, não consigo me concentrar. Não consigo tirar você da minha cabeça. Estou com a cabeça longe daqui, e nunca fico assim durante o trabalho. Estou ocupado demais. E você me cerca de todos os lados. Eu sabia muito bem que seu trabalho não era nada fácil, mas nem levei isso em conta quando senti vontade de fazer uma surpresa para ele — e depois outra e mais outra. — Desculpe, Gideon. Nem parei para pensar no que estava fazendo. Ele se aproximou com sua passada sexy, que por si só já dava pistas do volume que havia no meio das suas pernas. — Não precisa se desculpar. Hoje está sendo o melhor dia da minha vida. — Sério? Ele pôs o anel no anelar direito. — Eu queria fazer um agrado pra você. Serviu? Tive que chutar o tamanho... — Ficou perfeito. Você é perfeita. Gideon pegou minha mão e beijou meu anel, depois ficou olhando enquanto eu fazia o mesmo. — O que sinto por você, Eva... Chega até a doer. Meu coração disparou. — E isso é ruim? — É maravilhoso. Ele envolveu meu rosto com as mãos, e senti a frieza metálica do anel contra a bochecha. Gideon me beijou apaixonadamente, com os lábios famintos pelos meus e a língua explorando habilmente os recantos da minha boca. Eu queria mais, porém precisei me segurar, por saber que já tinha feito coisa demais para um dia só. Além disso, ele se distraiu com a minha visita inesperada e se esqueceu de acionar o botão que tornava opaca a parede de vidro. — Diga de novo o que disse lá no carro, ele sussurrou. 287 — Humm... Não sei. Passei minha mão livre por seu colete. Estava com medo de dizer novamente que o amava. Ele foi pego de surpresa na primeira vez e não reagiu muito bem. Além disso, eu não tinha certeza de que ele entendia de fato o que aquilo significava para nós. Para ele. — Você é lindo demais, sabia? Eu sempre me surpreendo com isso, toda vez que nos encontramos. Enfim... Não quero correr o risco de assustar você. Inclinando-se até mim, ele encostou sua testa contra a minha. — Você se arrependeu do que disse, não foi? As flores, o anel... — Você gostou mesmo?, perguntei ansiosamente, afastando-me para observar seu rosto, para ver se ele não estava tentando esconder a verdade. — Não quero que você use só por minha causa se não tiver gostado. Ele acariciou o contorno da minha orelha com o dedo. — É perfeito. É como você me vê. Vou usar com o maior orgulho. Adorei o fato de ele ter entendido o recado. Significava que ele me entendia. — Se você está tentando me agradar só pra depois poder retirar o que disse antes..., ele começou, denunciando no olhar uma surpreendente ansiedade. Não resisti ao apelo de seus olhos. — Eu estava sendo absolutamente sincera, Gideon. — Você ainda vai me dizer isso de novo, ele ameaçou com um tom de voz sedutor. — Vai gritar pro mundo inteiro ouvir quando eu fizer o que estou pensando agora. Sorri e dei um passo atrás. — Volte ao trabalho, seu tarado. — Às cinco eu levo você pra casa. Ele ficou me olhando enquanto eu caminhava até a porta. — Quero sua bocetinha peladinha e molhadinha quando entrar no carro. Pode se tocar um pouco pra ficar no ponto, mas sem gozar, ou haverá consequências. Consequências. Um pequeno tremor atravessou meu corpo, mas aquele era um medo com o qual eu conseguia lidar. Gideon sabia exatamente até que ponto podia ir comigo. — E você vai estar pronto pra mim? 288 Ele abriu um sorriso sarcástico. — E quando é que eu não estou pronto pra você? Obrigado pelo dia de hoje, Eva. Adorei cada minuto. Mandei um beijo para ele e vi a reação que causei em seus olhos. Aquele olhar permaneceu comigo durante o restante do dia. Já eram seis horas quando consegui chegar em casa, descabelada, mas bem comida. Soube exatamente o que me esperava quando vi a limusine de Gideon me esperando no meio-fio em vez do Bentley. Ele quase me atacou quando embarquei pela porta traseira, e ainda demonstrou mais uma vez suas fenomenais habilidades orais antes de acabar comigo com todo o vigor a que tinha direito. Dei graças a Deus por estar em forma. Caso contrário, o apetite sexual de Gideon, combinado com sua disposição aparentemente inesgotável, já teria me levado à exaustão. Não que eu pudesse reclamar. Clancy já estava esperando por mim no saguão do prédio quando apareci esbaforida. Se ele notou meu vestido todo amassado, minhas bochechas vermelhas e meus cabelos despenteados, não disse nada. Eu me troquei correndo no apartamento e fomos direto para a academia de Parker. Estava torcendo para que ele pegasse leve, porque minhas pernas ainda estavam meio moles depois de dois orgasmos de contorcer os dedos do pé. Quando chegamos ao antigo galpão no Brooklyn, eu estava animada e bem disposta a aprender. Mais de dez alunos estavam entretidos em exercícios diversos, com Parker supervisionando tudo e gritando palavras de incentivo à beira do tatame. Quando me viu, ele veio até mim e me conduziu até um canto mais afastado da área de combate, onde poderíamos treinar juntos. — Então... Como estão as coisas?, perguntei, numa tentativa de aliviar minha própria tensão. Ele sorriu, exibindo um rosto interessante e atraente. — Está nervosa? — Um pouco. — Vamos começar trabalhando sua força e resistência física, e também sua atenção. Vou treinar você para não travar nem hesitar diante de confrontos inesperados. 289 Antes de começar, eu achava que tinha uma boa dose de força e resistência física, mas descobri que tinha muito a melhorar. Começamos com uma breve introdução aos equipamentos e à estrutura do espaço, e depois passamos para uma explicação sobre posturas de luta neutras ou passivas. Nós nos aquecemos fazendo exercícios físicos básicos, e logo passamos para uma sessão de — tapas, na qual tentamos acertar os ombros e os joelhos um do outro e bloquear contra-ataques. Parker era absurdamente bom nisso, claro, mas logo comecei a pegar o jeito. A maior parte do tempo, no entanto, foi gasto treinando luta de chão, e a isso eu me entreguei de corpo e alma. Sabia muito bem como era ficar por baixo e em desvantagem física. Se Parker notou essa minha habilidade especial, não comentou nada. Quando Gideon apareceu no meu apartamento mais tarde naquela noite, encontrou-me largada na banheira, toda dolorida. Apesar de já ter tomado banho depois de encontrar seu personal trainer, ele tirou a roupa e entrou na banheira atrás de mim, abraçando-me com os braços e as pernas. Gemi quando ele me apertou. — Está tão bom assim?, ele provocou, mordendo minha orelha. — Quem poderia imaginar que ficar rolando no chão uma hora com um cara bonito poderia ser tão cansativo? Cary estava certo quanto ao fato de krav maga provocar hematomas. Eu já estava vendo algumas manchas escuras aparecendo sob minha pele, e nós ainda nem tínhamos começado a pegar pesado para valer. — Eu poderia até ficar com ciúmes, disse Gideon, apertando meus seios, — se não soubesse que Smith é casado e tem filhos. Soltei um riso de deboche ao tomar conhecimento de mais uma informação que ele não deveria ter. — E o número que ele calça, você sabe? — Ainda não. Ele riu do meu grunhido exasperado, e eu não conseguia deixar de sorrir ao ouvir aquele ruído tão raro. Um dia ainda discutiríamos essa obsessão por informações, mas aquele não era o momento para isso. Nós havíamos nos desentendido demais 290 nos últimos dias, e o aviso de Cary para que nos divertíssemos o máximo possível não saía da minha cabeça. Brincando com o anel no dedo de Gideon, contei sobre a conversa que havia tido com meu pai no sábado. Seus colegas policiais estavam pegando no pé dele por eu estar namorando o famoso Gideon Cross. Ele suspirou. — Sinto muito. Eu me virei para olhá-lo. — Não é culpa sua ser notícia. É assim mesmo quando se é tão lindo. — Um dia desses, ele disse, seco, — vou descobrir se meu rosto é uma vantagem ou uma desgraça. — Bom, caso a minha opinião valha alguma coisa, adoro seu rosto. Ele sorriu e acariciou minha bochecha. — Sua opinião é a única que importa. E a do seu pai. Quero que ele goste de mim, Eva, e não que fique pensando que estou expondo a filha dele a invasões de privacidade. — Você vai conseguir conquistar meu pai. Tudo o que ele quer é me ver segura e feliz. Ele relaxou visivelmente e me puxou mais para perto. — Eu faço você feliz? — Sim. Apoiei o queixo em seu peito. — Adoro ficar com você. Quando não estamos juntos, sinto muito a sua falta. — Você disse que não queria mais brigar, ele murmurou com a boca colada no meu cabelo. — Isso me incomodou. Você está ficando cansada de me ver estragar tudo o tempo todo? — Você não estraga tudo o tempo todo. Eu também fiz um monte de cagadas. Relacionamentos são coisas complicadas, Gideon. E na maior parte das vezes não incluem um sexo maravilhoso como o nosso. Temos muita sorte, na verdade. Ele pegou um pouco de água com a mão e despejou nas minhas costas, de novo e de novo, acalmando-me com seu calor constante. — Nem me lembro direito do meu pai. 291 — Ah, é? Tentei não ficar toda tensa nem revelar minha surpresa. Ou minha empolgação completa e minha vontade desesperadora de conhecê—lo melhor. Ele nunca havia falado sobre sua família antes. Eu estava me segurando para não enchê-lo de perguntas, porque não queria forçar a barra... Gideon soltou um suspiro profundo. Alguma coisa nesse gesto fez com que eu erguesse a cabeça e deixasse a prudência de lado. Passei a mão pelos músculos poderosos de seu peitoral. — Quer falar sobre o que consegue lembrar? — São só... Impressões vagas. Ele não ficava muito em casa. Trabalhava muito. Acho que minha determinação vem daí. — Você pode ter herdado dele o gosto pelo trabalho, mas para por aí. — Como é que você sabe?, ele rebateu, desafiador. Olhando para cima, afastei os cabelos de seu rosto. — Desculpe, Gideon, mas seu pai era um picareta que escolheu o caminho mais fácil. Você não é assim, não é como ele. — Não nesse sentido. Ele fez uma pausa. — Mas acho que ele nunca aprendeu a desenvolver uma relação de verdade com outras pessoas, a se preocupar com outras coisas além de suas necessidades imediatas. Olhei bem para ele. — É assim que você se vê? — Não sei, ele respondeu em voz baixa. — Bom, eu sei, e não é nada disso. Dei um beijo na ponta de seu nariz. — Você sabe cuidar muito bem das pessoas. — Espero que sim. Ele me apertou entre seus braços. — Não consigo nem imaginar você com outra pessoa, Eva. Só a ideia de que outro homem possa ver você assim... Possa encostar em você... Não gosto de me sentir desse jeito. — Isso não vai acontecer, Gideon. Eu sabia como ele se sentia. Não seria capaz de aguentar o tranco se ele tivesse a mesma intimidade com outra mulher. — Você mudou tudo na minha vida. Não suportaria te perder. 292 Eu o abracei. — E eu digo o mesmo. Puxando minha cabeça para trás, Gideon beijou minha boca apaixonadamente. Em poucos momentos ficaria clara nossa intenção de espalhar água pelo banheiro inteiro. Recuei. — Preciso comer se for fazer isso de novo, seu tarado. — Falou a mulher que está esfregando o corpo nu no meu. Ele se recostou na banheira com um sorriso perverso. — Vamos pedir comida chinesa barata e direto da caixa. — Vamos pedir comida chinesa de verdade e fazer isso. 293 19 Cary se juntou a nós para jantar — comida chinesa de ótima qualidade, uma boa taça de vinho e a programação de segunda à noite na TV. Enquanto trocávamos de canal e ríamos dos nomes hilariantes de certos reality shows, vi dois homens importantíssimos na minha vida relaxando e se divertindo juntos. Eles se deram bem, ficavam se desafiando e se xingando daquela maneira brincalhona tão habitual entre os homens. Nunca tinha visto esse lado de Gideon antes, e adorei. Enquanto eu ocupava uma lateral inteira do sofá modulado, os dois estavam sentados no chão de pernas cruzadas, usando a mesinha de centro como mesa de jantar. Eles usavam calça larga de agasalho e camiseta justa, e eu só apreciava a vista. Eu era ou não era uma garota de sorte? Estalando os dedos, Cary fez um preâmbulo dramático antes de abrir seu biscoito da sorte. — Vamos ver. Vou ser rico? Famoso? Estou prestes a conhecer o homem ou a mulher dos meus sonhos? Vou visitar terras distantes? O que saiu no de vocês? — O meu era uma porcaria, eu disse. — No fim tudo será revelado. Dã. Eu não precisava de previsão nenhuma pra descobrir isso. Gideon abriu o seu e leu em voz alta: — A prosperidade baterá à sua porta em breve. Dei risada. Cary olhou para mim. — Você roubou o biscoito de alguém, Cross. 294 — É melhor manter Cary à distância do seu biscoito, eu disse, brincando. Gideon se inclinou na minha direção e roubou metade do meu. — Não se preocupe, meu anjo. Seu biscoito é o único que me interessa. Ele o jogou na boca e piscou para mim. — Ei, protestou Cary. — Já para o quarto, vocês dois. Ele quebrou seu biscoito da sorte com um gesto floreado, e logo depois ficou furioso: — Que porra é essa?. Eu me inclinei para a frente. — O que está escrito aí? — Confúcio diz, Gideon impostou a voz, — o homem de uma perna só tem sempre um pé no passado. Cary atirou metade de seu biscoito em Gideon, que o apanhou com habilidade e sorriu. — Dê isso aqui. Tomei o papelzinho da mão de Cary e li. Imediatamente caí na risada. — Vá se foder, Eva. — E então?, Gideon quis saber. — Pegue outro biscoito. Gideon abriu um sorriso. — Até os biscoitos estão zoando com a sua cara. Cary atirou a outra metade do biscoito. Era uma noite como tantas outras que passei com Cary na época da SDSU, o que despertou meu interesse sobre como Gideon devia ser na época da faculdade. Pelo que tinha lido na imprensa, sabia que ele tinha se formado na Columbia, mas saiu antes da pós-graduação para expandir os negócios. Ele tinha amigos por lá? Fazia parte de alguma fraternidade, ia a festas, ficava bêbado, transava por aí? Ele era um homem tão controlado que eu não conseguia imaginá-lo num momento de descontração, ainda que fosse exatamente isso o que estávamos fazendo ali. Ele olhou para mim, ainda sorrindo, e meu coração disparou dentro do 295 peito. Pela primeira vez eu o via como alguém de sua idade, jovem e simpático, apesar de sério — enfim, uma pessoa normal. Nesse momento, éramos só um casal de vinte e poucos anos se divertindo em casa com um colega de apartamento e um controle remoto. Ele era simplesmente meu namorado, nada mais. Tudo parecia gostoso e descomplicado, o tipo de ilusão que tinha um enorme apelo para mim. O interfone tocou e Cary levantou em um pulo para atender. Ele me olhou e sorriu. — Pode ser Trey. Cruzei os dedos. Minutos depois, porém, quando Cary abriu a porta, quem entrou foi a loira alta com quem eu tinha cruzado na outra noite. — Oi, ela disse, atacando o que restou do jantar sobre a mesa. A loira espichou os olhos para Gideon quando ele educadamente se levantou com toda a beleza de movimentos a que estava acostumado. Ela deu um sorrisinho falso para mim, e logo em seguida fez sua melhor pose de supermodelo para meu namorado enquanto estendia a mão para ele. — Tatiana Cherlin. Ele apertou sua mão. — Sou o namorado de Eva. Fiquei surpresa com a maneira como ele se apresentou. Estaria protegendo sua identidade? Queria estabelecer certa distância entre eles logo de cara? Fosse como fosse, gostei da resposta. Cary reapareceu com uma garrafa de vinho e duas taças. — Vamos lá, ele disse, apontando para o quarto. Tatiana se despediu com um rápido aceno e foi atrás de Cary. Quando ela estava de costas, chamei a atenção de Cary para que ele lesse meus lábios: — O que você está fazendo?. Ele piscou e respondeu baixinho: — Estou pegando outro biscoito. Gideon e eu decidimos que já estava na hora de dormir, e fomos para o quarto. Enquanto nos trocávamos, quis esclarecer com ele a dúvida que surgiu durante o jantar: — Você tinha um matadouro na época da faculdade também?. Ele tirou a camiseta antes de responder. — Como é? 296 — Você sabe, um lugar como aquele seu quarto de hotel. Você é um cara ativo. Só queria saber se você já tinha um esquema bem organizado desde aquela época. Ele balançava a cabeça, mas naquele momento eu só tinha olhos para seu peitoral perfeito e seus quadris estreitos. — Já transei mais com você do que nos últimos dois anos da minha vida somados. — Até parece. — Trabalho muito, e malho que nem um condenado, exatamente para ficar exausto na maior parte do meu tempo livre. De vez em quando recebia ofertas que decidia não recusar, mas fora isso o sexo sempre foi uma coisa secundária na minha vida até conhecer você. — Que mentira. Eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Ele me fuzilou com o olhar enquanto se dirigia ao banheiro com sua nécessaire preta de couro. — Continue duvidando de mim, Eva. Pague pra ver. — O quê? Eu o segui, aproveitando para admirar sua bunda enquanto andava. — Você vai provar que o sexo é uma coisa secundária pra você transando comigo de novo? — Quando um não quer... Ele abriu a nécessaire e pegou uma escova de dente nova, que tirou da embalagem e deixou no meu banheiro. — Você toma a iniciativa tanto quanto eu. Precisa sentir essa ligação que temos tanto quanto eu. — É verdade. Eu só queria... — Só queria o quê? Ele abriu uma gaveta, fez cara feia ao ver que estava cheia e partiu à procura de outra. — Pia errada, eu disse, sorrindo ao notar sua presunção de que teria gavetas reservadas para ele na minha casa, e sua irritação ao perceber que não era bem assim. — A outra é toda sua. Gideon se dirigiu à outra pia e começou a guardar suas coisas. — Só queria o quê?, ele repetiu, guardando o xampu e o sabonete líquido no box. Apoiei-me na pia e cruzei os braços enquanto o via se apossar de meu 297 banheiro. Era bem isso que ele estava fazendo: deixava claro para qualquer um que entrasse ali que havia um homem na minha vida. Foi quando me dei conta de que o mesmo estava acontecendo comigo em relação a ele. Os empregados de sua casa agora sabiam que ele tinha um relacionamento estável. Só de pensar nisso fiquei toda animada. — Durante o jantar, estava tentando imaginar como você era na época da faculdade, continuei, — como seria cruzar com você por acaso no campus. Eu teria ficado obcecada por você. Faria de tudo para entrar no seu caminho, só pra ficar admirando. Ia tentar cursar as mesmas matérias que você, só pra ficar fantasiando sobre como seria te levar pra cama. — Sua safada. Ele me deu um beijo na ponta do nariz quando passou por mim para escovar os dentes. — Nós dois sabemos muito bem o que aconteceria assim que eu pusesse os olhos em você. Penteei o cabelo, escovei os dentes e comecei a lavar o rosto. — E então... você tinha um lugar especial pra quando alguma vaca sortuda conseguia te arrastar pra cama? Ele olhou para o reflexo ensaboado do meu rosto no espelho. — Sempre usei aquele hotel. — Foi o único lugar onde você fez sexo? Antes de mim? — Foi o único lugar onde fiz sexo consensual, ele respondeu baixinho, — antes de você. — Ah. Aquilo cortou meu coração. Andei até ele e o abracei por trás, acariciando suas costas com meu rosto. Fomos para a cama e deitamos bem juntinhos. Enterrei meu rosto em seu pescoço e respirei bem fundo. Seu corpo era todo duro, mas ainda assim maravilhosamente confortável ao toque. Ele era quente e forte, poderosamente masculino. Bastava eu pensar nele para querê-lo. Passei minhas pernas por seus quadris e me elevei acima dele, com as mãos espalmadas sobre seu abdome. Estava escuro, mas eu não precisava 298 vê-lo. Por mais que gostasse de seu rosto — rosto do qual ele se ressentia às vezes —, era a maneira como ele me tocava e falava comigo que me deixava maluca. Como se não houvesse nada neste mundo que ele desejasse mais. — Gideon. Não precisei dizer mais nada. Ele se sentou, envolveu-me nos braços e me deu um beijo profundo. Depois rolou para cima de mim e fez amor comigo de uma maneira tão carinhosa e possessiva que abalou minha alma. Acordei com um sobressalto. Um peso enorme me esmagava, e uma voz áspera vomitava palavras desagradáveis, detestáveis, na minha orelha. O pânico tomou conta de mim, deixando-me sem ar. De novo, não. Não... Por favor, não... Nathan tapou minha boca com a mão e abriu minhas pernas. Senti seu membro duro tateando por ali, tentando abrir caminho para dentro do meu corpo. Meu grito saiu abafado pela palma de sua mão, que cobria meus lábios, e eu me encolhi toda, com o coração prestes a explodir. Nathan era pesado demais. Pesado e forte demais. Eu não conseguia afastá-lo. Não conseguia tirá-lo dali. Pare com isso! Me largue. Não encoste em mim. Pelo amor de Deus... por favor, não faça isso comigo... de novo não... Onde é que estava minha mãe? Mamãe! A mão de Nathan abafava meus gritos, esmagava-me contra o travesseiro. Quanto mais eu resistia, mais excitado ele ficava. Arfando como um cão, ele investia contra mim de novo e de novo... tentando se enfiar dentro de mim... — Agora você vai ver o que é bom. Gelei. Aquela voz eu conhecia. E sabia que não era de Nathan. Não era um sonho, era um pesadelo. Meu Deus, não. Piscando enlouquecidamente em meio à escuridão, eu fazia força para tentar enxergar. O sangue pulsava em meus ouvidos. Não consegui ouvir mais nada. 299 Mas eu conhecia o cheiro da sua pele. Conhecia seu toque, mesmo quando ele era cruel. Conhecia a sensação de seu corpo junto ao meu, mesmo quando sua intenção era me violar. O pênis ereto de Gideon batia nas minhas coxas. Em pânico, empurrei-me para cima com toda a força. Consegui me libertar da mão que cobria minha boca. Enchi os pulmões de ar e berrei. Seu peito se inflou quando ele grunhiu: — Não é tão bom quando é você que está sendo comido, é?. — Crossfire, eu disse, perdendo o fôlego. Um facho de luz vindo do corredor me cegou, e logo depois o peso esmagador de Gideon foi retirado de cima de mim. Rolando para o lado, comecei a soluçar, com os olhos cheios de lágrimas, o que borrou minha visão de Cary arrastando Gideon pelo quarto e o prensando contra a parede, provocando uma rachadura no revestimento de gesso. — Eva, você está bem? Cary acendeu o abajur do lado da cama e soltou um palavrão quando me viu deitada em posição fetal, tremendo violentamente. Quando Gideon endireitou o corpo, Cary foi até ele. — Se sair mais um centímetro daí antes da polícia chegar, acabo com sua raça! Tentando engolir com minha garganta em chamas, eu me sentei. Olhei diretamente nos olhos de Gideon e dentro deles vi a névoa do sono ser substituída pelo terror. — É um sonho, eu consegui dizer, resfolegada, agarrando o braço de Cary, que se dirigia ao telefone. — E-ele está sonhando. Cary então viu Gideon encolhido sem roupa no chão como um animal selvagem. Ele ficou sem reação. — Minha nossa. E eu achando que o pirado era eu. Desci da cama com as pernas trêmulas, com o estômago revirado de medo. Meus joelhos cederam e Cary teve que me amparar, baixando meu 300 corpo até o chão e me abraçando para acalmar o choro. — Vou deitar no sofá. Cary passou as mãos pelos cabelos amassados de sono e se apoiou na parede do corredor. A porta do quarto estava aberta atrás de mim, revelando a imagem de Gideon lá dentro, pálido e assustado. — Vou separar uns cobertores e uns travesseiros pra ele também. Não é uma boa ele ir sozinho pra casa. Está abalado demais. — Obrigada, Cary. Seus braços estavam tensos junto a mim. — Tatiana ainda está aqui? — Claro que não. Nada a ver. Nós trepamos e ela caiu fora. — E Trey?, perguntei baixinho, já voltando a pensar em Gideon. — Eu amo Trey. Acho que ele é a melhor pessoa que conheço, tirando você. Ele se inclinou para a frente e beijou minha testa. — O que os olhos não veem o coração não sente. Pare de se preocupar comigo e cuide de você. Olhei para ele com os olhos banhados de lágrimas. — Não sei o que fazer. Cary suspirou, e seus olhos verdes ganharam um tom de seriedade. — Acho que você precisa refletir se não está dando um passo maior que a perna, gata. Algumas pessoas não têm solução. Veja meu exemplo. Arrumei um cara ótimo e estou transando com uma menina que detesto. — Cary... Eu apertei seu ombro. Ele segurou e apertou minha mão. — Estou aqui se precisar de mim. Gideon já estava fechando sua mala quando voltei para o quarto. Quando ele me olhou, senti um frio na barriga de medo. Não por mim, por ele. Nunca tinha visto alguém tão desolado, tão inapelavelmente arrasado. A melancolia em seus lindos olhos me deixou apavorada. Eles estavam sem vida. Gideon estava pálido como a morte, imerso nas sombras sob todos os ângulos de seu rosto de tirar o fôlego. — O que você está fazendo?, sussurrei. Ele se afastou, como se quisesse manter a maior distância possível de mim. — Não posso ficar. 301 Fiquei preocupada quando senti uma pontada de alívio ao ouvir isso. — Nós combinamos... Chega de fugir. — Isso foi antes de eu atacar você!, ele gritou, mostrando o primeiro sinal de vida depois de uma hora. — Você estava inconsciente. — Você não pode virar vítima de novo, Eva. Minha nossa... o que eu ia fazer com você... Ele deu as costas para mim, e seus ombros se curvaram de uma maneira que me assustou muito mais que qualquer outra coisa. — Se você for embora, quer dizer que nosso passado levou a melhor sobre nosso futuro. Minhas palavras o atingiram como um soco no estômago. Todas as luzes do quarto estavam acesas, como se a eletricidade fosse capaz de extinguir as sombras de nossa alma. — Se sair daqui agora, acho melhor você manter distância e eu esquecer de você. Vai ser o fim, Gideon. — Como posso ficar? Por que você ia me querer aqui? Ele se virou e me olhou com tamanho sentimento que meus olhos se encheram de lágrimas. — Prefiro me matar a machucar você. Esse era um de meus medos. O Gideon que eu conhecia — o homem dominador, uma força da natureza — jamais se mataria, mas aquele Gideon que estava diante de mim era outra pessoa. E era filho de um suicida. Meus dedos se enroscavam na bainha da minha camiseta. — Você jamais me machucaria. — Você está com medo de mim, ele disse, quase sem voz. — Dá pra ver no seu rosto. Até eu estou com medo de mim. Com medo de cair no sono e fazer uma coisa que destruiria minha vida e a sua. Ele tinha razão. Eu estava com medo. Com um frio na barriga que não passava. Agora eu conhecia seu lado violento. Toda a sua fúria. E nossa relação era passional demais. Dei um tapa na cara dele no dia da festa, coisa que eu nunca tinha feito antes. Fazia parte da natureza de nossa relação andar no fio da navalha, com 302 os nervos à flor da pele. A confiança que havia entre nós fez com que existisse uma abertura para que nos tornássemos vulneráveis e perigosos um para o outro. E isso só ia piorar antes de melhorar. Ele passou as mãos pelos cabelos. — Eva, eu... — Eu te amo, Gideon. — Meu Deus. Ele me olhou como se estivesse enojado. Se era comigo ou com ele mesmo, eu não sabia. — Como você pode dizer uma coisa dessas? — É a verdade. — Você só está vendo isto aqui, ele apontou para seu corpo. — Não está vendo tudo o que existe de perturbado e traumatizado aqui dentro. Respirei fundo. — Como você tem coragem de me dizer uma coisa dessas? Sabendo que eu também sou perturbada e traumatizada... — Talvez você esteja mesmo atrás de alguém que te faça mal, ele respondeu, amargo. — Pode parar com isso. Sei que você está chateado, mas descarregar tudo em cima de mim só vai piorar as coisas. Olhei para o relógio e vi que eram quatro da manhã. Caminhei até ele, motivada pela necessidade de superar meu medo de tocá-lo e ser tocada por ele. Ele ergueu uma das mãos para me manter longe. — Estou indo pra casa, Eva. — Durma aqui, no sofá. Faça o que estou dizendo desta vez, Gideon. Por favor. Vou morrer de preocupação se você for embora. — E vai ficar mais preocupada ainda se eu ficar. Ele olhou para mim, parecendo perdido, furioso e ao mesmo tempo cheio de desejo. Seus olhos me pediam perdão, mas ele não o aceitava quando eu o oferecia. Fui até ele e peguei sua mão, lutando contra a apreensão que tomou conta de mim quando nos tocamos. Meus nervos ainda estavam tensos, minha garganta e minha boca, doloridas. A lembrança de suas tentativas de penetração — tão parecidas com as de Nathan — ainda estava viva demais. — N-nós vamos superar isso, prometi, com raiva de mim mesma por ter 303 gaguejado. — Você vai conversar com o doutor Petersen e depois vemos o que podemos fazer. Ele levantou uma das mãos, como se fosse tocar meu rosto. — Se Cary não estivesse em casa... — Ele estava, e eu vou ficar bem. Eu te amo. Vamos superar isso. Caminhei até ele e o abracei, enfiando minhas mãos sob sua camisa para sentir sua pele. — Não vamos deixar o passado destruir o que temos. Eu não sabia quem estava tentando convencer ao dizer isso. — Eva. Ele retribuiu o abraço, apertando—me com tanta força que perdi o fôlego. — Desculpe. Isso está me matando. Por favor. Me perdoe... Não posso te perder. — E não vai. Fechei os olhos, concentrando-me em seu toque. Em seu cheiro. Lembrando que costumava não ter medo de nada quando estava com ele. — Sinto muito. Suas mãos trêmulas acariciavam a curvatura das minhas costas. — Faço qualquer coisa... — Shh. Eu te amo. Vai ficar tudo bem. Ele virou a cabeça e me beijou de leve. — Desculpe, Eva. Eu preciso de você. Tenho medo do que pode acontecer se eu te perder... — Não vou deixar isso acontecer. Minha pele se arrepiou sob o movimento constante de suas mãos nas minhas costas. — Estou bem aqui. Não vou mais fugir. Ele fez uma pausa, respirando bem perto da minha boca. Depois baixou a cabeça e me deu um beijo na boca. Meu corpo reagiu àquele estímulo suave. Curvei-me em sua direção sem perceber, trazendo-o mais para perto. Ele agarrou meus seios, acariciando—os, estimulando meus mamilos com os polegares até eles ficarem pontudos e sensíveis. Gemi de medo e de desejo, e ele estremeceu ao ouvir esse som. — Eva...? — Eu... Não consigo. A lembrança de como havia sido acordada ainda 304 era recente demais. Foi doloroso para mim rejeitá-lo, principalmente por saber que ele precisava receber de mim a mesma coisa que havia me oferecido quando contei a ele sobre Nathan — uma prova de que o desejo não tinha morrido, uma prova de que, por mais feias que fossem nossas cicatrizes do passado, elas não afetavam o que sentíamos um pelo outro naquele momento. No entanto, não fui capaz de fazer isso. Não naquela hora. Estava me sentindo ferida e vulnerável. — Me abrace, Gideon. Por favor. Ele concordou com a cabeça e me envolveu em seus braços. Eu o fiz deitar no chão comigo, na esperança de fazê-lo voltar a dormir. Aninhei-me a seu lado, jogando minha perna sobre a dele e apoiando meu braço sobre sua barriga. Ele me apertou de levinho, dando um beijo na minha testa e sussurrando várias vezes que sentia muito. — Não vá embora, murmurei. — Fique. Gideon não respondeu nem fez nenhuma promessa, mas também não me soltou. Acordei algum tempo mais tarde, ouvindo o coração dele bater tranquilamente sob minha orelha. Todas as luzes ainda estavam acesas, e o chão acarpetado parecia duro e desconfortável. Gideon estava deitado de costas, seu lindo rosto estava adormecido como o de um menino, com a camiseta levantada só o suficiente para mostrar seu umbigo e os músculos bem definidos de seu abdome. Aquele era o homem que eu amava. Aquele era o homem cujo corpo me dava tanto prazer, cuja consideração por mim sempre me emocionava. Ele ainda estava lá. E as rugas que se viam entre suas sobrancelhas mostravam que ainda estava chateado. Enfiei minha mão em sua calça. Pela primeira vez desde que estávamos juntos, ele não estava duro como pedra ao toque da minha mão, mas logo começou a inchar e engrossar quando passei a masturbá-lo. Um temor ainda se fazia presente na minha excitação, mas o medo de perdê-lo era maior que o dos demônios que viviam dentro dele. Ele se mexeu e me apertou forte, com os braços nas minhas costas. — 305 Eva... Dessa vez respondi como deveria ter feito anteriormente, mas não consegui. — Vamos esquecer, eu disse com a boca colada à sua. — Nos faça esquecer. — Eva. Ele rolou para cima de mim, tirando minha camiseta com movimentos cuidadosos. Eu também tateava com cautela ao despi—lo. Encostamos um no outro como se fôssemos feitos de açúcar. O laço que nos unia estava frágil. Estávamos ambos preocupados com o futuro e com as feridas que poderíamos acabar reabrindo. Seus lábios abocanharam meu mamilo e suas bochechas desinflaram lentamente, em um gesto de sedução menos violento que o de costume. Aquela sucção suave era tão gostosa que perdi o fôlego e me dobrei em sua direção. Ele acariciou meu corpo do seio até o quadril, descendo e subindo até meu coração disparar. Ele passou a boca por meu peito até chegar ao outro seio, murmurando palavras de desculpas e carência com a voz carregada de arrependimento e tristeza. Sua língua chegou ao mamilo enrijecido, provocando-o um pouco antes de envolvê-lo em uma chupada quente e molhada. — Gideon. Suas carícias delicadas foram perfeitas para encher de desejo minha mente inquieta. Meu corpo já estava entregue a ele, ávido por sentir prazer e desfrutar de sua beleza. — Não tenha medo de mim, ele sussurrou. — Pode ficar tranquila. Gideon beijou meu pescoço e depois foi descendo, acariciando minha barriga com os cabelos enquanto se acomodava no meio de minhas pernas. Manteve-me aberta para ele com as mãos trêmulas, e acariciou meu clitóris com a boca. Suas lambidas leves e provocadoras por toda a minha abertura, combinadas com as entradas furtivas de sua língua no meu sexo fremente, levaram-me às raias da loucura. Minhas costas se arquearam. Súplicas roucas saíam do meu lábio. A 306 tensão se espalhou pelo meu corpo, fazendo com que eu me contraísse inteira até quase explodir sob tanta pressão. Ele conseguiu me levar ao orgasmo apenas com o toque delicado da ponta de sua língua. Gemi bem alto ao sentir aquela onda morna de alívio se apoderar de meu corpo estremecido. — Não posso perder você, Eva. Gideon se deitou sobre mim enquanto meu corpo se contorcia de prazer. — Não posso. Limpando as marcas de lágrimas em seu rosto, eu me vi diante de seus olhos vermelhos. Seu sofrimento era um tormento para mim, de cortar o coração. — Você não me perderia nem se quisesse. Ele penetrou em mim lentamente, com todo o cuidado. Pressionei a cabeça contra o chão duro à medida que ele chegava mais fundo, tomando conta de meu corpo centímetro a centímetro. Quando entrou por inteiro, ele começou a se mover em investidas calculadas e cautelosas. Fechei os olhos e pensei apenas no sentimento que havia entre nós. Foi quando ele parou e deitou sobre mim, com a barriga encostada na minha, e meu coração disparou em pânico. Assustada, eu não sabia o que fazer. — Olhe para mim, Eva. Sua voz estava tão rouca que eu não consegui reconhecê-la. Obedeci, e pude ver toda a sua angústia. — Faça amor comigo, ele implorou em um sussurro quase sem fôlego. — Faça amor comigo. Toque em mim, meu anjo. Ponha suas mãos sobre mim. — Sim. Pus as mãos espalmadas em suas costas, depois explorei os músculos contraídos de seu traseiro. Apertando bem forte sua carne rígida, eu o fiz se mover mais rápido, chegando mais fundo. As estocadas ritmadas de seu pau grosso contra as profundezas convulsionadas de meu sexo fizeram o prazer se espalhar por mim em ondas de calor. Ele era tão gostoso. Minhas pernas envolveram seus quadris em movimento, minha respiração acelerou e o caroço congelado que havia se instalado em minha barriga começou a derreter. Nossos olhares grudaram um 307 no outro. As lágrimas escorriam por minhas têmporas. — Eu te amo, Gideon. — Por favor... Ele fechou os olhos. — Eu te amo. Ele me conduziu ao orgasmo mexendo os quadris com habilidade, movimentando seu pau dentro de mim. Meu sexo ficou inchado e apertado, fazendo de tudo para mantê-lo dentro de mim. — Goze, Eva, ele disse com a boca colada na minha garganta. Eu me esforcei para isso, esforcei-me para deixar para trás a apreensão que sentia com ele ali em cima de mim. A ansiedade se misturou ao desejo, mantendo-me em um estado de excitação suspensa. Ele soltou um gemido carregado de dor e arrependimento. — Preciso fazer você gozar, Eva... Preciso dessa sensação... Por favor... Agarrando minha bunda, ele ajeitou a posição de meus quadris e atacou de novo e de novo o mesmo lugarzinho sensível dentro de mim. Ele era incansável, implacável, e continuou metendo com força até eu perder o controle sobre meu corpo e gozar violentamente. Mordi seu ombro para abafar meus gritos enquanto me contorcia embaixo dele, sentindo os pequenos músculos de meu ventre se contraírem em espasmos de êxtase. Ele soltou um grunhido profundo, que reverberou em seu peito, um ruído áspero de prazer misturado com sofrimento. — Mais, ele ordenou, entrando mais fundo para me fazer sentir dor. O fato de ele se sentir confiante o bastante para me infligir uma pequena dose de sofrimento derrubou a última de minhas preocupações. Enquanto confiássemos um no outro, poderíamos confiar nos nossos instintos também. Gozei mais uma vez, ferozmente, dobrando os dedos do pé até sentir câimbras. Senti que a tensão habitual tomava conta de Gideon e apertei ainda mais seus quadris, puxando-o para perto à força, desesperada para senti-lo jorrar dentro de mim. — Não! Gideon se afastou, caindo de costas e cobrindo os olhos com 308 um dos braços. Ele estava punindo a si mesmo, negando a seu corpo o conforto e o prazer que costumava extrair do meu. Seu peito oscilava violentamente, encharcado de suor. Seu pau caiu pesadamente sobre sua barriga, exibindo toda a sua impetuosidade na cabeça larga e arroxeada e no corpo atravessado por veias grossas. Mergulhei sobre ele com as mãos e a boca, ignorando seus palavrões furiosos. Prendendo seu tronco ao chão com o antebraço, eu o masturbei com força com a outra mão e chupei sedentamente sua região mais sensível. — Porra, Eva. Caralho. Ele enrijeceu e expirou com força, puxando meu cabelo e movimentando os quadris. — Caralho. Chupa com força... Minha nossa... Ele explodiu em um jorro poderoso que quase me fez engasgar, inundando minha boca. Eu bebi tudinho, ordenhando com a mão cada pulsação que fazia seu pau tremer, engolindo sem parar até que ele estremeceu de satisfação e me implorou para parar. Eu me endireitei e Gideon se sentou para me abraçar. Ele me puxou de volta para o chão, onde enterrou o rosto no meu pescoço e chorou até o dia amanhecer. Na terça-feira, fui trabalhar usando calça e uma blusa de seda de mangas compridas, sentindo a necessidade de estabelecer uma barreira entre mim e o restante do mundo. Na cozinha, Gideon pegou meu rosto entre as mãos e me beijou com um carinho apaixonante. Seu olhar permanecia perturbado. — Almoço hoje?, sugeri, sentindo que ainda precisávamos restabelecer a intimidade e a confiança entre nós. — Tenho um almoço de negócios. Ele passou os dedos por meus cabelos soltos. — Você quer ir? Angus pode levar você de volta a tempo. — Eu adoraria. Lembrei-me da agenda de eventos noturnos, reuniões e consultas que ele havia mandado para meu celular. — E amanhã à noite temos um jantar beneficente no Waldorf-Astoria? Sua expressão se amenizou. Vestido para trabalhar, ele parecia um 309 tanto deprimido, apesar de absolutamente controlado. Mas eu sabia muito bem como ele se sentia. — Você não vai desistir mesmo de mim, não é?, ele perguntou com a voz baixa. Levantei a mão direita e mostrei meu anel. — Você está amarrado a mim, Cross. Pode ir se acostumando. No caminho do trabalho, ele me sentou no seu colo, assim como na hora do almoço, enquanto nos deslocávamos até o Jean Georges. Não falei mais de dez palavras durante a refeição, que Gideon escolheu para mim e estava maravilhosa. Fiquei sentada em silêncio a seu lado, com a mão esquerda sobre sua perna firme sob a toalha da mesa, uma afirmação não verbal de meu comprometimento com ele. Conosco. Uma de suas mãos segurava a minha, quente e forte, enquanto ele conversava sobre um novo empreendimento em Saint Croix. Mantivemos esse contato durante todo o tempo, preferindo comer com uma mão só a ter de abrir mão daquele toque. A cada hora que se passava, eu sentia o terror da noite anterior ficar mais distante de nós. Seria apenas uma cicatriz a mais em sua coleção, outra lembrança amarga que ele sempre teria, uma recordação e um medo que também seriam meus, mas que não mudariam nada entre nós. Nós não íamos permitir que isso acontecesse. Angus estava a postos para me levar para casa quando o expediente terminou. Gideon ficaria no trabalho até mais tarde, e iria direto do Crossfire para o consultório do dr. Petersen. Aproveitei o trajeto para me preparar mentalmente para mais uma semana de treinamento com Parker. Até pensei em faltar, mas no fim cheguei à conclusão de que era importante manter uma rotina. Já havia descontrole demais na minha vida naquele momento. Cumprir meus compromissos era uma das poucas coisas que ainda dependiam somente de mim. Depois de uma hora e meia de golpes de mão aberta e trabalho de solo com Parker, eu me senti aliviada quando Clancy me deixou em casa — e orgulhosa de mim mesma por ter ido treinar apesar de ser a última coisa que 310 eu queria naquele dia. Quando entrei no saguão, dei de cara com Trey na recepção. — Oi, eu cumprimentei. — Está subindo? Ele se virou para mim, com seus olhos brilhantes e seu sorriso aberto. Trey tinha uma suavidade nos modos, uma espécie de ingenuidade sincera, que o tornava diferente de todas as pessoas com quem Cary já havia se relacionado. Ou talvez eu devesse dizer apenas que Trey era — normal, algo raro tanto na minha vida como na de Cary. — Cary não está, ele disse. — Ninguém atendeu ao interfone. — Você pode subir comigo e esperar lá. Não vou sair mais hoje. — Se você não se incomodar. Ele foi junto comigo quando acenei para a menina da recepção e tomei o caminho do elevador. — Eu trouxe uma coisinha pra ele. — Claro que não me incomodo, garanti, retribuindo seu sorriso gentil. Ele olhou para minha calça de ioga e meu top de ginástica. — Está vindo da academia? — Pois é. Apesar de ser a última coisa que eu gostaria de ter feito hoje. Trey deu risada ao entrar no elevador. — Sei bem como é. Enquanto subíamos, o silêncio se estabeleceu. E começou a pesar. — Está tudo bem?, perguntei. — Bom... Trey ajeitou a alça da mochila. — Cary anda meio distante ultimamente. — Ah, é? Mordi os lábios. — Em que sentido? — Não sei. Não consigo explicar. Acho que tem alguma coisa acontecendo com ele e não sei o que é. Pensei na modelo loira e gelei por dentro. — Vai ver ele está estressado por causa do trabalho para a Grey Isles e não quer incomodar você com isso. Ele sabe que você já tem muito com que se preocupar, com o trabalho e a faculdade. 311 A tensão em seus ombros se aliviou um pouco. — Talvez seja isso mesmo. Faz sentido. Pode ser. Obrigado. Abri a porta do apartamento e disse a ele que se sentisse à vontade. Trey foi deixar suas coisas no quarto de Cary e eu fui até o telefone para ver se havia alguma mensagem. Um grito vindo do corredor me fez pegar o telefone por outro motivo, com o coração na mão de medo de algum invasor ou outro perigo iminente. Mais gritos se seguiram, e em um deles reconheci claramente a voz de Cary. Soltei um suspiro de alívio. Com o telefone na mão, arrisquei-me a ir ver o que estava acontecendo. Quase fui atropelada por Tatiana, que saiu do corredor ainda abotoando a blusa. — Ops, ela disse, abrindo um sorrisinho sem nenhuma culpa. — Até mais. Os gritos de Trey impediram que eu ouvisse quando ela fechou a porta do apartamento atrás de si. — Porra, Cary. A gente conversou sobre isso! Você prometeu! — Você está exagerando, rebateu Cary, também aos berros. — Não é o que você está pensando. Trey saiu pisando duro do quarto, e com tamanha pressa que eu tive que me espremer junto à parede para sair do caminho. Cary foi atrás, enrolado num lençol até a cintura. Quando passou por mim, eu o olhei de um jeito que não deve ter sido muito agradável, porque em resposta ele me mostrou o dedo do meio. Deixei que os dois se virassem e fui tomar banho, furiosa com Cary por ele ter mais uma vez arruinado uma das poucas coisas boas em sua vida. Era um padrão que eu nunca deixaria de esperar que fosse quebrado, apesar de ele parecer incapaz de fazer isso. Quando fui até a cozinha, meia hora depois, o silêncio dentro do apartamento era absoluto. Concentrei-me em cozinhar, decidindo fazer lombo assado com batatas e aspargos, um dos pratos preferidos de Cary, para o caso de ele querer jantar em casa e precisar de algo para se animar. 312 Fiquei surpresa ao ver Trey saindo do corredor enquanto eu punha a comida no forno, um pouco triste. Não gostei nada de vê-lo todo vermelho, descabelado e chorando. Minha piedade se transformou em decepção furiosa quando Cary apareceu na cozinha cheirando a suor e sexo. Ele me olhou feio ao passar por mim para pegar um vinho na adega. Eu o encarei com os braços cruzados. — Trepar com um namorado traído na mesma cama em que ele pegou você com outra não ajuda muito. — Cale a boca, Eva. — Ele deve estar se odiando por ter cedido. — Eu mandei calar a boca, porra. — Tudo bem. Dei as costas para ele e comecei a temperar as batatas para levar ao forno junto com o lombo. Cary pegou duas taças no armário. — Pelo jeito você também está me julgando. Se ele tivesse me pegado com outro homem, provavelmente não faria essa cena toda. — Então é tudo culpa dele? — Só pra lembrar: sua vida amorosa também não é nada perfeita. — Golpe baixo, Cary. Eu é que não vou me sujeitar a ser seu saco de pancadas. Foi você que estragou tudo, e depois ainda conseguiu piorar as coisas. O problema é todo seu. — Não vem querer dar uma de superior, não. Você está dormindo com um homem que vai acabar te estuprando, mais cedo ou mais tarde. — Não é nada disso! Ele soltou um riso de deboche e se encostou no balcão, olhando-me com seus olhos verdes inundados de mágoa e raiva. — Se você vai arrumar justificativas para ele porque estava dormindo quando te atacou, vai ter que fazer o mesmo para os bêbados e drogados. Eles também não sabem o que fazem. A verdade que havia naquelas palavras me atingiu duramente, assim como o fato de ele tê-las dito só para me magoar. — Parar de beber as 313 pessoas conseguem, mas deixar de dormir, não. Cary se endireitou, abriu a garrafa que havia escolhido e serviu duas taças, empurrando uma para o outro lado do balcão, para mim. — Se existe alguém que sabe o que é se envolver com pessoas que só trazem mágoas, esse alguém sou eu. Você o ama. Você quer salvá-lo. Mas quem vai salvar você, Eva? Eu não vou estar sempre por perto quando estiver com ele, e o cara é uma bomba-relógio. — Você quer falar sobre relacionamentos que só trazem mágoas, Cary?, rebati, tirando o foco da conversa das verdades incômodas a meu respeito. — Você, que traiu Trey só pra se proteger? Você percebeu que fez de tudo para afastar o cara antes que surgisse alguma chance de ele te decepcionar? Cary abriu um sorriso amargo. Ele bateu sua taça na minha, que ainda estava sobre o balcão. — Um brinde a nós, os seriamente perturbados. Pelo menos temos um ao outro. Ele saiu da sala e eu desabei. Sabia que isso estava por vir — parecia tudo bom demais para ser verdade. O bem-estar e a felicidade nunca duravam muito na minha vida, e nunca passavam de mera ilusão. Sempre havia algo escondido nas entrelinhas, a postos para vir à tona e arruinar tudo. 314 20 Gideon chegou bem na hora em que o jantar estava saindo do forno. Estava com um terno embalado numa das mãos e um laptop numa maleta na outra. Estava preocupada que ele fosse para casa depois da sessão com o dr. Petersen, e fiquei aliviada quando recebi sua ligação avisando que estava a caminho. Ainda assim, quando abri a porta e pus os olhos nele, senti um calafrio. — Oi, ele disse baixinho enquanto me seguia até a cozinha. — O cheiro aqui está uma delícia. — Espero que você esteja com fome. Fiz um monte de comida, e acho que Cary não vai aparecer para ajudar a comer. Gideon deixou suas coisas perto do balcão e foi até mim com passos cautelosos, procurando meus olhos enquanto se aproximava. — Trouxe algumas coisas para passar a noite aqui, mas posso ir embora se você quiser. A qualquer hora. É só dizer. Expirei em uma bufada, determinada a não deixar o medo comandar minhas ações. — Quero que você fique. — E eu quero ficar. Ele parou ao meu lado. — Posso te abraçar? Eu me virei para ele e o apertei bem forte. — Por favor. Gideon apertou o rosto contra o meu e me abraçou. Não era um abraço gostoso e natural como de costume. Havia um desgaste entre nós, algo que nunca tínhamos experimentado juntos. 315 — Como você está?, ele murmurou. — Melhor agora que você chegou. — Mas ainda está nervosa. Ele beijou minha testa. — Eu também. Não sei como vamos conseguir dormir juntos de novo. Recuando um pouco, olhei bem para ele. Era o que eu temia também, e minha conversa com Cary não tinha ajudado muito. O cara é uma bomba—relógio... — Nós damos um jeito, respondi. Ele ficou em silêncio por um bom tempo. — Nathan já tentou entrar em contato com você? — Não. Ainda assim, eu morria de medo de encontrá—lo de novo algum dia, fosse por acidente ou deliberadamente. Ele estava em algum lugar do mundo, respirando o mesmo ar que eu... — Por quê? — Fiquei pensando sobre isso hoje. Dei um passo atrás para olhar seu rosto, e senti um nó na garganta ao perceber como estava chateado. — Por quê? — Porque existe um bocado de coisa entre nós. — Você está achando que é coisa demais? Ele sacudiu a cabeça. — Não consigo pensar assim. Eu não soube o que fazer, nem o que dizer. Que garantia poderia dar a ele se não sabia que meu amor e a necessidade que ele sentia de ficar comigo seriam suficientes para fazer nossa relação dar certo? — E você, está pensando em quê?, ele perguntou. — Na comida no forno. Estou morrendo de fome. Você pode perguntar a Cary se ele quer comer? Depois podemos jantar. Cary estava dormindo, então Gideon e eu jantamos na mesa à luz de velas depois que ele tomou banho, uma refeição um tanto formal para quem estava de camiseta velha e calça de pijama. Eu estava preocupada com Cary, mas precisava muito de um tempinho tranquilo a sós com Gideon. 316 — Almocei com Magdalene no escritório ontem, ele disse depois de começarmos a comer. — Ah, é? Então quer dizer que, enquanto eu saía atrás de um anel, Magdalene Perez estava a sós com meu namorado? — Não precisa ficar assim, ele me censurou. — Ela almoçou em um escritório dominado por suas flores, com você me mandando beijinhos da minha mesa. Você estava tão presente ali quanto ela. — Desculpe. O primeiro impulso é esse mesmo. Ele pegou minha mão e a beijou com força. — Fico aliviado por você ainda sentir ciúmes de mim. Suspirei. Meus sentimentos ficaram à flor da pele durante o dia todo; não conseguia me decidir sobre como me sentia a respeito de nada. — Você falou com ela sobre Christopher? — Foi por isso que a chamei para almoçar. Mostrei o vídeo pra ela. — Quê? Eu franzi a testa ao lembrar que meu telefone tinha ficado sem bateria no carro. — Como você fez isso? — Levei seu celular pro escritório e passei o vídeo pro computador. Você não reparou que eu o trouxe de volta pra cá ontem à noite, com a bateria carregada? — Não. Larguei os talheres. Dominante ou não, Gideon precisava que alguns limites bem claros para o espaço pessoal de cada um fossem estabelecidos. — Você não pode simplesmente hackear meu celular, Gideon. — Não precisei hackear nada. Não tem senha. — Não importa! Isso é invasão de privacidade, porra. Minha nossa... Por que ninguém conseguia entender que eu tinha direito a meu espaço? — Você gostaria que eu ficasse fuçando nas suas coisas? — Não tenho nada a esconder. Ele tirou seu celular do bolso da calça de moletom e entregou para mim. — E você também não deve ter. Eu não queria brigar num momento como aquele, em que as coisas estavam tão abaladas entre nós, mas não dava mais para relevar o assunto. — 317 Não interessa se tenho ou não alguma coisa a esconder. Tenho direito ao meu espaço e à minha privacidade, e você precisa pedir antes de ir atrás de informações a meu respeito e antes de mexer nas minhas coisas. Você precisa parar com essa mania de fazer de tudo sem minha permissão. — E o que aquele vídeo tinha a ver com privacidade?, ele perguntou franzindo a testa. — Foi você mesma que me mostrou. — Você está parecendo minha mãe, Gideon!, eu gritei. — Uma maluca pra mim já basta. Ele recuou diante de minha agressividade, claramente surpreso ao ver que eu estava chateada de verdade. — Está certo. Desculpe. Dei um gole no vinho, lutando para recuperar a tranquilidade. — Está se desculpando por ter me irritado? Ou por ter feito o que fez? Gideon demorou alguns instantes para responder. — Por ter irritado você. Ele não tinha entendido nada. — Você não consegue ver como isso é bizarro? — Eva. Ele suspirou e gesticulou. — Passo um tempão do meu dia dentro de você. Quando você estabelece esses limites, só consigo ver como uma coisa arbitrária. — Pois não tem nada de arbitrário. É importante pra mim. Se você quiser saber alguma coisa a meu respeito, precisa me perguntar. — Certo. — Não faça mais isso, avisei. — Não estou brincando, Gideon. Ele cerrou os dentes. — Está bem. Já entendi. Como eu realmente não estava a fim de brigar, retomei a conversa anterior. — O que ela falou quando viu o vídeo? Ele relaxou visivelmente. — Foi difícil, é claro. Principalmente por saber que eu já tinha visto. — Ela viu a gente na biblioteca. 318 — Não tocamos nesse assunto diretamente, mas o que eu poderia dizer? Não vou me desculpar por transar com minha namorada entre quatro paredes. Ele se recostou na cadeira e bufou. — Ver a cara de Christopher no vídeo... Ver exatamente o que ele pensa dela... Foi isso que a magoou. É difícil descobrir que está sendo usado dessa forma. Principalmente por alguém que você acha que conhece, que diz gostar de você. Para esconder minha reação, tratei de reabastecer as duas taças de vinho. Ele falou como se já tivesse sentido aquilo na pele. O que exatamente teria acontecido com Gideon? Depois de um rápido gole de vinho, perguntei: — E como você está lidando com isso?. — O que posso fazer? Durante anos, tentei conversar com Christopher de todas as maneiras. Já tentei dar dinheiro pra ele. Já tentei ameaçar meu irmão. Ele nunca mostrou o menor sinal de mudança. Percebi há muito tempo que o máximo que posso fazer é amenizar as consequências dos atos dele. E manter você à maior distância possível. — Agora que sei disso, vou fazer de tudo pra ficar longe. — Ótimo. Ele deu um gole no vinho, olhando-me por cima da taça. — Você não me perguntou como foi a consulta com o doutor Petersen. — Não é da minha conta. A não ser que você queira contar. Olhei bem pra ele, na esperança de que fizesse isso. — Estou aqui pra ouvir o que você quiser falar, mas não vou ficar insistindo. Quando estiver pronto pra se abrir comigo, fique à vontade. Mas adoraria saber se você gostou dele. — Por enquanto. Gideon sorriu. — Ele me faz falar várias vezes a mesma coisa. Poucas pessoas são capazes de me convencer disso. — Verdade. Ele faz a gente repensar e ver as coisas por outro ângulo, faz a gente refletir sobre por que não pensou naquilo antes. Os dedos de Gideon subiam e desciam pela haste da taça. — Ele me receitou um remédio para tomar antes de ir pra cama. Comprei no caminho pra cá. — Como você se sente a respeito de tomar remédios? 319 Ele me olhou com os olhos sombrios. — Acho que é algo necessário. Preciso de você e quero mantê-la segura, custe o que custar. O doutor Petersen disse que esse medicamento, combinado a terapia, tem ótimo resultado no tratamento de casos de parassonia sexual atípica. Não tenho por que duvidar disso. Eu me inclinei para a frente e apertei sua mão. Tomar remédios era um grande passo, principalmente para alguém que tinha evitado encarar o problema por tanto tempo. — Obrigada. Gideon retribuiu o aperto com força. — Ao que parece existe um monte de gente com esse problema em grupos de estudos do sono. Ele me contou sobre um caso documentado de um homem que atacou a esposa durante o sono por doze anos antes de procurar ajuda. — Doze anos? Minha nossa. — Eles demoraram tanto assim porque pelo jeito o cara transava melhor dormindo que acordado, Gideon complementou, sarcástico. — Se isso não é motivo para destruir o ego de alguém, não sei o que é. Olhei bem nos olhos dele. — Que merda. — Pois é. O sorriso irônico desapareceu de seu rosto. — Mas não quero forçar você a dormir comigo, Eva. Não existe remédio milagroso. Posso dormir no sofá ou ir pra casa, apesar de preferir o sofá. Meu dia fica melhor quando vamos juntos pro trabalho. — O meu também. Gideon pegou minha mão e a levou aos lábios. — Nunca imaginei que teria isso na minha vida... Alguém que sabe tanto sobre mim como você. Alguém que consegue conversar sobre meus traumas durante o jantar porque me aceita como sou... Muito obrigado por você existir, Eva. Meu coração quase parou, e uma dor gostosa se espalhou por meu peito. Ele sabia mesmo como dizer coisas bonitas, perfeitas. — Sinto a mesma coisa por você, figurão. E talvez mais, porque eu o amava. Mas não disse isso em voz alta. Algum dia ele chegaria lá. Eu não desistiria enquanto ele não fosse absoluta e irrevogavelmente meu. 320 Com os pés descalços sobre a mesa de centro e o computador no colo, Gideon parecia tão à vontade e relaxado que eu não conseguia prestar atenção na tevê. Como chegamos até aqui?, perguntei—me mentalmente. Esse homem absurdamente sexy e eu? — O que você está olhando?, ele murmurou sem tirar os olhos da tela do laptop. Mostrei a língua para ele. — Está se insinuando sexualmente pra mim, senhorita Tramell? — Como você consegue me ver enquanto está vidrado aí no computador? Ele desviou sua atenção da tela. Seus olhos azuis irradiavam poder e tesão. — Vejo você o tempo todo, meu anjo. Desde que nos encontramos pela primeira vez. Não tenho olhos pra mais nada além de você. A quarta-feira começou com o pau de Gideon me penetrando por trás, meu novo jeito favorito de acordar. — Ora, ora, eu disse com a voz rouca, esfregando os olhos para espantar o sono enquanto seu braço envolvia minha cintura e me puxava para mais perto de seu peito quente e forte. — Você está animadinho esta manhã. — E você está linda e gostosa todas as manhãs, ele murmurou, mordendo meu ombro. — Adoro acordar ao seu lado. Comemoramos a noite ininterrupta com uma bela sessão de orgasmos. Bem mais tarde naquele dia, fui almoçar com Mark e seu companheiro Steven em um restaurante mexicano delicioso escondido sob o nível da rua. Ao descer apenas alguns degraus de cimento, encontramos um restaurante surpreendentemente espaçoso e iluminado, com garçons e garçonetes muito bem vestidos. — Você precisa vir aqui qualquer dia com seu namorado, comentou Steven, — e pedir para ele te pagar uma margarita de romã. — É boa?, perguntei. 321 — Ô, se é. Quando a garçonete veio tirar nosso pedido, começou a paquerar descaradamente Mark, usando e abusando de seus olhos com cílios longos de fazer inveja. Mark entrou na dela. À medida que o tempo passava, a ruiva exuberante — cujo crachá informava que se chamava Shawna — foi ficando mais ousada, acariciando os ombros e a nuca dele toda vez que passava pela mesa. Ao mesmo tempo, as respostas de Mark foram ficando mais sugestivas, a ponto de olhar para Steven e ver seu rosto ficar vermelho e sua expressão mudar. Remexendo-me o tempo todo na cadeira, eu estava contando os minutos para que aquela refeição carregada de tensão terminasse logo. — Vamos sair juntos hoje à noite, Shawna disse para Mark ao trazer a conta. — Uma noite comigo e você está curado. Prendi a respiração. Não podia acreditar no que estava ouvindo. — Às sete horas está bom pra você?, perguntou Mark em um tom de voz sedutor. — Vou acabar com você, Shawna. Você nem imagina quanto tempo faz que... Engasguei com a água e comecei a tossir. Steven levantou correndo e foi até o outro lado da mesa bater nas minhas costas. — Que coisa, Eva, ele falou, aos risos. — Estamos só brincando com você. Não precisa se matar por nossa causa. — Quê?, perguntei quase sem fôlego, com os olhos cheios de lágrimas. Sorrindo, ele passou por trás de mim e abraçou a garçonete. — Eva, essa é minha irmã Shawna. Shawna, Eva é aquela que eu falei que está facilitando a vida de Mark. — Que ótimo, disse Shawna, — já que você não facilita a vida dele em nada. Steven piscou para mim. — É por isso que ele não me larga. Vendo os irmãos lado a lado, enfim captei a semelhança, que até então havia passado despercebida. Recostei-me na cadeira e estreitei os olhos para 322 Mark. — Isso foi golpe baixo. Pensei que Steven fosse ter um ataque. Mark levantou as mãos em sinal de rendição. — Foi ideia dele. Steven adora um drama, você sabe. Ele sorriu e rebateu: — Ora, Eva, você sabe que Mark é o mentor intelectual do nosso relacionamento.... Shawna tirou um cartão de visitas do bolso e entregou para mim. — Meu número está no verso. Dê uma ligadinha pra mim quando puder. Conheço os podres desses dois. Você pode dar o troco em grande estilo. — Traidora, acusou Steven. — Ei, Shawna encolheu os ombros. — As mulheres precisam se unir. Depois do trabalho, Gideon e eu fomos à academia dele. Angus nos deixou bem na frente e, quando entramos, o lugar estava bombando; até o vestiário estava lotado. Eu me troquei, guardei minhas coisas e encontrei Gideon no corredor. Acenei para Daniel, o instrutor com quem havia conversado na primeira visita à CrossTrainer, e levei um tapa na bunda por isso. — Ei, protestei, devolvendo o tapa na mão repressora de Gideon. — Pare com isso. Ele puxou meu rabo de cavalo, forçando minha cabeça para trás, e marcou seu território me dando um beijo profundo e lascivo. O jeito como ele puxou meu cabelo me deixou toda arrepiada. — Se essa é sua ideia de reprimenda, sussurrei com os lábios bem próximos dos dele, — fique sabendo que parece mais um incentivo. — Estou disposto a pegar mais pesado, se necessário. Ele mordeu meu lábio inferior. — Mas sugiro que você não teste meus limites dessa maneira, Eva. — Não se preocupe. Tenho outras maneiras de fazer isso. Gideon foi correr na esteira primeiro, proporcionando—me o prazer de ver seu corpo brilhando de suor... em público. Por mais que eu o visse assim o tempo todo em particular, era sempre uma visão e tanto. 323 E, minha nossa, como ele ficava lindo com o cabelo todo para trás... Seus músculos flexionados sob a pele levemente bronzeada... A graciosidade poderosa de seus movimentos... Ver aquele homem elegantérrimo tirar o terno e mostrar seu lado animal me deixava cheia de tesão. Eu não conseguia parar de olhar, e ainda bem que não precisava. Ele era meu, afinal de contas, uma constatação que fez um calor subir por meu corpo. Além disso, as outras mulheres da academia estavam fazendo o mesmo. Quando ele trocava de aparelho, dezenas de olhos admirados o seguiam. Quando ele me surpreendia nesses momentos, eu lançava um olhar sugestivo e passava a língua pelos lábios. Sua sobrancelha erguida e seu meio-sorriso perverso me provocaram um frio na barriga. Não me lembro de algum dia ter tido tanta disposição para malhar. Uma hora e meia passavam voando. Quando voltamos para o Bentley a caminho da cobertura, eu não conseguia parar quieta no assento. Lançava olhares e mais olhares insinuantes para Gideon. Ele segurou minha mão. — Você vai ter que esperar. Tomei um susto ao ouvir aquilo. — Quê? — Você ouviu muito bem. Ele beijou meus dedos e teve a cara de pau de abrir um sorriso pervertido. — Vamos prolongar o estado de excitação, meu anjo. — E por que faríamos isso? — Imagine o quanto vamos estar malucos um pelo outro depois do jantar. Cheguei mais perto para que Angus não me ouvisse, apesar de saber que ele era profissional o bastante para ignorar nossas conversas. — A gente nem precisa prolongar a espera pra ficar maluco... Mas ele não cedeu. Em vez disso, deu início a um processo de tortura. Despimos um ao outro e entramos no chuveiro, acariciando as curvas e as reentrâncias de nossos corpos. Depois nos vestimos para o jantar. Ele estava 324 todo formal, mas dispensou a gravata. Sua camisa imaculadamente branca estava aberta no colarinho, revelando um pouco de pele. O vestido que ele reservou para mim era um Vera Wang champanhe com bustiê sem alça, costas abertas e uma saia pregada que ia até um pouco acima dos joelhos. Sorri quando ele olhou para mim, sabendo que ficaria maluco me vendo naquele vestido a noite inteira. Era maravilhoso e eu tinha adorado, mas foi feito para ser usado por modelos bem altas e magras, e não por mulheres baixinhas e cheias de curvas. Em um acesso de vergonha, eu havia deixado meu cabelo cair por cima dos seios, mas não tinha adiantado muito, conforme a expressão de Gideon indicava. — Minha nossa, Eva. Ele se ajeitou dentro da calça. — Mudei de ideia sobre o vestido. Você não deveria usar isso em público. — Agora é tarde demais pra mudar de ideia. — Pensei que ele tivesse mais pano que isso. Encolhi os ombros, sorrindo. — Não posso fazer nada. Foi você que comprou. — Mas eu me arrependi. Quanto tempo você demora pra tirar? Passando a língua pelo lábio, respondi. — Não sei. Por que você não tenta descobrir? Ele ficou sério. — Nós nem sairíamos de casa se eu fizesse isso. — Eu não ia reclamar. Ele estava lindo, e eu — como sempre — morria de tesão. — Não tem um casaco que você possa vestir por cima? Uma parca, talvez? Ou um sobretudo? Aos risos, peguei minha bolsinha de mão na gaveta e dei o braço para ele. — Não se preocupe. Vai estar todo mundo ocupado demais olhando pra você. Ninguém vai nem reparar em mim. Ele me olhou feio quando o arrastei para fora do quarto. — Estou falando sério. Seus peitos cresceram? Eles estão quase pulando pra fora da roupa. 325 — Tenho vinte e quatro anos, Gideon, eu disse, irônica. — Já parei de me desenvolver faz tempo. Você está me vendo como sou. — Sim, mas eu deveria ser o único a ver, já que sou o único que tem acesso liberado a você. Quando chegamos à sala, durante o tempinho mínimo que demoramos para ir até o elevador, admirei a beleza sóbria da casa de Gideon. Era deliciosamente acolhedora. O charme europeu da decoração em estilo antigo era para lá de elegante, além de muito confortável. A vista magnífica das janelas com arcadas complementava o ambiente, sem destoar dele. A mistura de tons escuros de madeira e de pedra, cores vivas e toques vívidos de joias era claramente um luxo dos mais caros, assim como as obras de arte penduradas na parede, mas de muito bom gosto. Ali ninguém se sentiria temeroso de tocar nas coisas, ou pouco à vontade na hora de se sentar, com medo de estragar alguma antiguidade. A casa dele não era esse tipo de lugar. Entramos no elevador privativo e Gideon me encarou quando as portas se fecharam. Ele foi logo tentando puxar meu vestido para cima. — Se você puxar muito, avisei, — logo mais o que vai aparecer vai ser minha calcinha. — Droga. — Isso pode ser divertido. Posso fazer o papel da loirinha piranha que só quer saber do seu pau e do seu dinheiro, e você pode fazer seu próprio papel — do playboy bilionário exibindo o brinquedinho novo. É só parecer entediado e tolerante enquanto eu me esfrego em você e fico tagarelando sobre suas imensas qualidades. — Isso não tem graça. Logo depois seus olhos brilharam. — Que tal uma echarpe? Quando chegamos ao jantar em benefício da construção de um abrigo de emergência para mulheres e crianças vítimas de abuso, tivemos que passar por um tapete vermelho repleto de fotógrafos, o que me provocou uma crise de medo do excesso de exposição. Concentrei-me em Gideon, porque nada era 326 melhor para me fazer esquecer de todo o resto do que ele. E, exatamente por estar prestando tanta atenção nele, pude ver quando o homem que me levou até ali se transfigurou em sua persona pública. A máscara cobriu seu rosto com naturalidade. Seus olhos perderam o brilho, sua boca sensual ficou séria. Dava quase para sentir seu poder de isolamento envolvendo nós dois. Havia um escudo entre nós e o restante do mundo, simplesmente porque aquela era a vontade dele. Caminhando ao seu lado, eu sabia que alguém só teria coragem de se aproximar caso recebesse algum sinal de aprovação expressa. Mas o aviso de — mantenha distância não se estendia aos olhares. Gideon fez os pescoços se torcerem ao entrar no salão. Eu me contraí toda ao notar a atenção que ele estava atraindo, enquanto permanecia impassível. Se eu tinha em mente ficar tagarelando sobre Gideon enquanto me esfregava nele, era melhor entrar na fila. No momento exato em que paramos de andar, fomos cercados por todos os lados. Eu me afastei para abrir espaço àquelas pessoas ansiosas por sua atenção e circulei por ali à procura de uma taça de champanhe. A Waters Field & Leaman tinha participado da campanha de divulgação do evento criando um anúncio, e eu vi por ali alguns rostos conhecidos. Tinha acabado de tirar uma taça da bandeja de um garçom que passava por ali quando ouvi alguém chamar meu nome. Ao me virar, dei de cara com o sobrinho de Stanton e seu enorme sorriso, seus cabelos escuros e seus olhos verdes. Ele era mais ou menos da minha idade. Tínhamos nos conhecido em uma das visitas à minha mãe durante as férias da faculdade, e fiquei feliz em vê-lo. — Martin! Eu o cumprimentei com um rápido abraço. — Como vão as coisas? Você está um gato. — Eu ia dizer a mesma coisa. Ele me olhou, apreciando meu vestido. — Ouvi dizer que você tinha se mudado pra Nova York e estava querendo te encontrar. Faz tempo que está aqui? — Não muito. Algumas semanas. 327 — Termine seu champanhe e vamos dançar, ele disse. O espumante ainda estava borbulhando alegremente pelo meu corpo quando fomos para a pista de dança ao som de Billie Holiday cantando — Summertime. — E então, ele começou, — está trabalhando? Enquanto dançávamos, contei sobre meu emprego e perguntei o que ele estava fazendo. Não fiquei nada surpresa ao ouvir que ele trabalhava no banco de investimentos de Stanton e estava se saindo muito bem. — Adoraria ir até Manhattan um dia desses almoçar com você, ele disse. — Seria ótimo. Dei um passo atrás quando a música terminou e acabei esbarrando em alguém. Suas mãos agarraram minha cintura para que eu não me desequilibrasse, e quando olhei sobre os ombros vi que era Gideon. — Olá, ele cumprimentou, lançando um olhar gelado para Martin. — Nos apresente. — Gideon, esse é Martin Stanton. Nós nos conhecemos há um bom tempo. Ele é sobrinho do meu padrasto. Respirei fundo antes de continuar. — Martin, esse é o homem da minha vida no momento, Gideon Cross. — Cross. Martin sorriu e estendeu a mão. — Sei quem você é, claro. Prazer em conhecer. Pelo jeito, em breve vou começar a encontrar vocês nas reuniões de família. Gideon apoiou o braço no meu ombro. — Pode contar com isso. Martin foi chamado por algum conhecido, e se inclinou para a frente para me dar um beijo na bochecha. — Eu ligo para combinar aquele almoço. Semana que vem, pode ser? — Claro. Eu sentia toda a energia de Gideon pulsando bem ao meu lado, mas, quando me virei, ele parecia tranquilo e impassível. Gideon me tirou para dançar ao som de — What a Wonderful World, na voz de Louis Armstrong. — Não sei se gostei dele, murmurou. — Martin é um cara legal. 328 — Desde que ele saiba que você é minha... Ele me deu um beijo na testa e posicionou sua mão no decote nas costas do meu vestido, pele com pele. Segurando-me daquele jeito, ninguém ousaria duvidar que eu pertencia a ele. Gostei da oportunidade de ficar tão próxima de seu corpo maravilhoso em público. Respirando bem perto dele, deixei-me levar por sua conduta firme. — Adoro isso. Acariciando-me com o rosto, ele murmurou: — E é pra gostar mesmo. Uma enorme alegria. Durou o mesmo tempo que a dança. Estávamos saindo da pista quando vi Magdalene parada em um canto. Demorei um tempo para reconhecê-la, porque ela havia cortado o cabelo curtinho. Estava elegante e cheia de classe em seu vestidinho preto, mas era totalmente eclipsada pela morena lindíssima com quem conversava. Gideon hesitou diante delas, reduzindo um pouco o ritmo da passada antes de seguir adiante. Eu estava olhando para baixo, imaginando que havia algum obstáculo no chão, quando ele disse baixinho: — Preciso apresentar você a alguém. Voltei a prestar atenção ao lugar para onde nos dirigíamos. A mulher ao lado de Magdalene viu Gideon e se virou para olhá-lo. Senti seu antebraço se enrijecer sob meus dedos no instante em que seus olhares se encontraram. Dava para entender por quê. Fosse quem fosse, aquela mulher estava completamente apaixonada por ele. Isso estava estampado em seu rosto e em seus magníficos olhos azuis. Sua beleza era estonteante, quase surreal. Seus cabelos eram pretíssimos, grossos e lisos, e iam quase até a cintura. Seu vestido tinha o mesmo tom glacial de seus olhos, envolvendo seu corpo longilíneo de curvas perfeitas e sua pele dourada, bronzeada de sol. — Corinne, ele a saudou, e a rouquidão natural de sua voz se tornou ainda mais pronunciada. Ele me soltou e pegou as mãos dela. — Você não me disse que já estava de volta. Eu teria ido te buscar. — Deixei algumas mensagens no seu telefone, ela disse, com o tom de 329 voz tranquilo de uma pessoa culta e bem-educada. — Ah, eu quase não parei em casa ultimamente. Isso fez Gideon lembrar que eu estava ao seu lado, e ele a soltou e me puxou mais para perto. — Corinne, esta é Eva Tramell. Eva, Corinne Giroux. Uma velha amiga. Estendi a mão e ela me cumprimentou. — Qualquer amiga de Gideon é amiga minha também, ela disse com um sorriso ameno no rosto. — Espero que isso se aplique a namoradas também. Ela me olhou como se já soubesse de tudo. — Principalmente a namoradas. Se você me permitir, gostaria de apresentar Gideon a uma pessoa. — Claro. Minha voz soava calma e controlada, mas eu estava bem longe disso. Ele me deu um beijo indiferente na testa e ofereceu o braço a Corinne antes de se afastar com ela, deixando-me embaraçosamente ao lado de Magdalene. Senti pena dela, sinceramente. Parecia abandonada e desolada. — Seu cabelo ficou uma graça, Magdalene. Ela olhou para mim sem abrir a boca, mas depois atenuou a situação com um suspiro que me pareceu carregado de resignação. — Obrigada. Estava na hora de mudar. Muitas coisas, aliás. Além disso, não havia por que continuar imitando o visual dela agora que voltou. Franzi a testa, confusa. — Não entendi. — Estou falando de Corinne. Ela olhou bem para mim. — Ah, você não sabe. Ela e Gideon foram noivos por mais de um ano. Ela terminou tudo, casou com um ricaço francês e se mudou para a Europa. Mas o casamento não deu certo. Eles estão se divorciando, e ela voltou pra Nova York. Noivo. Senti meu rosto ficar pálido e meu olhar se dirigir para o homem que eu amava, ao lado da mulher que um dia ele havia amado, com as mãos na parte inferior de suas costas para conduzi-la enquanto ela se inclinava em sua direção aos risos. 330 Senti meu estômago se revirar de ciúme e de medo, e foi quando me dei conta de que nunca havia me perguntado se ele já havia tido uma relação romântica antes de mim. Idiota. Lindo como era, eu deveria ter imaginado. Magdalene pôs a mão no meu ombro. — É melhor você se sentar, Eva. Está pálida. Eu estava mesmo ofegante, com os batimentos cardíacos perigosamente acelerados. — Verdade. Sentei na primeira cadeira que encontrei. Magdalene se acomodou ao meu lado. — Você está apaixonada por ele, ela disse. — Eu não sabia. Desculpe. E desculpe pelo que disse a você no dia em que nos conhecemos. — Você também está apaixonada por ele, respondi, sem nenhuma emoção, com os olhos fora de foco. — E naquela época eu não estava. Ainda não. — Isso não justifica o que eu fiz. Aceitei de bom grado uma taça de champanhe e peguei uma para Magdalene antes que o garçom se afastasse. Brindamos em um gesto patético de solidariedade feminina. Eu queria sumir dali. Queria levantar e ir embora. Queria que Gideon percebesse que eu tinha ido, e que fosse atrás de mim. Queria que ele sentisse a mesma dor que eu. Ideias idiotas, imaturas e dolorosas povoavam minha mente e faziam com que eu me sentisse a mais insignificante das mulheres. Consolei-me com o fato de Magdalene estar ali comigo. Ela sabia o que significava ser apaixonada demais por Gideon. Senti que ela estava tão infeliz quanto eu, o que só confirmava o tamanho da ameaça representada por Corinne. Ele estava sofrendo esse tempo todo por ela? Era por isso que tinha se fechado de tal forma para outras mulheres? — Aí está você. Olhei para Gideon quando ele me encontrou. Obviamente, Corinne 331 ainda estava pendurada em seu braço, e pude observar bem o efeito que causavam como um casal. Eles ficavam insuportavelmente maravilhosos juntos. Corinne se sentou ao meu lado e Gideon acariciou meu rosto com os dedos. — Preciso ir falar com uma pessoa, ele disse. — Quer que eu traga alguma coisa pra você na volta? — Stoli com suco de cranberry. Dose dupla. Eu precisava de alguma coisa para me entorpecer. E muito. — Certo. Ele franziu a testa antes de se afastar. — Estou tão feliz em te conhecer, Eva, disse Corinne. — Gideon falou muito sobre você. — Não pode ter sido tanto assim. Vocês mal tiveram tempo de conversar. — Conversamos quase todos os dias. Ela sorriu, e não havia nada de falso ou malicioso em seu rosto. — Somos amigos há muito tempo. — Mais que amigos, Magdalene fez questão de dizer. Corinne olhou feio para Magdalene, e eu percebi que sua intenção era esconder essa informação de mim. Teria sido ideia dela ou de Gideon, ou dos dois em comum acordo? Por que omitir algo se não havia nada a esconder? — Sim, é verdade, ela admitiu, visivelmente relutante. — Mas já faz alguns anos. Eu me virei na cadeira para encará-la. — Você ainda é apaixonada por ele. — Bom, você não pode me culpar. Qualquer mulher que passa algum tempo com ele acaba apaixonada. Ele é lindo e inacessível. Uma combinação irresistível. Seu sorriso arrefeceu. — Gideon me disse que você o encorajou a começar a se abrir mais. Agradeço por isso. Por pouco não respondi: Não fiz isso pra você. Foi quando uma dúvida insidiosa se instalou na minha cabeça, abrindo espaço para que uma de minhas vulnerabilidades tomasse conta de meu pensamento. 332 E se eu tiver feito isso para ela sem saber? Eu girava sem parar a base da taça vazia de champanhe sobre a mesa. — Ele ia casar com você. — E foi o maior erro da minha vida ter terminado tudo. Ela pôs a mão sobre a garganta. Seus dedos se mexiam sem parar, como se brincassem com um colar que na maior parte do tempo estava lá. — Eu era jovem, e em certas situações tinha medo dele. Era possessivo demais. Só depois de me casar descobri que a possessividade é melhor que a indiferença. Pelo menos pra mim. Olhei para o outro lado, lutando contra a ânsia de vômito que subia por minha garganta. — Você está tão quieta, ela comentou. — O que ela poderia dizer?, soltou Magdalene. Estávamos todas apaixonadas por ele. E disponíveis para ele. No fim, Gideon teria que escolher uma de nós. — Uma coisa você deve saber, Eva, recomeçou Corinne, lançando sobre mim seus olhos límpidos verde-azulados, — ele me contou o quanto te considera especial. Precisei de um tempo para tomar coragem de voltar e ver vocês juntos. Cheguei inclusive a cancelar a viagem umas duas semanas atrás. Liguei para Gideon no meio de um evento em que ele daria um discurso, coitadinho, pra dizer que estava voltando e precisava de ajuda pra me instalar aqui. Fiquei paralisada, sentindo-me frágil como uma taça de cristal rachada. Ela devia estar falando da noite em que Gideon e eu fizemos sexo pela primeira vez. Da noite em que estreamos sua limusine e ele imediatamente se retraiu todo, deixando-me sozinha logo depois. — Quando ele me ligou de volta, ela continuou, — disse que tinha conhecido alguém. Que queria me apresentar a você quando eu chegasse. Acabei me acovardando. Ele nunca havia me pedido pra conhecer uma mulher com quem estava. Ai, meu Deus. Dei uma olhada de relance para Magdalene. Gideon 333 tinha me abandonado naquela noite por causa dela. De Corinne. 334 21 — Com licença. Saí da mesa à procura de Gideon. Vi que estava no bar e fui até lá. Ele estava agradecendo ao barman com dois copos na mão quando o abordei. Peguei meu copo e virei em um gole, sentindo meus dentes doerem ao toque dos cubos de gelo. — Eva... Havia um leve tom de reprimenda em sua voz. — Estou indo embora, eu disse sem rodeios, passando ao seu lado para deixar o copo vazio no balcão. — Não considero isso uma fuga, porque estou avisando com antecedência, e você pode ir comigo se quiser. Ele bufou, deixando bem claro que entendia o motivo do mau humor. Ele sabia que eu sabia. — Não posso ir embora agora. Virei as costas. Ele me pegou pelo braço. — Não vou conseguir ficar se você for embora. Você não tem por que ficar chateada, Eva. — Ah, não? Olhei para o ponto em que sua mão me agarrava. — Eu avisei que era ciumenta. E, desta vez, você me deu uma boa razão pra isso. — Só porque me avisou você acha que pode dar uma de ridícula? Seu rosto estava relaxado e seu tom de voz, calmo e controlado. Ninguém seria capaz de notar à distância a tensão que havia entre nós, mas seus olhos diziam tudo. Brilhavam de fúria e luxúria. Ele era muito bom em combinar as duas coisas. 335 — Ridícula, é? E o que você fez com Daniel, o instrutor da academia? Ou com Martin, um membro da minha família? Cheguei mais perto e sussurrei: — Eu nunca trepei com nenhum dos dois, muito menos concordei em me casar com eles! E pode ter certeza de que não converso todo santo dia com nenhum deles!. Em um gesto abrupto, ele me agarrou pela cintura e me puxou para perto. — Você precisa ser comida agora mesmo, ele cochichou no meu ouvido, mordendo a ponta da minha orelha. — Não devia ter feito você esperar. — Vai ver você fez tudo de caso pensado, rebati. — Estava se poupando pro caso de uma velha chama se acender e você preferir trepar com outra pessoa. Gideon virou sua bebida e depois me segurou pela cintura com toda a força antes de me conduzir até a porta. Ele sacou o celular do bolso e chamou a limusine. Quando chegamos à rua, o carro já estava lá. Gideon me empurrou porta adentrou e ordenou para Angus: — Dê umas voltas no quarteirão até eu mandar parar. Ele entrou logo depois de mim, tão perto que eu conseguia sentir sua respiração contra as minhas costas nuas. Pulei para o outro assento, determinada a manter distância dele... — Pare com isso, ele gritou. Caí de joelhos no assoalho acarpetado, com a respiração acelerada. Eu poderia correr até o fim do mundo, mas ainda assim não ia escapar do fato de que Corinne Giroux era uma companhia muito melhor para Gideon do que eu. Era calma e elegante, uma presença tranquilizadora até para mim — a pessoa que estava surtando ao tomar conhecimento de sua existência. Meu pior pesadelo. Sua mão se enrolou em meus cabelos soltos, prendendo-me. Suas pernas abertas envolveram as minhas, puxando-me com tanta força que minha cabeça encostou em seu ombro. — Vou fazer agora uma coisa de que nós dois precisamos, Eva. Vamos trepar até essa tensão se dissipar o suficiente para podermos voltar para o jantar. E não se preocupe com Corinne, porque, enquanto ela fica lá dentro, vou estar aqui, dentro de você. 336 — Está bem, sussurrei, passando a língua por meus lábios secos. — Você esqueceu quem é que manda aqui, Eva, ele falou asperamente. — Abri mão do controle por sua causa. Cedi e ajustei meu comportamento pra você. Faço qualquer coisa pra deixar você feliz. Mas não aceito cabresto nem chicote. Não confunda minha boa vontade com fraqueza. Engoli em seco, com o sangue fervendo por ele. — Gideon... — Estique as mãos e se segure na barra debaixo da janela. Não solte até eu mandar, entendeu? Fiz conforme ele mandou, segurando a barra com revestimento de couro. Quando minhas mãos se fixaram ali, meu corpo voltou à vida, fazendo-me perceber o quanto de fato precisava daquilo. Ele me conhecia tão bem, meu amor. Enfiando as mãos sob a parte de cima do meu vestido, Gideon agarrou meus seios inchados e sedentos. Quando apertou e girou meus mamilos, minha cabeça se jogou para trás em sua direção, com a tensão à flor da pele. — Minha nossa. Ele esfregou a boca contra a minha têmpora. — É tão perfeito quando você se entrega assim pra mim... quando se abre todinha, como se dependesse disso pra viver. — Me fode, implorei, sentindo uma necessidade aguda dessa ligação entre nós. — Por favor. Ele soltou meu cabelo, enfiou a mão por baixo do meu vestido e arrancou a minha calcinha. Seu paletó passou voando por mim e aterrissou no assento; depois suas mãos encontraram o caminho até o meio das minhas pernas. Ele soltou um grunhido ao sentir que eu estava toda molhada. — Você foi feita pra mim, Eva. Não consegue ficar muito tempo sem me sentir dentro de você. Ainda assim ele continuava me provocando, explorando-me com os dedos, espalhando a umidade por meu clitóris e meus lábios vaginais. Depois enfiou dois dedos em mim e os abriu como uma tesoura, preparando-me para receber seu pau grande e grosso. — Você me quer, Gideon?, perguntei ofegante, louca para me mexer 337 ao ritmo de seus dedos, mas impedida pela distância por ter que permanecer agarrada à barra de apoio. — Mais do que o ar que eu respiro. Seus lábios se mexiam perto do meu pescoço, por cima do meu ombro, e o calor de sua língua aveludada passava sedutoramente por minha pele. — Também não consigo ficar sem você, Eva. Você é meu vício... minha obsessão... Seus dentes se encravaram de leve na minha pele, combinando seu desejo animal com um ruído brutal de desejo. Enquanto ele me penetrava com os dedos, sua outra mão massageava meu clitóris, fazendo-me gozar de novo e de novo com aquela estimulação simultânea. — Gideon!, gritei quase sem fôlego quando meus dedos úmidos começaram a escorregar da barra revestida em couro. Suas mãos me soltaram e ouvi o ruído excitante de seu zíper baixando. — Pode soltar e deitar com as pernas abertas. Deitei-me e ofereci o meu corpo para ele tremendo de ansiedade. Gideon me olhou nos olhos, e seu rosto se iluminou com os faróis de um carro que passava. — Não tenha medo. Ele subiu em cima de mim, soltando seu peso com um cuidado escrupuloso. — Estou com tesão demais pra sentir medo. Eu o agarrei e lancei meu corpo para cima a fim de ficar mais perto do dele. — Quero você. A cabeça de seu pau se esfregava nos lábios do meu sexo. Flexionando os quadris, ele entrou em mim, expirando o ar junto comigo em uma sincronia marcante. Fiquei toda mole em cima do assento, com os dedos apoiados contra sua cintura estreita. — Eu te amo, sussurrei, observando seu rosto enquanto ele começava a se mexer. Cada pedacinho da minha pele queimava como se eu estivesse sob o sol, e meu peito estava tão apertado que a respiração ficava difícil. — E preciso de você, Gideon. — Eu sou seu, ele murmurou enquanto seu pau entrava e saía. — Não poderia ser mais seu. 338 Estremeci e fiquei toda tensa. Meus quadris se remexiam sem cessar na direção de suas estocadas ritmadas. Cheguei ao clímax com um grito abafado, toda arrepiada enquanto o orgasmo se espalhava por meu sexo, ordenhando seu membro até ele soltar um grunhido e começar a meter com ainda mais força. — Eva. Eu me mexia de encontro a suas estocadas ferozes, incitando-o a continuar. Ele me agarrou com força e começou a se mover mais rápido. Minha cabeça se sacudia de um lado para o outro e eu gemia sem o menor pudor, adorando aquela sensação dele dentro de mim, aquela impressão volátil de ser possuída e brutalmente saciada. Estávamos malucos um pelo outro, trepando como animais selvagens, e eu estava tão em sintonia com nosso desejo furioso que pensei que ia morrer ao sentir mais um orgasmo começar a crescer dentro de mim. — Você é tão bom nisso, Gideon. Tão bom... Ele agarrou minha bunda e me puxou para trás contra sua investida violenta, chegando até o fundo, expulsando um gemido esbaforido de dor e prazer da minha garganta. Gozei mais uma vez, grudando meu corpo ao dele com todas as minhas forças. — Meu Deus, Eva. Com um rugido áspero, ele entrou violentamente em erupção, inundando-me com seu calor. Pressionando meus quadris, ele me deixou imóvel e se esvaziou dentro de mim na maior profundidade que foi capaz de alcançar. Quando terminamos, ele respirou fundo e ajeitou meus cabelos com as mãos, beijando meu pescoço suado. — Queria que você soubesse o que me faz. Queria saber explicar. Eu o abracei com toda a força. — Não consigo deixar de fazer coisas idiotas por sua causa. É mais do que consigo suportar, Gideon. É... — ...Incontrolável. Ele começou tudo de novo, com estocadas ritmadas. Pelo simples prazer de fazê-lo. Como se tivéssemos todo o tempo do mundo. Inchando e crescendo a cada investida. 339 — E você precisa estar no controle. Perdi o fôlego quando ele atingiu um ponto particularmente sensível. — Preciso de você, Eva. Seus olhos permaneciam grudados nos meus enquanto ele se mexia dentro de mim. — Preciso de você. Gideon não saiu mais do meu lado, e não permitiu que eu me afastasse dele, pelo resto da noite. Seu braço direito permaneceu unido ao meu inclusive durante o jantar. Mais uma vez, ele preferiu comer com uma só mão a ter de me largar. Corinne — que havia se sentado ao seu lado na nossa mesa — o encarou com um olhar de curiosidade. — Não lembrava que você era canhoto. — Não sou, ele respondeu, levantando nossas mãos unidas até a boca e beijando meus dedos. Senti-me tola e insegura quando ele fez isso — e envergonhada por Corinne ter visto aquilo. Infelizmente, sua disposição a gestos românticos não impediu que ele passasse o jantar inteiro conversando com ela, não comigo — o que me deixou impaciente e infeliz. Eu estava vendo mais as costas de Gideon do que seu rosto. — Pelo menos não é frango. Virei-me para ver o homem sentado ao meu lado. Estava tão preocupada em tentar ouvir a conversa de Gideon que nem prestei atenção ao restante da mesa. — Eu gosto de frango, foi minha resposta. E tinha gostado da tilápia servida no jantar — e limpado o prato. — Não de frango de borracha, com certeza. Ele sorriu, o que o fez parecer bem mais jovem do que seus cabelos grisalhos sugeriam. — Ah, um sorriso, ele murmurou. — E muito bonito, por sinal. — Obrigada. Eu me apresentei. — Doutor Terrence Lucas, ele respondeu. — Mas prefiro Terry. — Doutor Terry. Prazer em conhecer. Ele abriu outro sorriso. — Só Terry, Eva. 340 Durante os poucos minutos em que conversamos, convenci-me de que o dr. Lucas não era muito mais velho que eu, apenas prematuramente grisalho. Além disso, seu rosto era liso e bonito, e seus olhos verdes eram inteligentes e gentis. Minha estimativa quanto à sua idade foi revista para uns trinta e tantos. — Você parece tão entediada quanto eu, ele comentou. — Esses eventos levantam dinheiro por uma boa causa, mas são um pé no saco. Quer ir comigo até o bar? Eu te pago uma bebida. Tentei fazer com que Gideon soltasse minha mão sob a mesa. Ele a apertou ainda mais. — O que está fazendo?, ele murmurou. Vi que ele estava virado para mim. Depois acompanhei seu olhar até chegar ao dr. Lucas, que estava de pé atrás de nós. Gideon fechou a cara visivelmente. — Ela vai aliviar o tédio de ser ignorada, Cross, disse Terry, apoiando as mãos sobre o encosto da minha cadeira, — vai doar um pouco de seu tempo a alguém que ficaria feliz em dedicar sua atenção a uma linda mulher. Senti-me imediatamente desconfortável diante da animosidade crescente entre os dois. Puxei minha mão, mas Gideon não me largou. — Suma daqui, Terry, Gideon alertou. — Você estava tão entretido com a senhora Giroux que nem reparou que eu estou sentado nesta mesa. Terry abriu um sorriso tenso. — Vamos, Eva? — Paradinha aí, Eva. Estremeci ao ouvir seu tom de voz, mas estava magoada o bastante para dizer: — Não é culpa dele. Ele está certo. Gideon apertava tanto minha mão que até doía. — Não vamos discutir isso agora. O olhar de Terry se voltou para mim. — Você não é obrigada a aturar esse tipo de tratamento. Nem todo o dinheiro do mundo dá a ele o direito de tratar alguém assim. 341 Furiosa e terrivelmente envergonhada, eu me virei para Gideon. — Crossfire. Não sabia ao certo se podia usar a palavra de segurança fora do quarto, mas ele me soltou assim que a ouviu. Empurrei a cadeira para trás e joguei meu guardanapo no prato. — Com licença. Vocês dois. Com a bolsa na mão, saí de perto da mesa com passos firmes e decididos. Fui até o banheiro para retocar a maquiagem e me recompor, mas, assim que vi que havia uma saída ali, meu desejo de sumir dali falou mais alto. Tirei o celular da bolsa ao chegar à calçada e mandei uma mensagem para Gideon: Não estou fugindo. Só indo embora. Consegui pegar um táxi que passava por ali e fui acalmar minha raiva em casa. Quando cheguei ao apartamento, tudo o que eu queria era uma banheira quente e uma garrafa de vinho. Ao pôr a chave na porta e virar a maçaneta, porém, dei de cara com um set de filmagens de cinema pornô. Durante os poucos segundos que meu cérebro precisou para registrar o que meus olhos estavam vendo, fiquei parada na entrada do apartamento, inundando o corredor atrás de mim com o som estridente do tecnopop. Havia tantas partes de corpos envolvidas que eu tive tempo de bater a porta com força antes de montar o quebra-cabeça. Uma mulher estava deitada de pernas abertas no chão. Outra estava debruçada sobre ela, chupando-a. Cary estava mandando ver nela com força, enquanto outro cara o comia por trás. Olhei para cima e soltei o berro mais alto que consegui, incapaz de esconder que estava de saco cheio de todas as pessoas que faziam parte da minha vida. Como o ruído da música ainda estava competindo comigo, tirei um dos sapatos e joguei no aparelho de som. O CD pulou, o que interrompeu a sessão de ménage à quatre que acontecia no chão da minha sala e chamou a atenção para minha presença. Passei por cima deles e desliguei o som antes de encará-los. — Fora da minha casa, gritei. — Agora. — Quem é essa aí?, perguntou a ruiva na base da pirâmide. — Sua 342 mulher? Por um breve momento, pude ver a vergonha e a culpa no rosto de Cary, mas logo depois ele abriu um sorriso arrogante. — Minha colega de apartamento. Tem lugar pra mais uma, gata. — Cary Taylor. Não me provoque, alertei. — Você não me pegou num bom dia. Não mesmo. O homem de cabelos escuros que estava atrás de Cary saiu de cima dele e veio para o meu lado. À medida que ele se aproximava, vi que seus olhos castanhos estavam absurdamente dilatados e que as veias de seu pescoço pulsavam enlouquecidamente. — Posso salvar o seu dia, ele ofereceu com um sorrisinho. — Não vem que não tem. Ajustei minha postura, preparando-me para atacá—lo fisicamente se fosse preciso. — Deixe ela em paz, Ian, Cary gritou, pondo-se de pé. — Qual é, gata, Ian continuou, deixando-me enojada ao usar o mesmo tratamento que Cary usava para se referir a mim. — Você precisa se divertir um pouco. Pode confiar em mim. Por um instante ele chegou a ficar a poucos centímetros de mim. No momento seguinte, estava caindo no sofá com um grito. Gideon se colocou entre mim e todos os outros, tremendo de raiva. — Vá terminar isso no quarto, Cary, ele mandou. — Ou então em outro lugar. Ian estava se contorcendo no sofá, com o nariz jorrando sangue apesar das duas mãos que tentavam estancá-lo. Cary apanhou seu jeans, que estava no chão. — Você não é minha mãe, Eva. Dei um passo à frente e fiquei lado a lado com Gideon. — Ter estragado tudo com Trey não serviu de lição pra você, seu imbecil do caralho? — Isso não tem nada a ver com Trey! — Quem é Trey?, perguntou a loira curvilínea ao se levantar. Quando conseguiu olhar melhor para Gideon, ela se abriu toda, mostrando seu corpo 343 belíssimo. Seus esforços renderam apenas um olhar tão carregado de desprezo que ela enfim teve a decência de corar de vergonha e se cobrir com um vestido dourado que apanhou do chão. Aproveitando minha disposição para briga, lancei uma provocação: — Não leve a mal, não. Ele prefere as morenas. O olhar que Gideon lançou para mim foi assustador. Eu nunca o tinha visto assim tão perturbado. Ele estava literalmente a um passo de uma explosão de violência. Assustada por aquele olhar, involuntariamente dei um passo atrás. Ele soltou palavrões furiosos e passou as duas mãos pelos cabelos. Sentindo-me subitamente esgotada e decepcionadíssima com os homens da minha vida, virei as costas para tudo aquilo. — Não quero essa putaria dentro da minha casa, Cary. Tomei o caminho do corredor, largando o outro sapato no caminho. Quando cheguei ao banheiro já estava sem roupa, e logo depois estava no chuveiro. Esperei a água esquentar e a deixei cair por meu corpo com toda a força. Cansada demais para ficar muito tempo de pé, sentei no chão bem embaixo da água corrente com os olhos fechados, abraçando os joelhos. — Eva. Eu me encolhi ao ouvir a voz de Gideon, agarrando as pernas com ainda mais força. — Puta que pariu, ele explodiu. — Não existe ninguém no mundo que me deixe mais puto que você. Olhei para ele por entre os cabelos molhados. Ele andava de um lado para o outro no banheiro, sem paletó e com a camisa para fora da calça. — Vá pra casa, Gideon. Ele parou e me lançou um olhar incrédulo. — Não vou deixar você aqui sozinha nem fodendo. Cary pirou de vez! Aquele drogado filho da puta estava quase atacando você quando cheguei. — Cary não deixaria isso acontecer. Além disso, não estou com 344 cabeça pra aturar você e ele ao mesmo tempo. Eu não queria aturar nenhum dos dois, na verdade. Só queria ficar sozinha. — Então vai se concentrar só em mim. Tirei os cabelos do rosto com um gesto impaciente. — Ah, é? Então quer dizer que a prioridade da minha vida é você? Ele se encolheu como se tivesse levado uma pancada. — Pensei que a prioridade da nossa vida fosse fazer esta relação funcionar. — É, eu também pensava. Até esta noite. — Meu Deus. Dá pra esquecer essa história da Corinne? Ele abriu os braços. — Estou aqui com você, não estou? Mal tive tempo de me despedir dela, porque tive que sair correndo atrás de você. De novo. — Foda-se. Não fui eu que pedi pra você vir atrás de mim. Gideon entrou no chuveiro de roupa e tudo. Botou-me de pé com um puxão e me beijou. Com vontade. Sua boca devorava a minha, enquanto suas mãos apertavam meus braços para me manter onde ele queria. Mas mantive a postura dessa vez. Não ia ceder. Nem mesmo quando ele tentou me seduzir com lambidas lascivas e sugestivas. — Por quê?, ele murmurou, com a boca colada ao meu pescoço. — Por que você quer me deixar maluco? — Não sei qual é seu problema com o doutor Lucas, e sinceramente não estou nem aí. Mas ele tinha razão. Você só conseguia prestar atenção em Corinne. Praticamente me ignorou durante o jantar inteiro. — É impossível pra mim ignorar você, Eva. Ele fechou a cara. — Quando você está por perto, não tenho olhos pra mais ninguém. — Que engraçado. Porque, pelo que eu vi, você ficou o tempo todo de olho nela. — Que bobagem. Ele me soltou e tirou os cabelos molhados do meu rosto. — Você sabe o que sinto por você. — Ah, eu sei? Sei que você me quer. E que precisa de mim. Mas você é apaixonado por Corinne? 345 — Porra, é inacreditável. Não. Ele desligou o chuveiro e apoiou as duas mãos no box em torno de mim para que eu não saísse. — Você quer que eu diga que te amo, Eva? Essa cena toda é por isso? Senti meu estômago se contrair como se tivesse levado um soco. Nunca havia sentido uma dor como aquela, nem sabia que ela existia. Meus olhos ardiam, e eu me abaixei para passar sob seu braço antes de cair no choro. — Vá pra casa, Gideon. Por favor. — Eu estou em casa. Ele me agarrou por trás e enfiou o rosto nos meus cabelos ensopados. — Estou com você. Lutei para me libertar, mas estava abalada demais. Fisicamente. Emocionalmente. As lágrimas começaram a cair em profusão, e não havia como detê-las. Eu odiava chorar quando não estava sozinha. — Vá embora. Por favor. — Eu te amo, Eva. É claro que sim. — Ai, meu Deus. Eu o chutei e consegui escapar. Seria capaz de qualquer coisa para me afastar de uma pessoa que estava me causando tamanha dor e sofrimento. — Não estou pedindo pra você ter pena de mim. Estou pedindo pra ir embora. — Não posso. Você sabe que não posso. Pare de brigar comigo, Eva. Me escute. — Você só está me magoando com essa conversa, Gideon. — Não é a palavra certa, Eva, ele continuou, teimoso, com os lábios grudados na minha orelha. — É por isso que eu não disse antes. Não é a palavra certa pra você nem pro que eu sinto por você. — Chega. Se você gostar de mim um pouquinho que seja, vai calar essa boca e sumir daqui. — Já fui amado antes — por Corinne, por outras mulheres... Mas o que elas sabem sobre mim? Como é que elas podem estar apaixonadas se não sabem nem quem sou? Se o amor é isso, não é nada em comparação ao que sinto por você. 346 Fiquei paralisada, tremendo, vendo no espelho meu rosto borrado de rímel e meus cabelos ensopados e desgrenhados ao lado da beleza perturbada de Gideon. Suas feições estavam dominadas pela emoção quando ele me abraçou com força. Nós não parecíamos combinar em nada um com o outro. Ainda assim eu compreendia sua alienação por estar cercado de pessoas que não podiam, ou não queriam, entendê-lo. Podia sentir seu autodesprezo, proveniente do fato de ser uma fraude, uma imagem projetada de alguém que ele queria ser, mas não era. Sabia o que era conviver com o medo de que as pessoas que ele amava lhe virassem as costas caso o conhecessem como realmente era. — Gideon... Ele beijou minha testa. — Acho que me apaixonei no momento em que vi você. E quando transamos na limusine virou outra coisa. Uma coisa maior. — Que seja. Você me deu um chega pra lá naquela noite e foi cuidar de Corinne. Como é que você pôde fazer uma coisa dessas comigo, Gideon? Ele só me largou quando se ajeitou para me pegar no colo e me levar até onde estava meu robe, pendurado em um gancho atrás da porta. Ele me vestiu e depois me sentou na borda da banheira enquanto ia até a pia e pegava meus paninhos de tirar maquiagem da gaveta. Agachado na minha frente, começou a limpar meu rosto. — Quando Corinne me ligou no meio daquele evento, era o momento perfeito pra eu fazer uma idiotice. A expressão em seu rosto banhado de lágrimas era tranquila e afetuosa. — Você e eu tínhamos acabado de transar, e eu não estava conseguindo pensar direito. Disse pra ela que estava ocupado, e que estava acompanhado, mas quando percebi que ela estava magoada, achei que precisava acertar os ponteiros com ela pra poder seguir em frente com você. — Não entendi nada. Você me deixou de lado por causa dela. É isso que você chama de seguir em frente comigo? — Eu pisei na bola com Corinne, Eva. Ele levantou meu queixo para limpar meus olhos borrados. — Nós nos conhecemos no meu primeiro ano de 347 universidade. Ela chamou minha atenção, é claro, toda linda e meiga, incapaz de dizer uma palavra desagradável sobre quem quer que seja. Quando veio atrás de mim, eu me deixei levar e tive minha primeira experiência sexual de comum acordo com ela. — Eu a odeio. Ele abriu um sorrisinho ao ouvir isso. — Não estou brincando, Gideon. Esta conversa está me matando de ciúme. — Com ela era só sexo, meu anjo. Com você, por mais violento e selvagem que seja, eu sempre faço amor. Desde a primeira vez. Você é a única pessoa capaz de fazer com que eu me sinta assim. Suspirei. — Está bem. Estou um pouquinho melhor. Ele me beijou. — Acho que dá para dizer que nós namoramos. Só fazíamos sexo um com o outro e íamos a vários lugares juntos. Ainda assim, quando ela disse que me amava, foi uma surpresa. Uma surpresa agradável. Eu gostava dela. Da companhia dela. — E pelo jeito ainda gosta, resmunguei. — Me deixe falar. Ele me castigou batendo com o dedo na ponta do meu nariz. — Pensei que eu poderia estar apaixonado também, da minha maneira... da única maneira que eu conhecia. Não queria ver Corinne com outra pessoa. Então aceitei quando ela propôs o casamento. Eu me afastei para olhar bem para ele. — Ela propôs o casamento? — Não precisava ficar tão surpresa, ele falou, irônico. — Você está acabando com meu ego. O alívio tomou conta de mim com tamanha velocidade que fiquei até tonta. Atirei-me sobre ele, abraçando—o com a maior força de que era capaz. — Ei. Ele retribuiu o abraço com a mesma avidez. — Está tudo bem? — Melhorando. Agarrei seu rosto entre as minhas mãos. — Continue falando. — Aceitei pelos motivos errados. Estávamos saindo fazia dois anos, e 348 nunca tínhamos nem dormido juntos. Nunca falamos sobre as coisas que eu converso com você. Ela não me conhece, pelo menos não de verdade, mas ainda assim acabei me convencendo de que ser amado bastava. E quem seria capaz de fazer isso melhor que ela? Gideon passou a concentrar sua atenção em meu outro olho, removendo as manchas pretas. — Acho que ela esperava que o noivado fosse fazer o relacionamento decolar. Que eu fosse me abrir mais. Que dormisse com ela no hotel — que ela considerava muito romântico, aliás — em vez de ir logo pra casa por causa das aulas no dia seguinte... Sei lá. Tudo isso me mostrou como ele era uma pessoa solitária. Meu pobre Gideon. Tinha passado tanto tempo sozinho. Talvez a vida inteira. — E de repente ela pode ter terminado tudo um ano depois, ele continuou, — pra tentar dar uma sacudida nas coisas. Pra me obrigar a fazer um esforço pra ficar com ela. Em vez disso, fiquei aliviado, porque já estava começando a entender que seria impossível pra mim morar sob o mesmo teto que ela. Que desculpa eu teria que arrumar para continuar dormindo sozinho e ter um espaço só pra mim? — Você nunca pensou em contar pra ela? — Não. Ele encolheu os ombros. — Até conhecer você, não encarava meu passado como um problema. Até achava que ele tinha influência na maneira como eu conduzia as coisas, mas tudo tinha seu lugar e eu não me considerava infeliz. Na verdade, achava que levava uma vida confortável e descomplicada. — Ops. Franzi o nariz. — Olá, senhor Confortável. Eu sou a senhorita Complicada. Ele abriu um sorriso. — Com você, nada é previsível ou tedioso. 349 22 Gideon jogou os paninhos sujos de maquiagem no lixo, depois pegou uma toalha pra enxugar a poça que havia se formado sob seus pés. Para meu extremo deleite, ele começou a tirar suas roupas molhadas. Deliciada com o que estava vendo, comentei: — Você se sente culpado porque ela ainda é apaixonada por você. — Pois é, conheço o marido dela. É um cara legal, e era louco por ela, pelo menos até descobrir que Corinne não sentia o mesmo por ele e tudo ir por água abaixo. Gideon olhou para mim enquanto tirava a camisa. — Eu não conseguia entender por que ele ficou tão abalado com isso. Estava casado com a mulher que queria, vivendo em outro país, então qual era o problema? Agora eu sei. Se você fosse apaixonada por outro homem, Eva, isso me mataria. Mesmo que você estivesse comigo e não com ele. Mas, ao contrário de Giroux, eu não abriria mão de você. Mesmo que não fosse toda minha, seria pelo menos um pouco, e eu já me daria por satisfeito com isso. Entrelacei meus dedos. — É isso que me assusta, Gideon. Você não sabe dar valor a si mesmo. — Na verdade, sei, sim. Doze bilhões de... — Pare com isso. Minha cabeça começou a girar, e eu apertei os olhos com os dedos. — Não é nenhuma surpresa que as mulheres se apaixonem por você. Sabia que Magdalene deixou o cabelo crescer só pra ficar parecida com Corinne? 350 Ele tirou a calça e franziu a testa para mim. — Por quê? Suspirei diante daquela falta de noção. — Porque ela acha que você é apaixonado por Corinne. — Então está achando errado. — Está mesmo? Corinne me disse que vocês conversam quase todos os dias. — Não exatamente. Na maioria das vezes não posso atender. Você sabe que sou uma pessoa ocupada. Seu olhar voltou a se acender da maneira como eu estava acostumada a ver. Logo percebi que ele estava pensando nas vezes em que estava ocupado comigo. — Isso é loucura, Gideon. Ela ligar todo dia. É assédio. O que me fez lembrar o comentário de Corinne de que ele era possessivo com ela da mesma maneira como era comigo. Isso me incomodou terrivelmente. — Aonde você está querendo chegar com isso?, ele perguntou em um tom de voz de quem estava achando graça naquilo tudo. — Você não entende? As mulheres ficam malucas por sua causa porque você é o máximo. É a sorte grande. Se uma mulher não puder ter você, sabe que vai ter que se contentar sempre com menos. Por isso não aceitam essa ideia. E ficam imaginando maneiras malucas de chamar sua atenção. — A não ser a única que eu realmente quero, ele rebateu, sarcástico. — Essa está sempre imaginando um jeito de fugir de mim. Eu me mantive impassível enquanto apreciava sua nudez diante de mim. — Me responda uma coisa, Gideon. Por que você me quer, se pode escolher alguém perfeito pra você? E não estou atrás de elogios, nem garantias ou algo do tipo. Só quero uma resposta sincera. Ele me pegou no colo e me levou até o quarto. — Eva, se você não parar de pensar em nós dois como uma coisa temporária, vou dar uns tapas na sua bunda, e de um jeito que você vai adorar. Ele me sentou em uma poltrona e começou a remexer nas minhas gavetas. 351 Vi quando pegou um conjunto de lingerie, minha calça de ioga e um top. — Esqueceu que com você eu sempre durmo sem roupa? — Não vamos dormir aqui. Ele me encarou. — Não confio que Cary não vá trazer mais idiotas drogados pra cá, e quando cair no sono vou estar chumbado por causa do remédio, então não vou poder proteger você. Vamos pra minha casa. Olhei para baixo, para minhas mãos retorcidas, lembrando que poderia precisar de proteção contra ele também. — Já passei por isso com Cary antes, Gideon. Não posso me esconder na sua casa e simplesmente torcer pra ele sair dessa. Ele precisa de mim, e eu não tenho ficado por perto ultimamente. — Eva. Gideon me entregou as roupas e se agachou diante de mim. — Sei que você precisa ajudar Cary. Vamos pensar nisso amanhã. Peguei seu rosto entre as mãos. — Obrigada. — Mas eu também preciso de você, ele disse baixinho. — Nós precisamos um do outro. Ele ficou de pé, foi até a cômoda, abriu as gavetas reservadas para ele e pegou algumas roupas. Comecei a me trocar. — Olha só... Ele pôs o jeans de cintura baixa. — O quê? — Estou me sentindo bem melhor depois dessa nossa conversa, mas Corinne continua sendo um problema para mim. Fiz uma pausa para me vestir da cintura para cima. — Você precisa cortar as esperanças dela pela raiz, Gideon. Precisa superar esse seu sentimento de culpa e começar a manter Corinne à distância. Ele sentou na beira da cama para colocar as meias. — Ela é minha amiga, Eva, e está passando por um momento difícil. Seria uma crueldade cortar relações com ela agora. — Pense bem, Gideon. Você não é o único que teve relacionamentos no passado, e está estabelecendo um precedente de como lidar com eventuais reaparições. Estou moldando meu pensamento a partir de suas atitudes. 352 Ele se levantou e fechou a cara. — Você está me ameaçando. — Prefiro ver como um pedido de concessão. Relacionamentos são vias de mão dupla. Ela tem outros amigos. Pode encontrar um ombro muito mais apropriado para suas crises. Pegamos o que precisávamos e voltamos para a sala. Vi toda a bagunça que havia ficado para trás — um sutiã verde-água debaixo da mesa, respingos de sangue no meu sofá claro — e desejei que Cary ainda estivesse ali para me ouvir. — Cuido disso amanhã, falei entre os dentes, com o maxilar cerrado de raiva e preocupação. — Que saco, eu deveria ter dado um jeito nele quando tive a chance. Deveria ter deixado ele trancado no quarto até conseguir pensar de novo. Gideon acariciou minhas costas para me acalmar. — Melhor fazer isso amanhã, quando ele estiver de ressaca e sem ninguém por perto. Costuma dar mais certo assim. Angus estava à nossa espera quando descemos. Eu estava prestes a entrar na limusine quando Gideon soltou um palavrão e me deteve. — Que foi?, perguntei. — Esqueci uma coisa. — Eu te dou as chaves e você sobe pra pegar. Comecei a remexer na mochila que Gideon estava segurando, onde estava minha bolsa. — Não precisa, tenho uma cópia. Ele abriu um sorriso na maior cara lavada quando a surpresa se estampou em meu rosto. — Fiz um jogo de chaves pra mim antes de devolver as suas. — Está falando sério? — Se você tivesse prestado atenção, ele beijou minha cabeça, — teria visto que agora você também tem uma cópia das chaves da minha casa. Fiquei observando enquanto ele passava pelo porteiro e voltava para o prédio. Lembrei de todo o tormento que haviam sido os quatro dias que tínhamos passado longe um do outro, e da dor que senti ao receber aquele 353 envelope com as chaves. E, durante esse tempo todo, a chave para ficar sozinha com ele estava nas minhas mãos. Balançando a cabeça, olhei ao redor, para minha nova cidade, adorando tudo aquilo e me sentindo grata por toda a felicidade tempestuosa que havia encontrado depois de me instalar ali. Mas Gideon e eu ainda tínhamos muito trabalho pela frente. Por mais que nos amássemos, não havia como garantir que seríamos capazes de superar nossos traumas. Pelo menos estávamos conseguindo estabelecer uma comunicação, estávamos sendo sinceros um com o outro, e só Deus sabia como era difícil para nós dois deixar certas coisas passarem batidas. Gideon reapareceu ao mesmo tempo em que dois poodles enormes e muito bem cuidados saíam com sua dona igualmente emperiquitada. Assim que o carro arrancou, Gideon me pôs no colo e me abraçou forte. — Tivemos uma noite difícil, mas conseguimos superar. — Verdade, conseguimos. Jogando a cabeça para trás, ofereci minha boca para um beijo. Ele me deu um bem gostoso e demorado — uma singela reafirmação de nossa relação complicada, enlouquecedora, necessária e insubstituível. Agarrando sua nuca, passei meus dedos por seus cabelos sedosos. — Mal posso esperar a hora de ir pra cama. Ele soltou um rugido sexy e atacou meu pescoço com beijos e mordidas, mandando para longe nossos traumas e seus fantasmas. Pelo menos por um tempinho... 354 Agradecimentos Tenho grande admiração e respeito por minha editora, Cindy Hwang, por todas as coisas envolvidas no processo de passar esta série das minhas mãos cautelosas para as delas. Ela queria esta história e lutou muito para tê-la, e eu agradeço seu entusiasmo. Obrigada, Cindy! Não tenho palavras suficientes para agradecer a minha agente, Kimberly Whalen, e sua energia e disposição inesgotáveis. Ela sempre supera minhas expectativas, deixando-me naquela posição agradável e tão desejada de simplesmente dizer: — Vamos em frente. Obrigada, Kim, por ser exatamente o que eu preciso! Por trás de Cindy e Kim existem as equipes dinâmicas e competentes da Berkley e do Trident Media Group. Em todos os departamentos, em todos os níveis, o apoio e o entusiasmo com a série Crossfire foram incríveis. Agradeço muitíssimo, e me sinto privilegiada por isso. Minha enorme gratidão à editora Hilary Sares, que mergulhou profundamente na história e me fez trabalhar por ela. Na prática, ela acabou comigo. Mas, ao se manter sempre alerta e não deixar que eu tomasse o caminho mais curto, Hilary me fez trabalhar mais, e isso tornou este livro muito, muito melhor. Toda sua não teria sido o que é sem você, Hilary. Muito obrigada! Meus agradecimentos a Martha Trachtenberg, copidesque extraordinária, e Victoria Colotta, diagramadora, por todo o trabalho na versão independente deste livro. Agradeço também a Tera Kleinfelter, que leu a primeira metade de Toda sua e disse que adorou. Obrigada, Tera! A E. L. James, que escreveu uma história que cativou os leitores e criou um 355 desejo por mais obras como a sua. Você é demais! A Kati Brown, Jane Litte, Angela James, Maryse Black, Elizabeth Murach, Karla Parks, Gitte Doherty, Jenny Aspinall... Ah, existe tanta gente a agradecer por ter feito uma propaganda boca a boca maravilhosa de Toda sua! Se esqueci seu nome aqui, por favor acredite que ainda assim ele está no meu coração. Muito, muito obrigada! A todas as meninas que passaram por Cross Creek em algum momento da adolescência. Que todos os seus desejos se realizem. Vocês merecem. E a Alistair e Jessica, de Seven Years to Sin, que me inspiraram a escrever a história de Gideon e Eva. Fico feliz que a inspiração tenha caído duas vezes no mesmo lugar! 356 Pubicado pela Editora Paralela é uma divisão da Editora Schwarcz S.A. 357 Formatado por:
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